O que é a fé? Essa
palavra tão curta nos liga a diversas discussões e sentimentos por séculos a
fio, causando aproximações e guerras entre os homens. Quando assistimos a As Aventuras de Pi (Ang Lee, 2011),
começamos a repensar o modo como as instituições religiosas começaram a tomar o
lugar da fé genuína, aquela que nasce com o instinto humano de acreditar em
qualquer instância que, de algum modo, lhe ofereça respostas às perguntas universais: “o que estamos fazendo aqui?”, “quem
somos?”, “para onde vamos?”... e assim por diante. E não somente para responder
perguntas, mas, principalmente, para trazer a sensação de paz que o religar o
homem a um estado de equilíbrio primordial para se viver bem. A fé ultrapassa
as instituições que se preocupam mais em categorizar a fé e, dessa forma,
domá-la dentro do espaço do cotidiano.
E o que há de especial
na história de Pi Patel que revela estas nuances ao público? Ang Lee adapta o
romance de Yann Martel para contar a história do menino indiano que morou a
vida toda num zoológico e, dentro dele, começou a desenvolver sua fé em três das
principais religiões da humanidade – hindu, cristã e muçulmana. De repente, este
meso se vê na encruzilhada de ter de ir morar no Canadá por conta dos problemas
financeiros que seu pai está enfrentando. Durante a viagem, acontece um
naufrágio e Pi precisa sobreviver dividindo um pequeno bote com Richard Parker,
um orangotango, uma hiena, uma zebra e um tigre, enfrentando, além da fúria
deste último, a fome, a tempestade e a natureza.
Quanto ao roteiro do
longa, ele dosa com qualidade certo humor, delicadeza e momentos mais
dramáticos, tendo como ponto fraco somente o fato de trazer alguns personagens
que não são usados em seguida – como a menina por quem Pi se apaixona, por
exemplo. Com uma paleta de cores belíssima, a fotografia, a direção de arte e
os efeitos especiais de Pi mostram-se os principais destaques do longa, compondo
belíssimos quadros para os olhos do público. Enquanto isso, a edição aposta nas
fusões que trazem à narrativa certa lentidão: se o começo do filme parece meio
confuso pelo excesso e velocidade das informações, os momentos pós-naufrágio,
creio eu, excedem-se na tentativa de trazer essa sensação de dias passados.
Isto termina cansando o espectador em certo momento, mas quando longa se aproxima
do final, ganha mais corpo e velocidade, chegando à tranquilidade e às emoções
contidas do desfecho com a típica tranquilidade oriental.
(a partir daqui contém spoilers)
Quanto ao final do
longa, com certeza, ele é o que rende maiores discussões pós-sessão, visto que
não contente em fazer o relato de uma história de perseverança e sobrevivência,
Ang Lee faz seu protagonista contar outra versão da história para os
investigadores que lhe visitam no hospital – na verdade, não existem zebra, tigre,
hiena ou orangontango, mas eles representam os humanos que teriam sobrevivido
no barco junto com Pi –, mas eles, na
verdade, não passam de uma parábola sobre como o medo nos ajuda a superar adversidades.
Atravessar o desconhecido nos faz conhecer mais a nós mesmos e realizar coisas
que não imaginávamos, ou seja, conhecer mais o deus, as virtudes que existem
dentro de nós mesmos. Quando escolhemos acreditar na história do tigre, estamos
escolhendo a história que nos inspira, que nos leva para mais perto do que há
de melhor em nós e, assim, um pouco mais perto de Deus.
Em suma, em Pi, ter fé
não significa repetir ritos de forma mecânica como um meio de alcançar algum
alívio de culpas absorvidas pelo discurso de outrem, mas quer dizer acreditar
na sua força interior e na sua relação com a natureza, na experiência que um
belo pôr-do-sol pode proporcionar para os olhos da alma, que o amor que pode
curar feridas antigas... Que aquilo é eterno, muitas vezes, está no efêmero da
nossa existência.
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