04/01/2010

Como fugir da realidade em Dançando no Escuro?


O diretor Lars Von Trier não é afeito a meios termos, compondo quadros da Humanidade como o local onde o indivíduo se perde, sofre seus maiores infortúnios, tavez resgatando alguns dos ideais de Rousseau como ponto fundamental de sua obra - video Dogville, Os Idiotas, Anticristo e este Dançando no Escuro.

Selma é uma imigrante do Leste Europeu nos Estados Unidos e enfrenta uma realidade difícil ao trabalhar em uma fábrica para realizar a operação nos olhos de seu filho, Gene, que herdará sua doença, que a deixará cega. A fim de sobreviver emocionalmente às intempéries do mundo real, ela se refugia no universo dos musicais hollywoodianos, em que o barulho das máquinas e passos tornam-se música e dança, um deslumbre para os olhos condenados à cegueira. Partindo deste plot simples, mas contundente, Trier traça ainda mais dificuldades para Selma, que será roubada, demitida e condenada à pena de morte ao longo da projeção. A crueldade de seu desenvolver narrativo gera incômodo nos espectadores desavisados e imprevisibilidade no destino da protagonista, tornando-se cinema que surpreende e choca - não de modo gratuito, mas por uma identificação sincera do público com os dramas que todos enfrentamos ao longo da vida.

Björk entrega um trabalho díficil: tornar verossímil personagem tão ingênuo e tão cheio de mudanças na narrativa. Apesar de estar à vontade nos números musicais, a cantora também mostra competência e desprendimento nas cenas dramáticas, em especial o final, onde um movimento brusco encerra definitivamente o que era uma vida de constante sofrimento. Assim como esta, seus coadjuvantes compõem um universo real: Kathy, sua colega de trabalho; Bill, e Linda, o casal que a abriga; Gene, seu filho; Jeff, seu amigo e pretendente, e tantos outros. Mesmo que se mostrem aliados ou inimigos, todos almejam trazer Selma à realidade, tragá-la para um mundo onde as pessoas não dançam e cantam espontaneamente, onde nem sempre os finais serão felizes. É essa conclusão que surge dolorosamente ao final do longa, com o olhar lastimoso de uma carcereira diante de uma Selma padecendo seus últimos momentos.

Contudo, se sua força reside num melodrama tão extremo - a jovem inocente dizimada por um mundo que não a compreende e deseja seu mal -, como fazê-lo habitar em um universo real onde as nuances entre Bem e Mal surgem tão tênues. Apesar de nos identificarmos tão fortemente com a personalidade quase limítrofe de tão ingênua de suas protagonistas, percebe-se em Trier a necessidade de se ver de modo tão corrompido pelos outros. Talvez Von Trier deseje ardentemente se colocar no lugar de Selma: como alguém que sofreu pungentemente diante dos infortúnios provocados pela Humanidade, entidade que talvez o conforte a fim de não enxergar o mal existente dentro de si mesmo.