Depois de uma sessão de
Holy Motors (idem, Leos Carax, 2011),
parece uma tarefa complexa tentar delinear o eixo de discurso que o diretor
propõe em sua obra enigmática, mas justamente por essa conexão densa e
intrincada de charadas que se mostra a habilidade de Carax. O longa acompanha um dia na(s) vida(s) de
Oscar, que transia entre vários papeis ao longo deste dia, sendo sempre
conduzido em sua limusine por Céline, sua motorista. Nomear o trabalho de Oscar
como performer seria deveras simplista, visto que as intervenções que este
sujeito realiza atravessa a existência do seu público, que está entre ele e
interage com ele de forma concreta.
A partir destas
conjeturas, pode-se pensar: o que, de fato, pode ser considerado performance?
Onde ela começa e termina? No momento em que estou escrevendo esse texto, não
estou assumindo um determinado papel que me imprime certos dogmas, regras e
condutas de forma consciente ou não? O que me distingue de Oscar é que ele doou
deliberadamente sua existência em favor dos papéis que trabalha arduamente para
interpretar, enquanto que eu os exerço com o mesmo nome, a mesma idade, o mesmo
rosto, o mesmo corpo, a mesma alma.
Quando nos permite
realizar este tipo de reflexão, Carax problematiza não somente o que entendemos
como arte e existência e as nuances entre uma e outra dentro do filme, mas também
nosso papel enquanto espectadores. O que estou vendo? Porque estou vendo? O que
me leva a, conscientemente, conduzir-me a uma sala escura e iludir-me com as
narrativas que estão impressas na tela grande? Que objeto de fascínio é este
que se encontra na tela? Qual a função da ilusão pra mim? Iludimo-nos ao nos projetar no Outro, nesse protagonista que, na tela, podem ser os tantos em
que Oscar se traveste – o assassino, o pai, o empresário, o louco etc. – por
talvez desejarmos, por um par de horas, sermos outros que não nós mesmos. Seja
belo ou grotesco, ou até mesmo extremamente comum, ser um Outro nos fascina.
Com um Denis Lavant que
domina a tela com sua atuação visceral, uma fotografia que explora tantos os
coloridos como os tons soturnos, uma trilha que ressalta as emoções do longa
sem se sobressair, Holy Motors apresenta ainda uma montagem dinâmica que acerta
ao não fazer o filme se perder por seu caráter episódico. A sensação e a beleza
de estar em movimento – não somente pelo carro, mas pela própria vida – pulsa sem
exageros e de forma fluente, com sua dialética entre o ser efêmero e eterno até
o questionamento final: quem está vivo, afinal?
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