20/01/2013

O existencial nosso de cada dia em Era uma vez eu, Verônica


Uma adolescência em que se escreve um diário pode ser um dos períodos mais ricos na vida de alguém, já que passamos um bom tempo olhando para nós mesmos e pensando em nossas atitudes, no que estamos sonhando e no que, de fato, acontece. Recentemente, abri alguns dos meus cadernos antigos, não da adolescência, mas da faculdade e vi alguns dos milhares de planos que havia traçado para depois que terminasse o curso: outras graduações, cursos, profissões, histórias, projetos etc. ao mesmo tempo em que bate certo ranço por não ter realizado algumas coisas que se pretendia, resta algo de nostálgico desses 20 e poucos anos em que sonhamos em ser tudo e conquistar o mundo.

(Atenção: a partir daqui contém revelações sobre o enredo)

Verônica, quando inicia seu período de residência depois do curso de Medicina, parece empenhada em construir um mundo diferente para cada um de seus pacientes, oferecer-lhes a possibilidade de ter uma vida diferente, sem doenças, preocupações ou infortúnios que lhes impeçam de seguir em frente com seus próprios sonhos. Porém, o cotidiano duro de um hospital público começa a fazer daquela médica recém-formada uma mulher um pouco infeliz com as escolhas que fez para si mesma, pensando talvez que, ao se ocupar dos problemas dos outros, fosse se esquecer de cuidar de si mesma.

Usa o sexo como uma forma de se alienar de si, como uma anestesia para sua própria existência, como se alterar seu estado emocional provocasse alguma mudança significativa dali por diante. Verônica encontra somente sua redenção quando entra num estado de purgação, de purificação, o que surge quando ela olha para o horizonte de expectativas que lhe aguarda, quando a água, imprevisível e moldável como somente ela se faz, chove no seu rosto e parece trazer algo de primitivo e pueril para uma vida tantas vezes cheia de protocolos.

Esta é a história de Era uma vez eu, Verônica (2012, Marcelo Gomes), em que o diretor se utiliza de um formato de diário mesclado às reflexões sobre diagnósticos para explorar os bastidores da vida de uma médica, mas, principalmente, para contar a trajetória dessa personagem que começa a desejar tratar as doenças da alma. Com uma trilha sonora sutil e uma fotografia que alterna os momentos solares com os soturnos, Gomes traz uma Hermila Guedes menos visceral e mais comum, com uma interpretação mais racional do que emocional. Por mais que seja uma experiência estranha e não traga a catarse que se espera, o longa faz refletir sobre o que estamos sonhando, o que nos faz falta de verdade... é um convite para conhecer ou reconhecer esse estranho que somos nós mesmos.

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