04/08/2009

Entre o incômodo e a apatia: Sinédoque, Nova Iorque



Uma experiência. Essa palavra pode resumir a sessão do longa de estréia na direção do roteirista Charlie Kaufman - conhecido pelos roteiros estupendos de Quero Ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.

Para os que já conhecem a insanidade de seus roteiros, é maravilhoso contemplar a superação de um artista que procura, a cada trabalho, olhar mais dentro de si, mostrando-se egocêntrico e corajoso ao mesmo tempo. O protagonista de Philip Seymour Hoffman, ao descobrir (ou criar) uma doença mortal, decide levar um projeto megalomaníaco adiante: reproduzir com fidelidade sua própria vida no palco, com um réplica da Grande Maçã num galpão, assim como atores e autores reescrevendo cenas e frases todo o tempo, num trabalho infinito de criação frustrada, um moto-perpétuo que não encontra facilmente um sentido - seja em seu protagonista, seja no espectador.

Mesmo cometendo erros tanto por se dividir entre direção e roteiro - denotado principalmente no ritmo cansativo do longa, no excessivo aproveitamento de situações repetitivas -, o diretor de primeira viagem entrega um de seus longas mais complexos e difíceis, algo que, certamente, não se perderia com a contratação de um diretor mais experiente, como visto na concretização de seus roteiros anteriores. Mas, com certeza, não desmereço os créditos que Kaufman traz para a cinematografia contemporânea, com o delicado tratamento de seus personagens - sejam protagonistas ou coadjuvantes -, que, mesmo caminhando entre o incômodo e a apatia no convívio consigo mesmos e com a sociedade, guardam dentro de si algum encanto - características fundamentais de Craig Schwartz (Quero Ser...), Charlie Kaufman (Adaptação) e Joel Barish (Brilho Eterno...).

Mas onde se encontra o incômodo do filme? Justamente na apatia constante de seu protagonista. Seu olhar incessante ao redor de si mesmo. A frustração constante de não se encontrar ou se realizar no mundo. Sentimentos que todos carregamos e queremos afastar de nós mesmos, pois, assim, seria impossível conviver em sociedade. A frustração de ver um plano tão grandioso, que leva tanto tempo para ser construído ruir pelas próprias mãos de seu realizador são sensações fortes para o espectador. A autodestruição inconsciente força o espectador a rever suas atitudes, a tentar compreender que planos de sua vida se encontram dessa forma e que os motivos os levaram a se encontrar assim. A decepção consigo mesmo não encontra saída fácil.

Caden Cotard (Hoffman) enxerga e recria o mundo segundo sua percepção: vemos sua imagem nos desenhos animados na televisão, ouvimos a fictícia "história de vida" de sua filha na Europa, o despetalar da tatuagem de sua filha anos mais tarde, as faxinas no apartamento de sua ex-mulher, a casa em chamas de Hazel, a evolução de sua "doença" e de seu espírito pessimista. Para Caden, a vida só pode ser suportável se reconstruída ao seu modo, numa recorrência aos nossos anos existencialistas, que, mesmo procurando no progresso tecnológico e instrumental algum progresso, dificilmente o encontraria nas relações humanas, tão carentes de sentimentos positivos em relação a nós mesmos e nosso papel no mundo.

Mesmo que vivêssemos uma vida diferente da nossa ou com alguém guiando constantemente nossos passos através de um fone de ouvido, seria impossível de encontrar um rastro de felicidade. Embora o diretor teatral encontre alguém que o admira e o compreende como o ator que desempenha seu papel; ou tenha os conselhos de uma psicóloga interessada mais na auto-imagem do que em seus pacientes; ou se transforme em um outro personagem e, nele, encontre seu fim, não existe saída para a frustração além de ir de encontro a ela e, atravessando-a, superá-la. Cotard desejava compreender sua própria existência ao transpô-la para o palco como algo palpável visível e, talvez, definível.

A loucura da representação da realidade dentro de ficções e ficções ininterruptas no galpão leva o espectador à ânsia, à exaustão. Mas, para tentar compreendê-lo, é necessário, sim, atravessá-lo. Do mesmo modo que vivenciamos o máximo do luto, do divórcio, para dar início a uma nova vida, precisamos enfrentar nossa morte diária para reencontrar o prazer da vida.