20/09/2009

Anticristo: um filme de sensações


Lars Von Trier, um sujeito sem meio-termo. Da mesma forma, seus filmes. Amar ou odiar. Sentimentos. Que aparecem tão à flor da pele, que perpassam os órgãos dos sentidos. As sensações de náusea. Algo físico. Os olhos sentem o desejo de não enxergar. O medo dos eventos posteriores transformam o longa em um conjunto de intempéries quase palpáveis de tão extremas. Mesmo que não encontre os aúreos momentos de Dogville, o cineasta consegue entregar uma obra acima da média das produções estadunidenses - ao menos no que concerne ao rótulo de fime de terror -, carregando nas tintas da tensão e no extravasar da violência com cenas fortes e explícitas.

Hermético. Intrincado. Uma sensação de vazio acompanha o espectador ansioso por uma catarse numa sessão de Anticristo, mas dificilmente o deixará incólume diante de momentos tão constrangedores e irracionais como os construídos pelo diretor. Oscilando entre cenas belíssimas e deprimentes, Von Trier arquiteta e executa um longa que, na verdade, promete mais do que cumpre, pois o diretor se mostra tão pretensioso em suas colocações que se torna maçante. em certo momento. Ao jogar atores e público diante de cenas de violência e sexualidade extremas, o autor ignora o potencial da palavra - ou sua ausência -, investindo na ação e no gesto, o que, em certos momentos, torna seu espetáculo gratuito. A profundidade do não-dito parece estar sempre à espreita, sem se desenvolver, trazendo ao espectador essa sensação de vazio, de incompletude: não necessariamente almejando um meio e um final destrinchados, mas com uma curva dramática que justifique os atos tão extremos propostos pelo cineasta.

O espectador, ao fim da sessão, talvez espere saber em que papel o autor se encontra: na mente do homem arrogante e extremamente racional ou no corpo da mulher sentimental e, aparentemente, irracional. A dúvida da investigação permanece. pois talvez seja no meio dessa luta que Von Trier deseje se encontrar: nas sensações pueris ainda ingênuas daquela criança que padece logo na primeira cena. A sensação da queda, da perda conduz o espectador a um oceano de angústia e desespero. Mas, neste universo tempestuoso, não existem soluções fáceis ou somos nós que não conseguimos encontrar o caminho? Precisamos senti-lo ou racionalizá-lo? Humanos que somos, caminharemos sempre escolhendo entre um e outro, tentando nos equilibrar diante de uma natureza que parece sempre nos pedir o contrário.

19/09/2009

O tradicional pós-moderno em Samurai Jack


Em certo momento do piloto para o desenho animado Samurai Jack - dirigido por Genndy Tartakovsky -, o herói, até então sem nome, é enviado pelo vilão Aku para o futuro da humanidade, onde este reina absoluto sobre a população. Esse mundo não é muito diferente do nosso, povoado pelas bugigangas tecnológicas a que nos acotumamos a estar cercados 24 horas por dia, nos quatro cantos do mundo. Um mundo completamente diferente do Japão feudal. Onde carros voadores, gírias incompreensíveis e bares do submundo recheados de música eletrônica muliplicam-se como coelhos no cativeiro.

Diante da construção plástica e narrativa da primeira parte do filme - que resgata elementos da estética oriental, permeada pela relevância do visual em detrimento do diálogo -, torna-se um choque para o espectador enfrentar o modo "americano" de escrita ao rechear o longa de diálogos e gags visuais típicas do audiovisual ocidental. O tradicional encontra o pós-moderno. O Oriente encontra o Ocidente. O choque é inevitável. Os modelos industriais de produção e recepção midiática do Ocidente tornam-se os instrumentos de dominação de Aku, algo só percebido pelo herói nipônico, que mantém sua missão de destruir o cerco proposto pelo vilão à sua existência.

O passado, o tradicional ganha, através desse longa, ares diferentes do chamado pós-moderno: viver o hoje não significa negar o vivido, tratá-lo como retrógrado, mas resgatar dele suas relevâncias a fim de construir um futuro com objetivo, aprendendo com as falhas experimentadas. O samurai sem nome ganha, então, o nome mais americanaizado que poderia existir - Jack - mas mantém seus princípios orientais, sua missão. Algo que muitas vezes nos falta: um objetivo pelo qual percorrer. Diante de um cardápio infinito de possibilidades, a indecisão permeia nossas mentes. Vivemos à procura de certezas, problemas que os antepassados não vivenciavam. Por que tinham quem lhes dissesse seus obejtivos. Como encontrar o caminho do meio? Vivendo as incertezas, para encontrar as próprias certezas.

Uma sanidade desvelada: O Mundo de Andy


Questionar a fragilidade das convenções da sociedade. Perceber o absurdo e a comicidade das nossas crenças mais fervorosas. Demonstrar a hipocrisia dos nossos atos e palavras. Andy Kaufman, cujo sonho de ser um astro tomou amplas proporções e o levou à eternidade, teve sua carreira transposta para o belo filme orquestrado por Milos Forman - O Mundo de Andy - e interpretado maginifcamente por Jim Carrey.

No roteiro dinâmico de Scott Alexander e Larry Karaszewski, o comediante descortina e supreende o espectador com sua insanidade - apenas parte de um show, de uma encenação criada por ele e seu braço-direito, Bob Zmuda. Na verdade, percebe-se Andy como o mais lúcido daqueles personagens que optam por manter um sistema de sensos e ideiais que não lhe pertencem de fato, mas foram impostos por 'não-se-sabe-quem'. Quem dita as regras? Que nos disse que o caminho é este ou aquele? Quem nos avisa do momento certo de rir ou aplaudir: uma placa de sinalização das famosas claques televisuais? Existe alguma dália que nos dite o texto e nossas ações como platéia? Por que não devemos mostrar nossa vida, nossa reação diante de um espetáculo ao invés de simplesmente rir ou aplaudir? É a isso que se limita a comunicação?

Kaufman amava seu público mais do que a tudo, por mais que não parecesse demonstrar. Tratava-o como pessoas vivas, que podiam reagir diante daquilo que ele propunha. Respeitava suas opiniões, apesar de discordar delas. Queria lhes mostrar um novo mundo - o seu próprio -, onde tudo aquilo que eles apreciavam era falso. Com um cantor de Las Vegas violento e agressivo, denunciava o desrespeito e a hipocrisia dos grandes astros. Com seu número musical do Supermouse, nos mostrava o absurdo da nossa obsessão pelo diálogo. Com um praticante de luta greco-romana misógino, criticava os machistas e orgulhosos homens que apreciam a tomada do poder pela força.

Suas maiores piadas não eram compreendidas por todos, mas por ele mesmo. Ria daquilo que contrariava seus princípios. Mas não somos todos assim? Apenas omitimo-nos embaixo de uma capa de hipocrisia que não faz sentido nenhum. Respeitar não significa somente se omitir. Respeitar está em ter coragem de discordar, mesmo sabendo as coerções que se pode receber. O humorista estava além daqueles que desejam entregar pão e circo para as massas, mas descortinava sua sanidade através de suas performances mais esdrúxulas. Esdrúxulas? O que pode ser considerado esdrúxulo num mundo onde a violência, a prisão e a exclusão são muitas vezes consideradas soluções para aqueles que agridem nosso senso de "normalidade"?

01/09/2009

As vitórias da derrotada Pequena Miss Sunshine


Talvez um dos momentos mais tocantes do longa dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris esteja numa fala simples trazida em meio a lágrimas singelas por Olive a seu avô, Edwin Hoover: "Papai odeia perdedores".

Talvez nessa (des) esperança resida muitos dos conflitos que a família sofre ao longo da jornada. Enquanto que a sociedade americana adulta tenha talvez se acostumado com esse termo ao ponto de tratá-lo com repudio - como o restante da família Hoover (Sheryl, Dwayne, Frank, Edwin) - Richard e Olive ainda precisam amadurecer para conhecer suficientemente quem são e não se levarem pelo rótulo de losers. Ainda assim, reside neles uma grande diferença: Olive batalha inconscientemente contra um rótulo que seu pai e as pessoas tentam lhe colocar, enquanto que Richard, seu pai, luta contra um rótulo que ele mesmo reproduz.

Dinate dessa sinopse, observamos mais uma empreitada contra a hipocrisia da sociedade estadunidense na busca por um american way of life - perpetuada nas telas por American Beauty, Fight Club, Revolutionary Road, Happiness e tantos outros -, mas sob a perpesctiva da criança ainda esperançosa por abalar rótulos de sucesso/fracasso em busca de um sonho. Mesmo fora dos padrões de beleza perpetuados pela mídia, Olive deseja ganhar o concurso de Miss Sunshine e sua família, mesmo contra a vontade, acompanha a garota e, por meio de diversas confusões e abalos emocionais, revivencia um sentimento familiar - ainda que à sua maneira.

Engraçado é observar momentos em que a família se trata como uma equipe: quando precisam sequestrar o corpo de avô ou convencer a garota a desistir do concurso ou ainda lidar com a quebra do voto de silêncio do revoltado Dwayne. Não são necessários momentos Kodak para os Hoover se sentirem como família novamente, mas as pequenas vitórias que conseguem para a convivência em grupo. Sua vitória não está no concurso de beleza juvenil, mas em reconhecer a beleza e a inocência daquela menina e a importância de que ela não se torne tão lesada emocionalmente como eles.

Os verdadeiros monstros perdedores não são as pessoas estranhas e desesperançadas naquela kombi amarela caindo aos pedaços, mas aquelas mães e filhas com penteados gigantescos e sorrisos artificiais que negam sua personalidade e sentimentos diante de um concurso que deprecia todos aqueles que não se encaixam nos padrões establecidos pelo status quo. Sua derrota pode não aparecer na frente de todos, mas em momentos especiais - seja dança desengonçada e constrangedora de Olive e sua família seja na destruição de uma cancela automática pela kombi que não pode frear nem deixar um dos seus para trás.