26/02/2012

Os traumas coletivos em Tão Forte e Tão Perto


Traumas coletivos sempre conduzem a uma repetição sem fim de histórias. Basta perguntar quantos filmes temos sobre o Holocausto, a Primeira Guerra Mundial ou sobre a ditadura militar no Brasil. Sempre aparece um novo ponto de vista sobre uma história antiga, o que às vezes cansa o espectador: “Por favor, criem uma Terceira Guerra para que parem de fazer filmes sobre a Segunda!”. Uma onda que começou no cinema independente – sempre ele – e que, aos poucos, está passando para o mainstream são os filmes sobre o 11 de setembro. Tivemos Vôo United 93, Torres Gêmeas de maneira mais direta e outros que trataram do tema de maneira mais subliminar.

Tão Forte e Tão Perto (Extremely Loud and Incredibly Close, 2012, Stephen Daldry) aproveita-se do sucesso que o livro vem fazendo para trazer às telas a história de Oskar, um menino que perdeu seu pai na tragédia e embarca em uma aventura pelos bairros da cidade por causa de uma chave que ele encontrou no armário. Afeito às investigações, Oskar começa a conhecer histórias das pessoas que encontra em sua empreitada, mas, ao mesmo tempo, afasta-se emocionalmente de sua mãe, sempre meio ausente quando observamos as lembranças que vemos que o menino tem do pai.

Equilibrando passado e presente, assim como as diversas histórias com que o rapaz entra em contato ao longo da narrativa, Daldry torna enredo e direção dinâmicos, assim como conduz sabiamente seu elenco, com especial atenção de Max Von Sydow e Viola Davis – esta que, a cada filme, firma-se mais como uma das melhores atrizes da atualidade. Sua única falha creio eu seria escalar Sandra Bullock como a mãe do menino, já que, quando a vemos na tela ausente em boa parte da narrativa, perde-se um pouco da surpresa, pois o espectador já prevê que ela terá um papel fundamental em algum momento. O filmes não excessivamente clichê e consegue capturar bem o espírito metódico e agitado do menino, às vezes, colocando o espectador dentro da mente do menino. É um filme que fica num meio termo entre filme infantil e adulto, mas que jamais causa incômodo por isso, pelo contrário, emociona e surpreende. Talvez um filme feito para crianças como Oskar, cansadas de histórias de sonhos e mais calcadas na realidade, mesmo que seja um filme menor de Daldry.

O Artista e a estética da limitação


Durante a sessão de O Artista (The Artist, 2011, Michel Hazanavicius), lembrei-me de uma conversa que tive com um amigo meu, que me falava sobre um aplicativo de celular que dava às fotos que se tirava com ele um aspecto semelhante às antigas câmeras soviéticas LOMO. Diante disso, ele conclui que o que antes era uma limitação das máquinas fotográficas terminou se tornando um estilo, possuindo uma estética particular e reconhecível.  O mesmo acontece com o cinema mudo, como iremos ver a seguir.

Esse filme versa sobre George Valentin, um ator de cinema mudo que se recusa a aderir ao cinema sonoro, que, na verdade, provocou a ascensão de outros artistas que revelaram outras habilidades diante da tela: canto, dança e belas vozes. Uma destas artistas é Peppy Miller, que se antes era objeto de afeto do protagonista, termina se tornando sua salvação, ao usar de seu prestígio para permitir que George suba novamente na carreira.

Com esse enredo simples, encontramos o clássico Cantando na Chuva, que partia do mesmo pressuposto, mas era, antes de tudo um musical, fazendo da proposta de Michel Hazanavicius ainda mais ousada. Afinal, quem assistiria a um filme mudo e francês no cinema hoje em dia, excetuando-se as sessões de Chaplin, Keaton e Lloyd em festivais de cinema por aí afora. E o trabalho de direção é notável, pois consegue empregar todos os elementos característicos deste cinema a seu favor: as cartelas com os diálogos, a interpretação pantomímica dos atores (algo raro até mesmo no teatro, que tem procurado uma estética cada vez mais realista), a trilha sonora onipresente e quase ilustrativa e a montagem que deixa os planos durando mais tempo do que nos acostumamos.

Todos esses elementos reproduzem bem o estilo da época e criam no espectador uma viagem a uma época que não existe mais, onde o cinema era mais inocente, em que nossas únicas preocupações eram contar histórias. Por mais que pareça uma experiência mais estética do que propriamente de entrar em contato com um conteúdo novo e com pouco a oferecer, depois de sair da sala de cinema, passei a prestar mais atenção nos sons à minha volta, assim como a uma arte que, durante muito tempo, terminou se tornando mais do mesmo pra mim. Lembrar dos momentos em que, aos dez anos de idade, descobri Chaplin num especial da Rede Globo de 1995foi uma grata experiência.

Tudo pelo Poder - Um estudo de personagem




Desde os primeiros minutos de Tudo pelo Poder (The Ides of March, 2011, George Clooney), sabemos que se trata de um filme sobre os bastidores da política, mais especificamente, sobre as eleições primárias entre dois candidatos, Morris e Pullman. Como não sou uma pessoa tão conectada à política, sempre fico meio pé atrás com enredos políticos, pois sempre acho que não entenderei nada do que estarei assistindo, mas interessante é perceber uma dúvida: não sei se fui eu que amadureci ou se Clooney conseguiu tornar os jogos políticos mais claros, por que Clooney trata tudo de maneira muito objetiva e clara.

Desde que começou a dirigir, Clooney sempre toma atitudes bastante sábias, mas uma delas sempre foi essencial: ele sempre soube escolher elenco e soube conduzi-lo da maneiras mais natural e humana, enquanto que escolhe os roteiros menos óbvios, geralmente optando pelo estudo de personagens. Foi assim com Confissões de uma mente perigosa, com Boa Noite e Boa Sorte e acontece nesse Tudo pelo Poder, ainda que em uma escala menor que seus longas anteriores. O roteiro tem diálogos excelentes e uma trama que se configura como um estudo contemporâneo sobre a lealdade – ou a ausência dela.

O grande trunfo do filme tem nome e sobrenome: Ryan Gosling, que, assim como Paul Giamatti e Philip Seymour Hoffman, não surpreende mais o espectador. Sempre que vemos seu nome no cartaz, temos a certeza de encontrar uma atuação excelente, independente do tamanho do papel que interpretar. E ele consegue ser um personagem que nos cativa desde o primeiro momento - esperto, inteligente e talentoso -, o que dá  a Clooney a ferramenta ideal para transformar o personagem no que quiser e fazer com que espumemos de ódio ou pena, e, ainda assim, trate esse trajetória com coerência.

Missão Madrinha de Casamento: Comédia de Fêmea?


“Comédias de macho” sempre povoaram a cinema, particularmente o público adolescente que ansiava por histórias sobre perda de virgindade e muita curtição, mas o público adulto tem conseguido, nos filmes de Judd Appatow atingir a esse público, que são os adolescentes crescidos dos anos 80. Filmes como Se Beber, Não Case, Penetras Bom de Bico vem atender a um público específico, mas ainda faltava às mulheres terem filmes que falassem do seu universo de forma menos açucarada, como Sex and the City.

Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011, Paul Feig) surpreende justamente por ser um filme que lança um novo tipo de produto nesse mercado: comédias grosseiras com doses muito fortes de “vergonha alheia” para e com mulheres. O romance da vez não é entre a mulher independente e o sujeito arrogante, mas entre duas amigas, Annie e Lilian. Quando esta anuncia que vai se casar, a amiga logo fica com inveja, mas apoia sua amiga em todos s momentos, mas também passa a competir com outra candidata a melhor amiga, Helen, que planeja como ninguém os casamentos de suas amigas. A partir desse mote simples, o roteiro destrincha não somente situações hilariantes, mas principalmente, personagens completamente opostos que se complementam. Por mais que sejam estereótipos de mulheres – a grosseirona, a rancorosa, a Disney, etc. -, Wiig assume esses estereótipos e destila bastante escatologia na amizade feminina, algo mais frequente na cinematografia masculina.

Esse roteiro corajoso e um elenco soberbo se torna o maior destaque do longa, já que cada uma delas assume seu estereótipo com unhas e dentes, formando um elenco divertidíssimo. Melissa McCarthy, interpretando Megan,             que, se no momento em que entra na história, parecia uma lésbica que daria em cima de Annie, com o tempo vai se tornando um personagem mais presente e essencial para o crescimento do filme. A atriz se destaca dentre todas as outras, mostrando o porquê de sua indicação ao Oscar em um ano mais fraco para coadjuvantes. Uma boa pedida para um sábado à noite entre garotas.

Histórias Cruzadas - Déjà vu? Sim, com certeza!


Vimos essa história diversas vezes: uma pessoa decide lutar pelos direitos dos negros, com discursos contra a segregação racial e toda sorte de preconceitos que possam existir, com músicas triunfantes e toda a receita do bolo. E, claro, Histórias Cruzadas (The Help, 2011, Tate Taylor) não poderia ser diferente: Skeeter é um jovem sulista que consegue um emprego em um jornal da cidade e, com a convivência mais próxima com as empregadas negras Aibellin e Minny, tem a ideia de escrever suas histórias num livro chamado The Help – “a ajuda”, como os empregados são chamados (“uma ajuda no lar”). Mas as histórias desagradam às patroas, que logo se reconhecem nas narrativas do livro e fazem de tudo para pôr um ponto final na confusão que a revelação das mesmas pode promover.

Dito dessa forma, não parece uma história com grande potencial, já que existem tantas como essa em telefilmes espalhados pela televisão norte-americana, assim como parecia um bocado ultrapassado resgatar “filmes de racismo” quando esse parece ser um assunto ultrapassado. A eleição ao primeiro presidente negro nos EUA com certeza foi um passo histórico, mas ainda precisamos nos lembrar de onde viemos, pois nunca se sabe quem será o ‘bode expiatório’ da vez: os árabes, quem sabe. Tate Taylor, apesar de não conseguir fugir da fórmula de filmes edificantes, escreve o roteiro – com excessos que poderiam ser retirados com ajuda de um roteirista assistente - e dirige um longa que consegue extrair o máximo de seu elenco multifacetado.

Vinda das comédias românticas e de alguns filmes menos convencionais, Emma Stone fundamenta seu chão em Hollywood e pode se tornar anova Anne Hathaway, que começa com no romance e começa enveredar pelo drama. Enquanto isso, Viola Davis se firma como uma das maiores atrizes da atualidade, sempre fazendo um bom trabalho mesmo nas menores participações, principalmente nos minutos finais, quando Taylor sabiamente deixa a câmera estática por alguns segundos, capturando a reação de sua personagem a uma notícia decepcionante em certo momento da narrativa. Ela e Octavia Spencer dominam a tela, construindo figuras cativantes não pela tragédia, mas pela força e simpatia que demonstram ao longo de sua trajetória. Mas claro que a maioria branca consegue ter duas atrizes de peso, mas que jamais ofuscam suas estrelas principais: se Bryce Dallas Howard ganha nosso ódio em cada fotograma, com certeza Jessica Chastain se transforma completamente desde os primeiros segundos, não deixando nenhuma pista de seu trabalho denso e dramático em A Árvore da Vida. Não assista esse longa pensando que vá mudar o cinema ou a si mesmo, mas assista-o para observar esse elenco belo e coeso contando uma história antiga.

De Repente, Califórnia e o ir além do "final feliz"




As histórias de amor homossexuais, se antes eram uma raridade, tem povoado cada vez mais o cinema – vide O Segredo de Brokeback Mountain, Meninos não Choram, Amigas de Colégio e tantos outros. De coadjuvantes simpáticos, eles estão passando a protagonistas, gerando um gênero e fórmula próprios, assim como as comédias românticas: garot@ conhece garot@ e se aproximam, um(a) está atraído(a) e o (a) experimenta um beijo ou uma noite de sexo. Depois, este(a) se arrepende e dizem que a experiência não pode se repetir, mas o amador não resiste e, depois de muito tentar, termina voltando e assumindo a relação.

Em De Repente, Califórnia (Shelter, 2009, Jonah Markowitz), estamos em San Pedro, bairro mais pobre e feio que a glamourosa Los Angeles, em que Zach divide o apartamento com sua irmã, Jeannie, Cody, filho dela, e seu pai e precisa lidar diariamente com a frustração de não ter ido para a escola de artes que fica na cidade grande com os problemas no relacionamento com Tori. Com a chegada de Shaun, irmão de seu melhor amigo, Gabe, para passar umas semanas surfando e se recompondo de um relacionamento frustrado na cidade, Zach conhece um amor até então desconhecido para ele: Shaun parece ser a única pessoa que acredita no potencial que ele tem como artista.

Ao assistir ao filme, tenho me dado conta do quanto o cinema independente norte-americano está anos-luz adiante na representação do homossexual, quando vemos dois rapazes surfistas sem quaisquer trejeitos efeminados compondo um casal cativante. O casal cativa o espectador, com o discurso de que maior dificuldade para o casal homossexual reside em assumir a relação. Entretanto, o      que falta a esse longa é um pouco menos “conto de fadas”: as relações homossexuais passam pelos mesmos problemas de qualquer outra e ainda faltam filmes além do felizes para sempre.

Alguns exemplares além do “final feliz” têm aparecido, como Minhas Mães e Meu Pai e Como Esquecer, já que nossa tendência é ficar cada vez mais maduros e enxergar o mundo de maneira menos Disney possível. Não que a sessão de Shelter tenha sido ruim, mas, com certeza, por mais que precisemos dessa ingenuidade para sonhar com um belo dia na praia onde se possa andar de mãos dadas com o ser amado, ainda necessitamos de um pouco mais para sobreviver nesse mundo.

A ingenuidade piegas de Cavalo de Guerra



Com o passar dos anos, nós, como público, acostumamo-nos a conhecer duas faces de Spielberg: aquele que conduz a arte e diversão no cinema para frente com filmes adultos e aquele que faz filmes planejados para ganhar o Oscar. Foi o primeiro Spielberg que fez Minority Report, Jurassic Park, Munique e O Resgate do Soldado Ryan, mas foi o segundo que fez Amistad e este Cavalo de Guerra (War Horse, 2011).

O enredo é básico: família em dificuldade financeira precisa comprar um cavalo para arado, mas o pai afeiçoa-se a um cavalo jovial e rebelde      que não serve para esse tipo de serviço. Endivida-se, mas seu filho, Albert, adota  cavalo como seu, dando-lhe o nome de Joey e o ensina a arar até que o pai, para pagar uma dívida com seu senhorio, precisa vender o cavalo para o exército diante da explosão da Primeira Guerra Mundial. Joey, então, passará por vários donos: soldados ingleses, soldados alemães e até uma menininha órfã, até que consiga encontrar novamente seu dono.

Atenção: a partir deste trecho, existem revelações sobre o enredo.

Sem trazer nada de novo no quesito roteiro, Spielberg aproveita para investir na direção de arte, na fotografia, na trilha sonora e conseguem dinamizar uma história que poderia ser bastante maçante, não somente pelo tema ultrapassado, mas também pelo caráter episódico do enredo. Ainda por cima, ele consegue emocionar em alguns momentos, como na cena em que o cavalo fica preso em arame farpado e, dessa forma, promove até uma trégua entre os inimigos de guerra e o final, em que Joey e Albert chegam de volta à fazendo em um pôr do sol que relembra os clássicos de Hollywood em Technicolor.

Em suma, mesmo que seja mais do mesmo, não se pode negar que Spielberg sabe mesmo o que fazer por trás de uma câmera. Depois de tantas obras relevantes, podemos lhe dar a chance de fazer obras para atender ao mercado e, de quebra, emocionar plateias mais ingênuas.

Albert Nobbs e as identidades que vestimos



O que nossos nomes dizem sobre nós? Será que é a forma como nos vestimos e conduzimos nossas vidas que, de fato, definem quem somos nós? Ou somos muito mais do que os signos que empregamos para comunicar quem somos? Nesses últimos meses, entrei em contato com dois bons filmes – A Pele que Habito e este que comento - que discutem a questão da identidade e como procuramos defini-la a partir de parâmetros, nomenclatura, gêneros sexuais: homem, mulher, homo, hetero, trans, bi, etc. Têm surgido tantas camadas da sexualidade humana por que somos seres tão complexos que não conseguimos caber em todas as estantes que criamos para conseguir nos compreender.

Atenção: A partir deste ponto, temos revelações sobre o enredo.

Albert Nobbs (idem, 2011, Rodrigo Garcia) trata da história do mordomo que dá título ao filme, que, na verdade, é uma mulher que se transveste como homem para manter seu emprego e conseguir montar seu próprio negócio e família a partir do dinheiro que economizar. Durante seu trabalho no hotel da Sra Walker, Nobbs precisa dividir o quarto por uma noite com Sr Page,    que, assim como ele, também é uma mulher disfarçada de homem e com quem o mordomo passará a confidenciar seus anseios de casar com uma mulher e montar uma tabacaria.

Interessante como em certo momento da narrativa, quando Sr Page pergunta a Nobbs seu nome verdadeiro – ou o nome de mulher -, ele responde: “Albert”, percebemos que se trata de um filme sobre identidade, mais do que sexualidade. Não sabemos se Albert se habituou a ser homem ou se desejou sê-lo sempre, mas o importante é que, para ele, tudo isso se tornou um caminho sem volta, uma máscara que se misturou não somente ao seu rosto, mas à sua alma. Neste trabalho, Glenn Close e Janet McTeer transmitem tamanha verdade em seus personagens que, por vezes, esquecemos que são mulheres e nos permitimos acompanhara a trajetória de duas pessoas na tela. Tudo o mais – figurino, cenografia, fotografia, trilha sonora etc – adequam-se à proposta, mas jamais se sobressaem.

A Invenção de Hugo Cabret e o redescobrir o Cinema


Esse longa, junto com O Artista, pode ser descrito como uma das maiores das homenagens ao cinema deste ano que se inicia, ainda mais pelo cineasta que se consagrou como um dos maiores artistas da sétima arte nos anos 70, quando nomes como Francis Ford Coppola, Steven Spielberg e George Lucas começavam a crescer.

A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011, Martin Scorsese), à primeira vista, tem um enredo incomum para o diretor de Cassino, Caminhos Perigosos e Taxi Driver: Hugo é um rapaz órfão que mora no relógio da estação de metrô e que precisa das peças dos brinquedos do comerciante George para reconstruir um autômato deixado para ele por seu pai, morto no incêndio da relojoaria em que trabalhava.Diversas reviravoltas acontecem até percebermos a homenagem que a narrativa oferece ao próprio cinema, permitindo-nos enxergar no diretor tamanha esperança na capacidade de sonhar.

Com esse filme, é possível ver Martin como uma criança que se fascinou desde cedo pelo cinema, como o próprio Hugo, cuja missão se tornou compartilhar sonhos e realidade com as outras pessoas. O elenco é simplesmente OK, não tendo grande destaque no filme, que, por sinal, se arrasta em certos momentos, mas os outros elementos tomam em cheio o espectoador: a trilha sonora, a direção de arte belíssima, a edição fluida, assim como o 3D que nos ambienta nos espaços por onde os personagens caminham.

Entretanto, é triste perceber que essa grata experiência de ver uma homenagem tão bela e ingênua como uma forma de apresentar o início da arte cinematográfica a plateias mais jovens provavelmente seja algo sofisticado demais para plateias acostumadas à pipoca, ao refrigerante e aos bonecos de Transformers e Avatar. Serão poucos os que, depois de assistir ao filme, pesquisarão no Google quem foi George Meliés ou se interessarão pelos seus filmes, em comparação àqueles que pedirão aos pais os bonecos de Toy Story 3. O que fizemos com nossa capacidade de sonhar?

A Dama de Ferro - O que é dirigir um filme?


Depois de assistir a esse filme, tive sérias dúvidas sobre o que seria dirigir um filme, sobre que tipo de experiência um diretor deseja proporcionar àqueles que estão na tela: se seria tensão ou incômodo para alguns ou alegria e superação para outros. No caso deste A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011), saí completamente esvaziado. Sim, não consegui ter qualquer experiência agradável ou desagradável diante das intermináveis duas horas de projeção, além de perceber o quanto Meryl Streep esforçava-se para trazer verdade para todos os clichês motivacionais que o roteiro e a direção esforçavam-se por destilar a cada frame.

Mesclando passado e presente, a trama versa sobre a ex-Primeira Ministra da Inglaterra, Margareth Thatcher, sua ascensão, anos de governo e decadência pós-governo, focando basicamente na frustração da senhora em se sentir inútil diante da velhice. Entretanto, a experiência torna-se pavorosa por que tanto roteiro como direção são ineficientes em dinamizar ou trazer qualquer arco dramático para a narrativa de Thatcher, que tanto potencial tinha para render um bom filme. Com enquadramentos e montagem equivocados, Lloyd só não consegue fazer deste filme um erro completo por que tem como trunfo a dama de Streep enchendo a tela de força e frustração em suas duas fases.

Com certeza, faltou à diretora impregnar-se dessa história e saber como transmiti-la para o público. A dama de ferro ainda nos deve um filme à altura de sua grandiosidade.

11/02/2012

Fincher X Oplev - Os homens que não amavam as mulheres






Não costumo fazer postagens muito grandes, mas essa experiência me chamou atenção. Adaptações de obras literárias, teatrais ou similares para outra linguagem sempre requer bastante dedicação e desprendimento para, ao mesmo tempo, agradar e abstrair os anseios dos fãs mais ardorosos de uma determinada obra. Cineastas do quilate já cometeram grandes erros – como em O Caçador de Pipas e 127 Horas - e acertos inquestionáveis – O Senhor dos Anéis e O Poderoso Chefão. E algumas obras, como esta sobre a qual versarei, ganham dois diretores com experiências e visões diferentes -  caso de Stieg Larsson e o primeiro filme de sua trilogia Millenium – Os homens que não amavam as mulheres. Nesta postagem, tentarei estabelecer uma comparação entre o trabalho desenvolvido pelos dois diretores a partir do mesmo trabalho, para tentar compreender como a adaptação de texto por um roteirista e a visão do diretor contribuem para transportar uma obra com eficiência para as telas.

Antes de tudo, o enredo: a história acontece na Suécia, em que o jornalista Mikael Blomkvist está recebendo os revezes por ter acusado um grande empresário de crimes sem ter conseguido provar e, subitamente, recebe o convite para investigar um caso que se dava como perdido na cidade de Hedestad. Em 1966, Harriet Vanger, jovem herdeira de um império industrial, some sem deixar vestígios. No dia de seu desaparecimento, fechara-se o acesso à ilha onde ela e diversos membros de sua extensa família se encontravam. Desde então, a cada ano, Henrik Vanger, o velho patriarca do clã, recebe uma flor emoldurada, em seu aniversário - o mesmo presente que Harriet lhe dava, até desaparecer. Henrik está convencido de que ela foi assassinada por um de seus parentes, por ganância pelo fato de ela ser a possível herdeira de todo o império industrial de Henrik.

Atenção: a partir deste trecho, existem revelações sobre o enredo.




Ao assistir aos dois filmes no mesmo dia, pude perceber evidências que tornam o saldo de Fincher mais positivo em relação à visão de Oplev, incrementando detalhes que fazem a diferença. No quesito roteiro, no filme de Fincher, Steven Zaillian concebe equilibrar vários aspectos que, no filme sueco, terminam se perdendo: as personagens Erika Berger, Dirch Frode, a filha de Mikael e o núcleo familiar dos Vanger ganham maior relevância e uma evidência melhor desempenhada. Isso, no filme sueco se perde, pois Erika aparece somente no início do filme, Dirch Frode não é retomado depois que apresenta Mikael e Henrik, a filha aparece sucessivas vezes depois da cena da festa de Natal e a família Vanger é apresentada rapidamente com uma sequência de fotos e uma lista de nomes jamais decorada pelo espectador. Outro quesito importante o filme de Fincher é a clareza do seu desenvolvimento, podemos destrinchar algumas cenas para melhor argumentar meu posicionamento:

  • A abertura de Fincher já ganha o espectador de cara pelo visual clipeiro e modernoso que enfatiza seu lado designer.
  • A relação entre Mikael, Erika e o affair que destruiu o casamento dele é explicitada, algo que, no sueco, fica tão subliminar que não se entende.
  • O relacionamento entre Lisbeth e seu antigo tutor fica mais clara: no filme americano, ela o socorre no seu derrame, enquanto que, no sueco, essa relação não aparece por que ela recebe a notícia pelo telefone e não reage com tanta veemência à mesma.
  • A explicação de Henrik sobre o que acontecia no dia do desaparecimento de Harriet: no filme sueco, é uma longa explicação envolvendo o acidente, o desfile e as pessoas envolvidas, enquanto que, no americano, Fincher usa flashbacks que fixam melhor na mente do público estes eventos.
  • A fórmula para Henrik convencer Mikael é bem mais eficiente: enquanto que, no sueco, Oplev investia em uma relação entre o jornalista e Harriet como se ela fosse babá dele, Fincher simplifica, expondo que Henrik possui revelações importantes sobre Wennerström, o que, claro, interessaria e muito a Mikael. Essa solução, ao mesmo tempo, não deixa Wennerström avulso na trama, como acontece no sueco.
  • O modo como Lisbeth e Mikael aparecem um na vida do outro é mais lógico: mesmo que Mikael procure Lisbeth para ajudá-lo em um aspecto da investigação – como no filme de Fincher - do que ela lhe mande um e-mail que lhe dá certas informações e, depois, recuse-se a recebê-lo quando ele lhe procura.
  • A exposição da descoberta das garotas mortas: enquanto Oplev destrincha cada vítima uma a uma, descobrindo as citações que se relacionam a elas aos poucos, o filme americano faz isso brevemente, ganhando ritmo e dinamicidade em seu desenvolvimento.
  • A apresentação da infância de Lisbeth, ao invés dos flashbacks desnecessários do filme sueco, ganha uma confissão sussurrada de Rooney Mara no filme de Fincher, o que evolui o desenvolvimento da relação entre os personagens ao mesmo tempo que transmite a informação necessária.
  • A relação entre Lisbeth e Mikael fica mais clara, principalmente, no final do filme, em que Fincher consegue criar uma relação de fato humana e de amizade entre o rapaz e a moça e capturar toda a decepção dela em vê-lo nos braços de Erika ao final do filme, encerrando o longa com um nó no estômago.
  • Além dessas cenas, temos outros acertos do longa de Fincher: a apresentação de Mikael – por meio de uma reportagem em uma TV de lanchonete – e da família Vanger – com Henrik mencionando cada um e apontando suas casas –; o velho Harald deixa de ser um simples despiste de suspeita no filme sueco para ser um velho nazi até simpático; as visitas que Lisbeth faz no asilo serem ao pai, não à mãe, pois criamos a relação de violência que ela lhe fez e sentimos a dor dessa relação.

Mas nem só de acertos vivem ambos os filmes, pois podemos apontar algumas falhas que existem tanto em um como em outro:

  • O personagem do tutor postiço de Lisbeth desaparece da trama depois da sessão de tortura que ela infringe sobre ele, ganhando um pouco mais de espaço no longa de Fincher do que no de Oplev, mas faz falta na narrativa.
  • O jeito de Fincher exibir Mikael descobrindo que os nomes e números anotados por Harriet são citações bíblicas: sua filha que participa de Estudos Bíblicos afirma que são citações. É difícil imaginar uma adolescente que, mesmo que lesse a bíblia diariamente, olharia os nomes e números e deduziria rapidamente que seriam passagens bíblicas. No sueco, este aspecto se resolve melhor: esta informação é descoberta por Lisbeth, uma investigadora bastante eficiente para estabelecer esse tipo de relação.
  • A maneira como ambos expõem que Harriet está vivendo sob o nome de Anita: no sueco, um hacker amigo de Lisbeth afirma que existem duas Anita Vanger – o que seria um erro para quem não gostaria de ser descoberto, sendo ideal uma troca completa de nome –; enquanto que, no americano, acontece em uma explicação confusa demais para ser entendida de primeira.

Depois de toda essa experiência, meu voto vai mesmo para Fincher, já que ele conseguiu transpor com maior transparência e equilíbrio a obra de Larsson para as telas.

07/02/2012

Preciosa?




A angústia sobre si mesmo, pode-se dizer, é quase uma doença que tem afetado a sociedade contemporânea: valorizamos muito pouco o que somos ou o que temos e estamos sempre à procura de ideais de “mais e melhor” que nós mesmos desconhecemos.

Em Preciosa (Precious, 2009, Lee Daniels), vemos a história de Claireece “Precious” Jones, uma adolescente negra e obesa que está grávida do segundo filho, concebido por meio do estupro do pai, e que sofre diariamente a violência física e psicológica por sua mãe, Mary. Precious tenta obter uma educação melhor em uma escola alternativa, numa sugestão da diretora do colégio de que foi expulsa por sua condição familiar complicada e, aos poucos, aprende a valorizar a si mesma. Num contexto que lembra, em alguns momentos, filmes motivacionais como À Procura da Felicidade ou A Cor Púrpura, Preciosa diferencia-se pelo retrato da degradação familiar por meio de um roteiro denso e por um elenco primoroso.

Em certos momentos da narrativa, me perguntei o que leva o ser humano a fazer tantas maldades contra seus semelhantes e, por vezes, contra aqueles que são sangue do nosso sangue, como a personagem Mary. Numa rápida análise, penso que essa personagem infringe sobre Precious tanta violência quanto ela acredita que ela mesma mereça, Mary odeia mais a si mesma do que a filha, pois sente-se angustiada com a possibilidade de ser abandonada pelo marido, pela filha e terminar seus dias sozinha, vivendo do dinheiro do seguro desemprego. E a maestria de Daniels está justamente em orquestrar essas duas personalidades na tela numa relação clara de opressão que se inverte ao final do filme, quando conseguimos nos sentir piedosos por aquela figura que aprendemos a odiar durante quase duas horas.

Se soa como filme “auto-ajuda” em alguns momentos, são pequenas falhas diante de uma pérola que nos faz acreditar em dias melhores para aqueles que passam por tempestades de uma existência viva e presente, como Preciosa afirma se sentir em determinado momento: “estar aqui”.

Maria Antonieta e o hedonismo como fuga dos dissabores




Sofia Coppola, desde seus primeiros filmes, trabalha com delicadeza a condição de seus personagens diante de um contexto que parece não lhes satisfazer por completo, mas, muito pelo contrário, são a principal causa de seu descontentamento. Nos filmes Encontros e Desencontros (2003) e Um Lugar Qualquer (2011), os personagens masculinos estão, de certa forma, à deriva, perdidos em sua própria falta de vontade em prosseguir, encontrando na figura feminina uma espécie de redenção que lhes resgatasse uma vivacidade há tempos esquecida.


Em Maria Antonieta (2007), Coppola volta seu olhar para as mulheres, mais especificamente uma, a rainha austríaca que se tornou desafeto na França por conta da futilidade com que conduziu o reinado, gastando bastante dos fundos bélicos do país em festas, comidas e roupas. Com um roteiro em que se enfatiza o “nada” repetitivo que acontecesse na vida da rainha, a personalidade insatifeita e hedonista saltam aos olhos do espectador, por meio de figurinos e uma direção de arte caprichados e exuberantes, como a própria Maria gostava de se ver.


Por meio desses recursos, além da polêmica trilha sonora calcada no rock’n’roll para atualizar o espírito juvenil da rainha para as platéias contemporâneas, Coppola procura explorar uma personalidade que, desde o começo, mostra-se despreparada para assumir a responsabilidade da condução de uma nação. Enfatizando a exacerbação dos prazeres, o ócio, a insatisfação sexual e a futilidade, a diretora exibe justamente a ausência de sentido na condição com que sua protagonista conduz sua existência. Apesar de ser um tema recorrente na sua filmografia, ela, entretanto, despe-se do tom intimista que lhe é característico para explorar o mundo como a própria Antonieta via: cheio de belezas singulares, independente dos protocolos, das regras e títulos. Sentir-se viva era essencial para Antonieta.