10/02/2011

O Pesadelo da Perfeição - Cisne Negro



Medalhas de Honra. Prêmios. Honrarias. Além do reconhecimento por um trabalho bem realizado ou uma postura correta diante de alguma situação, estas recompensas trazem embutidas uma visão da identidade daquele que a recebe: de ser uma pessoa íntegra e merecedora daquele título. Contudo, a situação se complica quando o premiado torna-se escravo da imagem que os outros criaram para ele, fazendo-o viver em função dela para conseguir alcançar honrarias maiores.

Essa reflexão inicial está implícita na mais nova obra perpetrada por Darren Aronofsky, cineasta conhecido por seus passeios pela mente humana, seja calcado em retratos mais realistas – O Lutador (The Wrestler, 2008) – ou construções a partir de um ponto de vista deslocado da sociedade – Pi (idem, 1998) -, mas por vezes, mostrando o desequilíbrio entre sonho e realidade, como no seu Cisne Negro (Black Swan, 2010), em que Natalie Portman encara o tour de force de dar vida à Nina Sayers, bailarina de uma companhia de Nova York. Sua vida, como a de todos nessa profissão, é inteiramente consumida pela dança: ela mora com a mãe, Erica (Barbara Hershey), bailarina aposentada que incentiva a ambição profissional da filha. O diretor artístico da companhia, Thomas Leroy (Vincent Cassell), decide substituir a primeira bailarina, Beth MacIntyre (Winona Ryder), na apresentação de abertura da temporada, O Lago dos Cisnes, e Nina é sua primeira escolha. Mas surge uma concorrente: a nova bailarina, Lily (Mila Kunis), que deixa Leroy impressionado.

Como a representação do Cisne Negro requer que Nina se desfaça da imagem que se acostumou a carregar durante tanto tempo, seja pela criação superprotetora da mãe ou pela disciplina que o ballet lhe exigiu durante toda sua jornada, de que ideal de perfeição ela precisa se desvencilhar: a perfeição de sua vida fora dos palcos ou da sua Arte? Mergulhando nesse pesadelo expressionista, Aronofsky conduz, assim como em Requiem for a Dream (2000), uma protagonista que se entrega de tal forma à realização de um desejo que sua consciência parece se anestesiar das consequências que dele emergem. Utilizando de uma trilha sonora sufocante, uma edição dinâmica e refinada e uma mise-en-scène surpreendente, a câmera na mão de Aronofsky acompanham uma Natalie Portman que equilibra desconforto e transformação a fim de construir um retrato distorcido da humanidade que a cerca através da mente de Nina Sayers, cujo desejo de perfeição a encaminha para uma metamorfose kafkaniana e autodestrutiva.

Um cinema densamente psicológico, poderoso e, por que não dizer, até perigoso como um sonho que, por vezes, torna-se real demais para ser ignorado.


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