09/01/2013

As Aventuras de Pi entre a fé e a religião



O que é a fé? Essa palavra tão curta nos liga a diversas discussões e sentimentos por séculos a fio, causando aproximações e guerras entre os homens. Quando assistimos a As Aventuras de Pi (Ang Lee, 2011), começamos a repensar o modo como as instituições religiosas começaram a tomar o lugar da fé genuína, aquela que nasce com o instinto humano de acreditar em qualquer instância que, de algum modo, lhe ofereça respostas às perguntas  universais: “o que estamos fazendo aqui?”, “quem somos?”, “para onde vamos?”... e assim por diante. E não somente para responder perguntas, mas, principalmente, para trazer a sensação de paz que o religar o homem a um estado de equilíbrio primordial para se viver bem. A fé ultrapassa as instituições que se preocupam mais em categorizar a fé e, dessa forma, domá-la dentro do espaço do cotidiano.
E o que há de especial na história de Pi Patel que revela estas nuances ao público? Ang Lee adapta o romance de Yann Martel para contar a história do menino indiano que morou a vida toda num zoológico e, dentro dele, começou a desenvolver sua fé em três das principais religiões da humanidade – hindu, cristã e muçulmana. De repente, este meso se vê na encruzilhada de ter de ir morar no Canadá por conta dos problemas financeiros que seu pai está enfrentando. Durante a viagem, acontece um naufrágio e Pi precisa sobreviver dividindo um pequeno bote com Richard Parker, um orangotango, uma hiena, uma zebra e um tigre, enfrentando, além da fúria deste último, a fome, a tempestade e a natureza.
Quanto ao roteiro do longa, ele dosa com qualidade certo humor, delicadeza e momentos mais dramáticos, tendo como ponto fraco somente o fato de trazer alguns personagens que não são usados em seguida – como a menina por quem Pi se apaixona, por exemplo. Com uma paleta de cores belíssima, a fotografia, a direção de arte e os efeitos especiais de Pi mostram-se os principais destaques do longa, compondo belíssimos quadros para os olhos do público. Enquanto isso, a edição aposta nas fusões que trazem à narrativa certa lentidão: se o começo do filme parece meio confuso pelo excesso e velocidade das informações, os momentos pós-naufrágio, creio eu, excedem-se na tentativa de trazer essa sensação de dias passados. Isto termina cansando o espectador em certo momento, mas quando longa se aproxima do final, ganha mais corpo e velocidade, chegando à tranquilidade e às emoções contidas do desfecho com a típica tranquilidade oriental.

(a partir daqui contém spoilers)

Quanto ao final do longa, com certeza, ele é o que rende maiores discussões pós-sessão, visto que não contente em fazer o relato de uma história de perseverança e sobrevivência, Ang Lee faz seu protagonista contar outra versão da história para os investigadores que lhe visitam no hospital – na verdade, não existem zebra, tigre, hiena ou orangontango, mas eles representam os humanos que teriam sobrevivido no barco junto com  Pi –, mas eles, na verdade, não passam de uma parábola sobre como o medo nos ajuda a superar adversidades. Atravessar o desconhecido nos faz conhecer mais a nós mesmos e realizar coisas que não imaginávamos, ou seja, conhecer mais o deus, as virtudes que existem dentro de nós mesmos. Quando escolhemos acreditar na história do tigre, estamos escolhendo a história que nos inspira, que nos leva para mais perto do que há de melhor em nós e, assim, um pouco mais perto de Deus.
Em suma, em Pi, ter fé não significa repetir ritos de forma mecânica como um meio de alcançar algum alívio de culpas absorvidas pelo discurso de outrem, mas quer dizer acreditar na sua força interior e na sua relação com a natureza, na experiência que um belo pôr-do-sol pode proporcionar para os olhos da alma, que o amor que pode curar feridas antigas... Que aquilo é eterno, muitas vezes, está no efêmero da nossa existência.

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