27/11/2009

Ficção Para Uma Difícil Realidade: Ponte para Terabítia


Por muito tempo, relutei em assistir ao longa Ponte para Terabítia, pensando se tratar de mais um filme na esteira de universos imaginários como Terra Média, Nárnia e outros, mas, quando descobrimos boas surpresas, sempre devemos recomendá-las.

A história reside na dificíl adaptação de Jess e Leslie ao cotidiano cruel do colégio, quando precisam lidar com outros colegas agressivos e inconvenientes e com as próprias crises financeiras e emocionais que suas famílias têm vivido. Diferenciando-se da maior parte dos longas infanto-juvenis, o longa opta por aprofundar as motivações e as consequências que a recriação da realidade em Terabítia traz para seus protagonistas. Ou seja, a mitologia dos seres criados não ganha profundidade ou grandes vilões, mostrando que os maiores desafios que as crianças têm enfrentando encontram-se diante deles: na falta de atenção dos pais, nas dificuldades financeiras, na incompreensão dos colegas e professores.

Essa crueldade vivenciada pelos protagonistas leva-os a uma jornada rumo a essa válvula de escape: Terabítia, um reino imaginário onde eles conseguem enfrentar e vencer trolls, esquogros e outras criaturas fantásticas, trazendo a motivação e a auto-estima necessários para superarem as dificuldades cotidianas. A diferença entre estas crianças e aquelas que vimos em tantos outros longas sobre universos imaginários é que Jess e Leslie deliberadamente criaram aquele universo para esta finalidade e, em nenhum momento, mostra-se verdadeiro. Sempre que as crianças reconhecem a necessidade dessa fuga do cotidiano, se dirigem para esse universo - e não o universo que as resgata para uma determinada tarefa que desemboca num crescimento: quando algo as frustra no cotidiano, elas fogem inicialmente, mas, depois de enfrentar situações mais difíceis em Terabítia, ganham a confiança para combatê-los no mundo real.

Mesmo que, a princípio, Jess e Leslie pareçam bons demais para o mundo onde vivem e os outros representem em si o mal encarnado, com o desenvolver do enredo, percebe-se que tudo não passa de uma questão de ponto de vista: Janice, a grandalhona anti-social da 8a série, talvez também precise de uma Terabítia, mas para fugir do pai violento; May Belle, para se aproximar de seu irmão mais velho; os pais de Jess, para conseguir superar as dificuldades que a instabilidade financeira traz. Todos construímos pontes para nossas Terabítias: modos de esquecer o vazio, o desespero, a morte, a solidão, mas optamos por chamá-las de pintura, cinema, dança, música, teatro, escultura, como rege a metáfora que perpassa todo o longa.

A Arte nos encaminha para nossos próprios universos, onde podemos enfrentar fantasmas, demônios e armadilhas e caminhar rumo a uma vida equilibrada.

19/11/2009

O "e se..." de Bastardos Inglórios e a autoria da História


Em tempos em que a relevância do cinema se "testa" por sua verossimilhança e "aplicalibilidade" na formação de um discurso ou na forte inserção na realidade, Tarantino nos entrega uma obra ousada e cria um universo paralelo no seu Bastardos Inglórios.

Brad Pitt une-se a outros soldados judeus, formando a equipe dos Bastardos, cuja missão residia no extermínio do maior número possível de nazistas que poderiam encontrar, almejando, acima de tudo, a morte do Führer. A Operação Kino envolve a destruição dos mais famigerados nazistas em uma cinema onde será exibido um filme que exalta a figura de um herói de guerra alemão - Fredrik Zoller -, chamado "O Orgulho da Nação". Contudo, os planos mudam quando o rapaz decide levar a premiére do filme para um cinema menor, pois se encontra afeiçoado a Shosana, proprietária do local, desconhecendo sua origem judia.


Mesmo que não encontre a mesma conexão emocional que outrora o ligaria a personagens como Mia Wallace, Vicent Vega, Jules e Butch, o espectador acompanha o longa, percebendo o detalhismo de Tarantino na construção de diálogos e sequências marcantes. Contudo, somente ao final da narrativa, o público se apercebe de sua inserção em um universo paralelo quando um destino alternativo pinça a vida de Herr Hitler, fazendo com que o espectador vibre por compreender a quebra da lógica da representação. Tarantino não se preocupa com a adequação do seu filme nos livros de História ou em questionar possíveis lacunas nos autos onde se registram os fatos, mas em refazer a História à sua própria maneira. Assume o SEU próprio ponto de vista: não de como as coisas aconteceram ou acontecem, mas como PODERIAM ter acontecido se ele fosse O Criador. Numa época em que a autoria reside em expressar um modo de ver fatos e pessoas, o diretor reescreve-os a sel bel-prazer, convidando o espectador a fazê-lo. Mas também ao seu PRÓPRIO modo.