30/10/2011

O Palhaço e a melancolia chapliniana




Qual o meu espaço no mundo? Qual a minha missão, minha razão de ser e estar nesse estranho e, por vezes, desesperançado universo? Cada um nasce não para um sentido único, mas para encontrar sua própria direção em meio a tantas outras que parecem concorrer ou divergir do caminho que escolhemos. Por vezes, nós mesmos escolhemos dar um passeio por outras trilhas para tentar nos distanciar de uma reta que parece, às vezes, não nos satisfazer mais.

Segundo longa do conhecido ator global, O Palhaço (idem, 2011, Selton Mello) trata da história de Benjamin, palhaço de circo que segue a carreira do pai, Valdemar, mas que se encontra insatisfeito com sua obrigação em “fazer rir” quando, na verdade, o que mais desejava era ter alguém com quem chorar e desabafar todas as lagrimas que vem carregando há tempos. Andando com seus bizarros colegas de picadeiro pelas cidades, termina passando por diversas situações até que resolve se distanciar da lona do pai para encontrar seu próprio abrigo no mundo dos trabalhos convencionais.

Com um enredo simples, mas entremeado com episódios bisonhos e engraçadíssimos, eles ganham maiores contornos com a tripla jornada de Mello como protagonista, diretor e co-roteirista, que lhe permite adensar a temática e a estética que optou por trabalhar no longa. A direção, se comparada com Feliz Natal e sua câmera nervosa, ganha planos compostos de maneira mais “desenhada” e estável, com travellings que transmitem certa delicadeza e fluidez ao universo circense. Relembrando em certas passagens o cinema de Wes Anderson e Zach Braff tanto nas ideias – as estranhas relações familiares e a descoberta de si mesmo num mundo atemporal e, ocasionalmente, pueril - como na forma de conduzi-las diante do espectador – como em alguns enquadramentos estáticos e na galeria imensa de personagens –, a direção de Mello se aprimora com o elenco numeroso que passeia pela tela.

Enquanto Selton esbanja simpatia e lirismo com seu confuso e divertido Benjamin, Paulo José emociona com um Valdemar esperançoso e dolorido, e a galeria de atores que compõem a trupe e os personagens toscos que encontram de cidade em cidade – que inclui Moacyr Franco, Fabiana Karla e Jorge Loredo em participações mais do que agradáveis. A edição fluida, a fotografia viva e a trilha sonora leve ajudam a compor esse painel patético e esperançoso de uma humanidade que ainda pode se reencontrar olhando para si mesma.

Com uma melancolia quase chapliniana que permeia todo o longa, gradativamente Mello se firma como um dos diretores mais sensíveis do cinema brasileiro contemporâneo, pois compartilha experiências e sensações que atravessam não somente as relações familiares, mas principalmente, o homem por trás da máscara.

Real e paralelo? – Contra o tempo




O que podemos classificar como mundo real? E quanto às imagens em nossa mente? O que separa um universo do outro? A fantasia e, mais especificamente, a ficção cientifica durante muito tempo trabalharam com esse tipo de temática que resgata temas de discussão desde a filosofia grega, como o Mito da Caverna, de Platão. Desde então, debater as relações entre corpo e mente tornou-se tarefa cada vez mais sofisticada nas artes, principalmente o cinema.

Contrao Tempo (The Source Code, 2011, Duncan Jones), apesar da tradução cretina, termina se tornando uma bela pérola em meio às tramas simplórias que inundam os multiplexes. Em meio a uma viagem de trem, um homem chamado Sean desperta do que parece ser um transe e desconhece o que seu corpo estaria fazendo naquele lugar, assim como a moça com quem divide o assento do transporte. Absorve cada detalhe do ambiente, tentando encontrar alguma relação com a ideia que possui a respeito de sua própria história. Aparentemente desmemoriado, o rapaz tenta sair do trem, mas é surpreendido por uma intensa explosão que matou a todos os passageiros do trem e o faz acordar numa escotilha com uma certeza: ele não era Sean, mas Colter Stevens, um soldado americano tido como morto na Guerra ao Iraque. Como explica a Tenente Goldwin, aquela explosão aconteceu na manhã daquele dia e sua mente está sendo “implantada” no corpo de Sean, passageiro morto no atentado, para que ele desubra a pessoa que causou a explosão que o vitimou.

Complexo? Pois é. A trama do longa não é algo típico do público-pipoca, já que exige mais atenção do que os descerebrados filmes de Michael Bay para que atinja os efeitos que almeja: dar um nó na cabeça do espectador. A princípio, a repetição de situações incomoda um pouco, mas o crescimento qualitativo das emoções envolvidas torna a experiência ainda mais gratificante. Com uma direção pesada e tensa, Jones trabalha bem com seus atores, deixando-os conduzir a trama complexa em eventos e sentimentos: Jake Gyllenhall carrega na densidade da condição de sua personagem, sem ignorar seu lado de filme de ação; Vera Farmiga torna-se a contrapartida perfeita para o desespero do protagonista, com uma tranquilidade tensa e instável que se revela mais humana do que se esperava; Jeffrey Wright, infelizmente, termina ressoando clichês de cientistas mais preocupados com a ciência do que com os seres humanos; e Michelle Monaghan encanta pela beleza e simpatia.

Com um clímax extremamente competente em transmitir e emoção da sensação da eternidade de um instante perpetuado na mente do protagonista, o diretor, entretanto, termina cedendo a um final feliz em demasia, conduzindo seus personagens para um espaço que, diante da ausência de qualquer explicação, gera ainda mais perguntas, deixando o espectador livre para construir suas próprias conclusões.

Gigantes de Aço e o abismo ao outro

Hoje é dia de Cine Lupinha.

Filme de Hoje: Gigantes de Aço (Real Steel, 2011, Shawn Levy)


Trecho: "Contando com um dos clichês mais batidos da história do cinema, o roteiro e a direção do longa ganham pontos somente pelo modo como conduzem os elementos fantásticos da narrativa: a ficção científica torna-se mais próxima da realidade."

16/10/2011

Quando as metralhadoras cospem - Adultos Pueris ou Crianças ‘Adultizadas’?



“Joãozinho, vê se cresce.” “Você parece um velho, reclamando de tudo.”. Às vezes, ouvimos comentários desse tipo quando tomamos atitudes que parecem inadequadas à nossa idade. Ou seja, sempre estamos ou outras pessoas estão insatisfeitas com a idade que temos, desejando a sabedoria e a temperança dos experientes, mas também a jovialidade e frescor da juventude.

No musical Quando as metralhadoras cospem (Bugsy Malone, 1976, Alan Parker), encontramos crianças usando vestimentas, palavras e atitudes tipicamente adultas ao dar vida à seguinte história: na Nova York dos anos 20, o honesto Bugsy Malone e a adorável Tallulah protagonizam uma guerra entre duas gangues pela posse de uma arma chamada splurge - um tipo de metralhadora que arremessa chantilly. Satirizando os filmes de gângster, este divertido longa ganha leveza no jazz e blues das danças, além de um certo ar nonsense com a presença das crianças que interpretam mafiosos, dançarinas e aspirantes a artistas de uma época marcante e difícil na história estadunidense.

Alan Parker conduz com mão leve todas as sequências, deixando as crianças tomarem conta do show e exibirem seus talentos para dançar, cantar e interpretar como se estivessem em um grande musical de colégio. Apesar de se alongar em algumas sequências que terminam interrompendo a narrativa em favor dessa exibição de talentos, são poucos os pontos que enfraquecem a excelência do longa em conquistar o público. Contando com uma Jodie Foster em início de carreira que conduz com maturidade e certa dose de ousadia sua Tallulah, Parker nos oferece a oportunidade de conhecer jovens talentos de uma geração que hoje se leva mais a sério.

Com esse longa, Parker nos leva a refletir sobre quão imaturas e infantis podem ser nossas atitudes diante de uma sociedade que sempre parece nos exigir que cresçamos. Por mais que cresçamos em idade ou tamanho, sempre carregaremos dentro de nós mesmos este espírito infantil que, com a mesma disposição que erra, deveria estar mais disposta a perdoar e superar as falhas dos outros.

15/10/2011

Krámpack e a (des)(re)(anti)coberta da sexualidade



Desde nosso nascimento, aprendemos a nos inserir na sociedade de acordo com as ‘regras’ que regem as mais diversas instituições de que participamos: trabalho, escola, universidade e, principalmente, a família. Por ser o celeiro onde somos orientados a fazer escolhas, esta instituição se mostra basilar para que definamos nossa identidade, nossa profissão e nossa sexualidade. Contundo, nem sempre este tipo de preferência surge de maneira clara quanto se imagina.

Em Krámpack (2000), conhecemos a história de Dani, que, durante a viagem de seus pais, convida Nico, seu melhor amigo, para passar o verão em sua casa. Durante esse período, ambos paqueram Berta e Elena, duas garotas eu moram na cidade, conhecem Julian, um escritor que trabalha com o pai de Dani, tem conselhos com Marianne, a empregada da casa, e com Sonia, a professora particular de Dani.  Nesse entremeio, Dani conhece, ou aprende a re/desconhecer sua sexualidade ao começar a desejar Nico como mais que um amigo.

Com um roteiro simples e linear, escrito por Tomàs Aragay e Cesc Gay com base na peça homônima de Jordi Sánchez, o diretor Cesc Gay permite que o seu elenco ganhe maior destaque na narrativa, já que  sua trilha sonora agradável e juvenil, sua fotografia colorida em tons pastel e sua montagem fluida jamais sobrepujam o enredo. A dupla que protagonista o longa consegue dar conta do recado ao dar vida aos dois adolescentes em suas virtudes e contradições, criando dois personagens que conquistam o público justamente por seu descompasso, suas diferenças e, principalmente, pelos caminhos desencontrados que percorrem até reencontrar seu eixo.

Ao final do longa, compreendemos que, para Dani, mais vale manter um laço que não se rompa com as complicações de uma situação amorosa e,ainda mais, pouco importa definir a própria sexualidade em qualquer rótulo que em nada contribua para que viva de uma maneira mais satisfatória.

14/10/2011

Capitães da Areia e seus descompassos



O que entendemos por descompasso? Trata-se de ausência de compasso, de regularidade, de medida entre dois ou mais instâncias / parâmetros que andam em paralelo, exibindo suas imperfeições enquanto tentam caminhar paralelamente. A partir deste preâmbulo, começo esta resenha afirmando que Capitães de Areia (idem, 2011, Cecília Amado) comporta-se como uma obra cinematográfica descompassada entre todos os elementos que compõem a sétima arte.

Baseada no livro de Jorge Amado, a obra versa sobre um grupo de garotos de rua, liderados por Pedro Bala, que vivem nas ruas da Bahia praticando pequenos furtos e cortejando as prostitutas da cidade. A partir desse mote, temos as várias situações que permeiam a narrativa: o aparecimento de Dora e Zé Fuinha, as brigas com uma gangue rival e a prisão de um deles no reformatório.

Para sua caracterização do romance, Cecília Amado emprega uma bela paleta de cores - que torna ainda mais bela a cidade de Salvador - e uma trilha sonora eclética e agradável - que, na verdade, funciona mais fora da tela do que dentro dela - para construir seu longa, mas parece se apoiar exclusivamente nestas ferramentas para trazer um pouco de vida aos personagens na tela. O elenco, formado por não-atores, até tenta se esforçar, mas não consegue, de modo algum, dar vida para os personagens, oferecendo cenas e mais cenas constrangedoras onde as crianças parecem que não sabem o que estão dizendo com aquelas frases. Se, por um lado, posso louvar seu esforço em oferecer um longa que não seja estrelado por atores globais ou com a “limpeza estética” do padrão Globo de qualidade, percebo que não houve diligência em trabalhar as atuações dos garotos e, se houve, ele não foi suficiente para conduzir o espectador pela história que já encantou tantas gerações na literatura brasileira.

Mesmo que não seja um filme que faça vergonha ao cinema nacional, neste descompasso advindo da inexperiência, a diretora termina por alavancar seu esforço no design visual e sonoro da produção, mas termina ignorando o poder que os atores possuem de nos fazer esquecer todos estes elementos coadjuvantes na realização fílmica quando assistimos a uma que nos toca profundamente.

ET - Vinho Novo em Odres Velhos

Hoje, novamente no Cine Lupinha.

Filme de Hoje: ET - O Extraterrestre (ET - The Extraterrestrial, 1982, Steven Spielberg)


Trecho: "Aquele encontro entre dois seres que se sentem diminuídos diante de um mundo adulto e sisudo sempre se renova por que parece sempre se fortalecer quando o vemos novamente"

13/10/2011

Sorry About Colonialism - Gran Torino

Hoje é dia de Cine Lupinha também.

Filme de Hoje: Gran Torino (idem, 2009, Clint Eastwood)


Trecho: "Eastwood ousa muito pouco ao realizar um drama à moda antiga que tenta se retratar de uma culpa estadunidense diante das desgraças infringidas sobre outros povos, como manda os ‘ditames’ do Sorry About Colonialism"

Confiar e a Pedagogia Cultural



A Educação passou por diversos estágios e estudos ao longo de seu desenvolvimento teórico e prático, desde as experiências do condicionamento “estímulo-resposta” de Skinner, passando pelo socioconstrutivismo de Piaget ou Vygotsky, chegando à educação através das novas tecnologias de informação e comunicação.
            
Dentro desta última vertente, podemos encontra um ramo recente de estudos que mescla comunicação e educação, mas também os vieses tradicionalistas e progressistas de “ensinar e aprender”, chamado Pedagogia Cultural. Este campo de estudos pesquisa a respeito das possibilidades educativas das mídias de massa – leia-se televisão, rádio, propaganda, cinema etc. -, concebendo-as como veiculadoras de ideologias capazes de influenciar fortemente comportamentos, sentimentos e opiniões de seus usuários. Mas que relações podemos estabelecer entre este campo de estudos e o filme a ser resenhado? É simples.
            
Confiar (Trust, 2011, David Schwimmer) versa sobre Annie, uma adolescente de 14 anos e de familiar nuclear tradicional, que mantém contato na internet com um jovem de 16 anos, Charlie, conversando sobre as alegrias e frustrações que enfrenta em sua jornada familiar e escolar diariamente. Com o tempo, o rapaz começa a revelar que mentiu sobre sua idade – possui mais de 30, na realidade –, mostrando-se um predador sexual online depois que ambos marcam um encontro ao vivo. A partir deste fato, descortinam-se as misérias de um pai em busca de vingança e uma mãe que se culpa diante do esfacelamento de sua perfeita família.
            
Revelar estes detalhes do enredo não se mostra um spoiler muito disparatado, já que a construção previsível e a direção quase didática de Schwimmer não permitem vôos mais distantes do que a mensagem que desde o início se explicita no longa. De forma semelhante a A Vida de David Gale (2003), em que Alan Parker se valia do enredo para defender um posicionamento anti-pena de morte, Schwimmer parece se utilizar de um roteiro, escrito por Andy Bellin e Robert Festinger, que parece parte de uma campanha contra pedofilia na internet, algo como as novelas da Globo têm feito com maior freqüências nos últimos anos. O trio de protagonistas – Clive Owen, Catherine Keener e Liana Liberato – possui talento para tentar driblar estas armadilhas, mas parece tudo tão esquemático que se torna um trabalho hercúleo tentar oferecer um retrato menos óbvio destas personagens deste filme-denúncia.
            
Com um simplismo didático que beira o maniqueísmo deslavado, este filme não consegue dar conta de todas as contradições que o seu tema pode proporcionar, funcionando, de fato, como um recurso para “ensinar” comportamentos para seus espectadores, principalmente, as adolescentes expostas diariamente aos “males” das redes sociais. Não procuro aqui desmerecer a educação ou seus pressupostos, mas discordo explicitamente do fato de se empregar suas estratégias de maneira fragilizada, procurando "isentar" os espectadores da possibilidade de pensar por si mesmos sobre a temática desenvolvida no longa ao oferecer um discurso "pensado e mastigado" para que eles possam simplesmente digerir e reproduzir ad infinitum.

10/10/2011

Larry Crowne e o ser óbvio

Hoje é dia de Cine Lupinha.



Trecho: "Um dos maiores problemas do longa reside no roteiro frouxo e sem criatividade de Tom Hanks e Nia Vardalos, que, surpreendentemente, entregam os diálogos e situações mais óbvias que poderiam acontecer em um filme"

Apimentando a Comédia Romântica - Amizade Colorida



Todo ano temos nossa cota de comédias românticas para as moçoilas que querem se apaixonar pela enésima vez no cinema, desde Aconteceu Naquela Noite, passando por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, até chegar em 500 Dias com Ela. Por mais que os clichês sempre rondem este gênero, às vezes surge um filme que utiliza com tanta maestria os elementos clássicos deste filmes geralmente açucarados, raramente desesperançados.

Em Amizade Colorida (Friends With Benefits, 2011, Will Gluck), Dylan e Jamie rompem com seus respectivos namorados e passam a evitar relacionamentos até que se conhecem por uma oportunidade de trabalho: Jamie é uma caçadora de talentos que, a serviço da revista GQ, recruta Dylan para fazer parte do expediente do periódico como diretor de arte. Quando a amizade entre ambos cresce, surge, então, a proposta indecente: que tal dar um passo a mais no relacionamento e virar fuck buddies, ou seja, sexo sem nenhum compromisso amoroso?

Claro que ambos aceitam a empreitada e não precisa ser vidente para saber como se desenrolará a trama nem seu desfecho, mas o que surpreende e conquista o espectador são os divertidos e rápidos diálogos criados pela trinca Keith Merryman, David A. Newman e Will Gluck. Oriundos da televisão, os roteiristas oferecem ao roteiro uma velocidade incomum para as comédias românticas, além de uma quantidade grande de situações e piadas que surgem da boca dos protagonistas. Gluck, como diretor, consegue focar na química entre os dois protagonistas – Mila Kunis e Justin Timberlake -, trazendo alguns coadjuvantes de luxo – Patricia Clarkson, Woody Harrelson, Jenna Elfman e Richard Jenkins - que, se não fazem muita diferença no enredo, pouco atrapalham seu desenvolver.

Mesmo que não seja uma revolução alleniana ou kaufmaniana no gênero, é inegável o prazer de encontrar vida inteligente por trás de um gênero já desgastado pelas Roberts, Ryans, Stiles e Heigls da vida.

Premonição 5 e as Narrativas Seriadas




As narrativas seriadas fazem sucesso desde o início dos folhetins e cinejornais que, alimentando as expectativas do público com dramaticidade e tensão, procuravam mantê-lo imerso em uma narrativa que apresentava elementos quase sempre reconhecíveis na história contada. Como já foi dito na resenha de Os Smurfs(The Smurfs, 2011, Raja Gosnell), vivemos em uma Cultura do Remix, ou seja, em que estamos procurando sempre aspectos familiares em todos os produtos que consumimos.

Em Premonição 5 (Final Destination 5, 2011, Steve Quale), encontramos exatamente a mesma história em cada um dos filmes, diferindo somente os protagonistas e os espaços onde a ação se desenrola: um(a) jovem viaja para algum lugar com um grupo de pessoas, tem uma visão premonitória em que todos morrem e traz um grupo de pessoas junto com ele. Estas pessoas, depois de terem ‘enganado a Morte’, começam a ser mortas uma a uma das maneiras mais absurdas através de estranhas coincidências. Se, no primeiro filme, a novidade fez seu sucesso, a partir do segundo, a fórmula já havia estabelecido e só fez descer ladeira abaixo. Neste quinto, um elemento interessante oferece um renovo para a desgatada narrativa: o humor.

O roteiro de Eric Heisserer, despontando no ramo do terror, traz um certo humor negro em alguns momentos, pois seus personagens parecem se divertir com a situação em que se encontram e não se podam em nos ‘torturar’ com a tensão de nossa expectativa em saber como vai acontecer a morte de cada um dos personagens. E quanto a Steve Quale, pupilo de James Cameron, não se intimidou de seguir os passos do mestre e tornou o filme uma experiência divertida, ainda que descartável. Entendeu que, para gerar identificação com as personagens, não precisava mostrar sempre eles sofrendo com sua condição, mas o ridículo também teria seu espaço. Quanto ao elenco, todos eles conseguem dar conta do recado, criando personagens que, se não são inesquecíveis, conseguem marcar pelo tempo do filme. Mas os elementos que chamam realmente a atenção são as cenas de ação e suspense – como a destruição da ponte em obras e as primeiras mortes, assim como a reviravolta final.

Premonição 5 funciona por ter consciência de não precisar se levar a sério e por se fazer sempre reconhecível pelos elementos que o consagraram, como as várias narrativas seriadas com que nos deparamos ao longo de nossa jornada audiovisual, repetindo o mesmo discurso: ninguém MESMO engana a Morte. 

02/10/2011

O humor do/com/para o Outro - Alô, Alô Terezinha



O que é ser engraçado? De onde vem a sensação o que me conduz ao riso? Por que sinto a necessidade de rir de determinadas pessoas ou situações? De onde vem meu senso de humor? Onde preciso começar e terminar meus momentos de seriedade e irreverência? Ao transferir esses questionamentos para a forma como observamos o outro, pensamos em uma questão essencial para embarcar em uma sessão do longa a ser resenhado: o que acho engraçado no outro?

Alô, Alô Terezinha (idem, 2008, Nelson Honieff) conduz o espectador pelos diversos personagens que passaram pelos programas Discoteca / Buzina / Cassino do Chacrinha: as sensuais e alegres chacretes, os elogiados ou ‘buzinados’ caloruos, além dos cantores que ascenderam graças ao apelo popular e carnavalesco do comunicador que fez história na televisão brasileira. Ou seja, são pessoas famosas como Rita Cadillac, Biafra, Beth Carvalho e Alcione, ex-famosos como Loira Sinistra e Índia Poti, mas também os anônimos Manoel de Jesus e Abacaxi oferecendo depoimentos sensíveis e, às vezes, esculachados não somente sobre Chacrinha, mas também sobre as situações que viveram durante o tempo em que participaram de seu programa e como vivem nos dias de hoje.

Desde as cenas iniciais, percebemos que Hoineff constrói um documentário pouco convencional, ao expor seus personagens ao ridículo constantemente, explorando seus vexames e contradições diante das câmeras, tornando-a praticamente sua melhor testemunha. Em sua montagem mordaz e cruel, ele utiliza cenas que deram errado – como uma Elba Ramalho que esquece a letra da música que cantava ou um Biafra atingido por uma asa delta -, personagens em situações constrangedoras – como o ex-calouro Abacaxi cantando ensandecido no meio da rua ou uma ex-chacrete nua posando em um chafariz – e depoimentos contraditórios – como as diversas falas sobre os affairs que o comunicador mantinha com as dançarinas ou, principalmente, seu “Rosebud” particular “Quem é Terezinha?” – para desconstruir com todas as bases ‘éticas’ dos documentários convencionais.

Ao fazê-lo, Hoineff utiliza-se de um humor escrachado e despretendido que atende os pressupostos que regiam o próprio estilo de Chacrinha: o caos, o imprevisível, a inversão de expectativas. Nessa perspectiva, ele trata a vida como um grande programa de auditório carnavalesco, ou seja, uma grande festa onde vale somente se divertir com o grotesco, o excêntrico que o Outro representa. Se Hoineff foi antiético, preconceituoso e desrespeitoso, digo que ‘sim, um pouco’, entretanto, estaria mentindo se lhes dissesse que ele não me fez rir com as incoerências e pateticidades de suas personagens. Assim somos nós: rimos daquilo que reconhecemos tão ridículo em nós mesmos.

Detroit Rock City e a idolatria nossa de cada dia



O ser humano, em suas sensações de inferioridade, cria ou adora mitos que o conduzam a algum estado de êxtase superior ao cotidiano banal e prosaico com que precisa lidar. Se, na Antiguidade e Idade Média, emergiam os diversos deuses da Mesopotâmia e Egito, passando pelo Deus do cristianismo, pelo Alá do Islamismo, chegamos, a partir da Idade Moderna, ao homem que enfatiza o olhar para si mesmo, para o “deus” dentro de si mesmo, em sua racionalidade. A famigerada Pós-Modernidade, entretanto, começa a propagar a descrença em possíveis valores absolutos, como Razão, Fé ou qualquer coisa do gênero. Quem são, portanto, os novos mitos que adoramos? Os pop-rock-disco-reggae...stars, as celebridades instantâneas, e, em tempos de Youtube, Facebook e similares, A VIDA ALHEIA.
                
A partir deste preâmbulo, não fica muito difícil perceber o subtexto presente em Detroit Rock City (idem, Adam Rifkin, 1999), uma comédia absurda e divertidíssima que versa sobre quatro jovens no final de sua adolescência que, em sua veneração inabalável pelo grupo KISS, parte para Detroit para assistir aquele que seria o show de suas vidas. Os quatro jovens, em suas personalidades distintas, se complementam e se ajudam nas encrencas em que se metem ao longo da jornada: enquanto Jam chega mais perto de ser nosso protagonista ao ter seu sofrimento em não conseguir enfrentar sua mãe católica ortodoxa e fumante compulsiva mais destrinchado, os outros se dividem entre o desprendido e revoltado Hawk, o lerdo Trip e o nice-guy Lex. Cada um, a seu modo, procura encarar os preconceitos com aqueles que não entendem seus sentimentos em relação ao grupo de roqueiros conhecidos como demônios, bichas, baderneiros, dentre outras nomenclaturas pouco elogiosas.

Dentre as inúmeras personagens e situações arquitetadas pelo roteirista Carl V. Dupré – conhecido por filmes B de terror, experiência utilizada em determinada sequências do longa -, Rifkin usa sua versatilidade como ator, escritor e produtor para dirigir um longa com uma velocidade e uma qualidade pop bem MTV. Ou seja, a direção atualiza as conquistas da geração do final dos 70 para um novo público ao trazer numa linguagem juvenil e dinâmica ícones da época como Burt Reynolds, As Panteras, MAD Magazine, Star Wars e outros que fizeram a cabeça de seus pais. A linguagem de desenho animado nonsense faz a festa com um maniqueísmo alucinado e, às vezes, expressionista proporcionam o ponto de vista dos jovens sobre suas próprias descobertas e sensações do que significava ‘ser jovem nos anos 70’.

Com personagens cativantes e divertidos envoltos em uma trama cheia de peripécias e absurdos, Detroit rock City é uma boa pedida para um sábado à noite regado a muito rock setentista para reviver uma época. Se o homem um dia foi chamado de servo, fiel, adorador de seus deuses, hoje, ele encara uma nova nomenclatura diante de seus deuses: fã.