08/12/2009

Dos Jogos de Poder e Revolta em Entre os Muros da Escola


Como encarar a arte de contar histórias depois de uma sessão do longa Entre os Muros da Escola? Ao atravessar as dificuldades de relacionamento que alunos e professores enfrentam durante um ano letivo, pode-se dizer que as mais diversas tentativas de realizar um retrato da juventude niilista com que nos acostumamos ao longo destes cínicos e pós-modernos últimos anos encontram no filme de Laurent Cantet seu resultado mais sincero, contundente, complexo, indo além dos filmes escolares norte-americanos e dos dramas excessivamente pessimistas onde as drogas e sexualidade exacerbadas predominam.

François Marin é um professor do ensino público na França que lida constantemente com as intempéries advindas do - ou da falta de - aprendizado e relacionamento que tem com seus alunos. Até este ponto, poderíamos imaginar que se trataria de mais um Sociedade dos Poetas Mortos ou Mentes Perigosas adaptados para o novo milênio. Mas o que surge na tela nos faz esquecer completamente de ensinos otimistas a respeito da relação dentro da sala de aula: ao invés de tê-lo como herói, os alunos vêem o professor como adversário em potencial pelo simples fato de representar a ordem que tanto almejam desmistificar; assim como os professores, que digladiam consigo mesmos sobre até quando tentarão disciplinar pupilos tão indisciplinados como os que possuem? Naquelas quatro paredes, o que os une é a obrigação e as convenções e não o prazer que o Prof. Keating de Robin Williams explorava à exaustão em suas aulas espetaculares.

Neste reduto onde os jogos de poder se complexificam a cada momento, Cantet explora o ambiente com sua câmera adequada, procurando e encontrando pessoas - e não personagens. - e respeitando tudo aquilo que estas permitem mostrar diante da tela, deixando o espectador crente em todos aqueles sentimentos e motivações, pois seus atores não parecem interpretar e nos cativam para conhecê-los cada vez mais. Mesmo parecendo tão antipáticos a princípio, como não querer conhecer as razões da revolta de Souleymane e Esmeralda com o mundo ao redor, o que motiva o chinês Wey com seus estudos ou o que trouxe Rabah para dentro daquele universo francês burguês ao deixar suas raízes árabes para trás? Desfilam pela tela não estereótipos de gótico, estrangeiro, estudioso, revoltado e patricinhas, mas verdadeiros retratos de uma juventude sem perspectivas, onde suas maiores lutas se encontram dentro dos recintos que frequentam, com as pessoas com quem mais convivem.

Não existe mais um Vietnã ou uma Alemanha a que enfrentar. Nossos inimigos somos nós mesmos, a quem temos mais chance de amar e nos decepcionar. Do mesmo modo que François amava seus alunos para desejar que aprendessem mais ou que Souleymane se emocionasse sinceramente ao ver seu professor valorizando seu trabalho diante da turma, os mesmos poderiam ofender-se mutuamente em outro instante e destruir um laço tão tênue como o que haviam construído na singeleza de alguns segundos. Os momentos finais sintetizam esse jogo de conveniências e discrepâncias nos nossas relações: o que de fato está em jogo quando estamos na sala de aula? Ou num escritório? Que campo de batalha criamos quando habitamos momentaneamente dentro daquelas quatro paredes? Que papéis tão complexos estamos assumindo ou sendo obrigados a assumir?

No momento em que todos estão na quadra e se divertem com um simples jogo de futebol, todo aquele conflito anterior foi esquecido por alguns instantes, mas as cadeiras vazias e desorganizadas nos lembram que outro semestre virá, trazendo novamente estes sentimentos adormecidos por um período de férias e aquele jogo de opressão e revolta ressurgirá.

03/12/2009

Reciclando Épocas - Planeta 51


Despretensioso. Esquecível. Filme de uma piada só, Planeta 51 apóia-se na idéia de referenciar estetica e tematicamente aos filmes de ficção científica dos anos 50, mas invertendo os pontos de vista de onde a história é contada. Ao invés de extraterrestres que invadem o planeta Terra em busca de conhecimentos em viagens interplanetárias, encontramos o astronauta Chuck Baker como intruso em um planeta recheado de aliens, tornando-se ele o invasor.

A partir desta idéia inicial, desfilam pelo longa os mais diversos clichês do gênero - os generais truculentos, os garotinhos que salvam o visitante interplanetário, a paranóia da sociedade -, mas numa bagagem que busca criticar uma época. Chuck vem da Terra atual -recheada de tecnologia, iPods, dentre outras traquitanas e mostra-se claramente superior aos hábitos que os moradores daquele planeta possuem. Contudo, tanto Chuck como seu amigo alienígena Lem aprendem: tudo não passa de uma questão de ponto de vista. O que pode ser considerado diferente? O que é considerado normal? Que padrão de comportamento nos é solicitado e por quê? Quem é o estrangeiro, o estranho? O que me faz ser estranho é a minha posição dentro de uma comunidade de iguais? O que pode ser considerado monstro, desconhecido?

Pouco se aprofundam estes questionamentos no longa, levando a crer que crianças não se interessariam por tal. Pode-se questionar o por quê da raça extraterrestre ficar estagnada nos anos 50 e partindo para os 60. Por essas referências estão lá? Por que não um mundo completamente novo onde nenhuma referência com este mundo seria possível? Simplesmente por que referenciam aos filmes dos anos 50? Coisas que poderiam ser mais bem aproveitadas pelo longa, que se concentra na diversão e no bom humor. Ou seja, o longa contenta-se em permanecer sem grandes pretensões filosóficas e em ser esquecido durante as próximas 24 horas. Muito distante de suas obras inspiradoras.

27/11/2009

Ficção Para Uma Difícil Realidade: Ponte para Terabítia


Por muito tempo, relutei em assistir ao longa Ponte para Terabítia, pensando se tratar de mais um filme na esteira de universos imaginários como Terra Média, Nárnia e outros, mas, quando descobrimos boas surpresas, sempre devemos recomendá-las.

A história reside na dificíl adaptação de Jess e Leslie ao cotidiano cruel do colégio, quando precisam lidar com outros colegas agressivos e inconvenientes e com as próprias crises financeiras e emocionais que suas famílias têm vivido. Diferenciando-se da maior parte dos longas infanto-juvenis, o longa opta por aprofundar as motivações e as consequências que a recriação da realidade em Terabítia traz para seus protagonistas. Ou seja, a mitologia dos seres criados não ganha profundidade ou grandes vilões, mostrando que os maiores desafios que as crianças têm enfrentando encontram-se diante deles: na falta de atenção dos pais, nas dificuldades financeiras, na incompreensão dos colegas e professores.

Essa crueldade vivenciada pelos protagonistas leva-os a uma jornada rumo a essa válvula de escape: Terabítia, um reino imaginário onde eles conseguem enfrentar e vencer trolls, esquogros e outras criaturas fantásticas, trazendo a motivação e a auto-estima necessários para superarem as dificuldades cotidianas. A diferença entre estas crianças e aquelas que vimos em tantos outros longas sobre universos imaginários é que Jess e Leslie deliberadamente criaram aquele universo para esta finalidade e, em nenhum momento, mostra-se verdadeiro. Sempre que as crianças reconhecem a necessidade dessa fuga do cotidiano, se dirigem para esse universo - e não o universo que as resgata para uma determinada tarefa que desemboca num crescimento: quando algo as frustra no cotidiano, elas fogem inicialmente, mas, depois de enfrentar situações mais difíceis em Terabítia, ganham a confiança para combatê-los no mundo real.

Mesmo que, a princípio, Jess e Leslie pareçam bons demais para o mundo onde vivem e os outros representem em si o mal encarnado, com o desenvolver do enredo, percebe-se que tudo não passa de uma questão de ponto de vista: Janice, a grandalhona anti-social da 8a série, talvez também precise de uma Terabítia, mas para fugir do pai violento; May Belle, para se aproximar de seu irmão mais velho; os pais de Jess, para conseguir superar as dificuldades que a instabilidade financeira traz. Todos construímos pontes para nossas Terabítias: modos de esquecer o vazio, o desespero, a morte, a solidão, mas optamos por chamá-las de pintura, cinema, dança, música, teatro, escultura, como rege a metáfora que perpassa todo o longa.

A Arte nos encaminha para nossos próprios universos, onde podemos enfrentar fantasmas, demônios e armadilhas e caminhar rumo a uma vida equilibrada.

19/11/2009

O "e se..." de Bastardos Inglórios e a autoria da História


Em tempos em que a relevância do cinema se "testa" por sua verossimilhança e "aplicalibilidade" na formação de um discurso ou na forte inserção na realidade, Tarantino nos entrega uma obra ousada e cria um universo paralelo no seu Bastardos Inglórios.

Brad Pitt une-se a outros soldados judeus, formando a equipe dos Bastardos, cuja missão residia no extermínio do maior número possível de nazistas que poderiam encontrar, almejando, acima de tudo, a morte do Führer. A Operação Kino envolve a destruição dos mais famigerados nazistas em uma cinema onde será exibido um filme que exalta a figura de um herói de guerra alemão - Fredrik Zoller -, chamado "O Orgulho da Nação". Contudo, os planos mudam quando o rapaz decide levar a premiére do filme para um cinema menor, pois se encontra afeiçoado a Shosana, proprietária do local, desconhecendo sua origem judia.


Mesmo que não encontre a mesma conexão emocional que outrora o ligaria a personagens como Mia Wallace, Vicent Vega, Jules e Butch, o espectador acompanha o longa, percebendo o detalhismo de Tarantino na construção de diálogos e sequências marcantes. Contudo, somente ao final da narrativa, o público se apercebe de sua inserção em um universo paralelo quando um destino alternativo pinça a vida de Herr Hitler, fazendo com que o espectador vibre por compreender a quebra da lógica da representação. Tarantino não se preocupa com a adequação do seu filme nos livros de História ou em questionar possíveis lacunas nos autos onde se registram os fatos, mas em refazer a História à sua própria maneira. Assume o SEU próprio ponto de vista: não de como as coisas aconteceram ou acontecem, mas como PODERIAM ter acontecido se ele fosse O Criador. Numa época em que a autoria reside em expressar um modo de ver fatos e pessoas, o diretor reescreve-os a sel bel-prazer, convidando o espectador a fazê-lo. Mas também ao seu PRÓPRIO modo.

15/10/2009

Do Oculto em Felicidade


Vivemos em eterna busca pela perfeição - seja física, espiritual, emocional, profissional. Encontramos no caminho talvez nosso maior adversário: nós mesmos. No longa Felicidade, escrito e dirigido por Todd Solondz - um dos autores mais incômodos e sádicos do atual cinema norte-americano -, encontramos um elenco perfeito - destaque para Jane Adams, Philip Seymour Hoffman, Dylan Baker, Lara Flynn Boyle, Louise Lasser e Camryn Manheim - que retrata um apodrecido american way of life, mas que ainda conserva a aparência saudavel.

Ao revelar feridas tão profundas do inconsciente coletivo da população estadunidense, Solondz consegue, ao mesmo tempo, universalizá-las, fazendo com que nos identifiquemos com estas pessoas patéticas, pervertidas, mas, acima de tudo, incompreendidas. Seja na esposa que não consegue ouvir da atendente as perguntas prosaicas para preenchimento de cadastro - por ter de admitir que se mudará sem marido ou filhos, mas sozinha num quarto de condomínio - seja no psicanalista pedófilo que confessa ao filho os atos sexuais cometidos por ele em seus amigos de colégio. Os subúrbios assépticos onde residem pretendem, mas, em certos momentos, não conseguem ocultar suas inseguranças, medos, imperfeições. Nessas amplas feridas escancaradas, Solondz nos convida a sorrir de nós mesmos, mas, ao mesmo tempo, chorar por se ver naquelas situações. Sentimo-nos feios, gordos, incapazes, abusados, desviados de um propósito maior, que talvez nos orientasse por onde ir e nos limitamos a buscar a miudeza das vidinhas que aprendemos a levar a tiracolo.

No quarentão solitário que deseja a vizinha, na professora que se deixa levar pela carência, no garoto que procura seu primeiro orgasmo, na esposa irritantemente feliz... Nestes personagens, expõem-se muitas de nossas chagas emocionais, expostas como num mostruário, onde podemos rir e dizer que não somos assim, onde podemos dizer que somos perfeitos e não olhar para dentro, onde podemos seguir em frente e procurar por uma felicidade palpável e, por isso mesmo, destrutível. Escondemo-nos de nós mesmos a fim de rejeitar uma visão de quem nos conhece melhor do que qualquer outra pessoa: como nos ver tão preenchidos com atitudes e pensamentos que gostaríamos de enterrar e esquecer, mas precisar viver normalmente em casa, no trabalho, nas ruas?

Por um Sentido na Vida: Da Incapacidade de Recomeçar



Durante todo o longa de Miguel Arteta e em certo momento em particular, Justine Last vive um momento de profundo egoísmo e infelicidade: diante de uma encruzilhada entre a vida monótona e infeliz com que se acostumou e o preenchimento infinito de possibilidades que uma nova vida lhe traria, opta por trair a si mesma e permite deliberadamente que o imaturo Holden, seu amigo e amante, padeça diante dos próprios infortúnios.

Com um roteiro que harmoniza diversos sentimentos com sabedoria e conquista o espectador com o seu crescente emocional, Por um Sentido na vida nos entrega uma Jennifer Aniston que beira a perfeição ao exibir a dúvida, o patético, a paixão de sua heróina. De esposa irritada e infeliz no trabalho, Justine nos encaminha para sua jornada de adultério, mentira e chantagem, que, ao final, se mostram como mais uma história de aventura em meio ao moto perpétuo da loja de conveniências onde trabalha no setor de cosméticos.

Mesmo desejando que nossa heróina devastasse tudo o que tinha construído junto com o marido maconheiro e preguiçoso Phil em busca de um oceano de emoções que viria com sua jornada ao lado de Holden, constatamos sem réplicas que, provavelmente, tomaríamos a mesma decisão: recomeçar requer esse desprendimento de nós mesmos, necessita negar tudo o que acreditamos, ignorar tudo o que amamos e desejamos algum dia a fim de partir para esse novo mundo. Mas, como negar tudo o que fomos um dia? Como reconhecer que suas próprias escolhas nos encaminharam por um rumo de infelicidade e incompreensão?

Justine não consegue. Quem é essa heroína? Aquela que nos inspira ou que nos retrata?

13/10/2009

Insignificantemente: Sideways e o vazio do homem comum


Ao conhecer Miles e Jack, a princípio podemos pensar em dois fracassados que colhem o que semearam numa vida de passividade e desprezo pelo iminente matrimônio, respectivamente. Mas Alexander Payne, um dos maiores autores do cinema norte-americano atual, nos revela um intenso carinho com suas protagonistas - seja o aposentado Schmidt (As Confissões de Schmidt) ou o professor sem perspectiva McAllister (Eleição) -, deixando que seu carisma nos tornem empáticos até com suas atitudes mais aparentemente absurdas.

Com este longa, Payne nos faz mergulhar em uma história simples, mas que, com roteiro e elenco perfeitos, consegue nos fisgar e emocionar com as situações mais honestas que o cinema poderia nos trazer. Miles e Jack - o primeiro, um professor que fracassa na ainda emergente carreira de escritor; o segundo, ator de novelas prestes a casar que trai a noiva no decurso da viagem - trazem duas pessoas que sintetizam um perfil do homem moderno: dividido entre a insegurança e a temos ao iniciar uma nova vida.

Miles coleciona "nãos" das editoras para seu primeiro livro e ainda se sente ressentido e deprimido com o fim do primeiro casamento, refletindo sobre a possibilidade de começar de novo: em uma nova profissão, com uma nova mulher. A insegurança de entrar em um novo relacionamento sem ter a certeza de que se consumará e o sentimento de fracasso profissional permeiam o protagonista até levá-lo a consciência de que essa certeza nunca vai existir. Como lidar com a diferença entre o que projetamos e o que de fato acontece nas nossas vidas? Como juntar os cacos e seguir em frente para construir um novo vaso, com mãos calejadas e um barro desconhecido? Enquanto isso, Jack encara com pesar a iminência do casamento: a sensação de aprisionamento e distanciamento emocional o corroem, fazendo-o se envolver superficialmente com as mulheres que encontra. Temendo a exposição emocional a que estará se dispondo com o casamento e possibilidade do fracasso, isola-se em seu caverna e teme quem se aproxima, mesmo afirmando amá-lo.

Ambos são as duas faces de um mesmo homem: inseguro, passivo emocionalmente e temeroso com um iminente fracasso. Assim foi com McAllister - que fraudou a eleição para que Tracy Flick não o sobrepusesse numa carreira ascendente - e Schmidt - que impediu a todo custo o casamento da filha, desejando tê-la ainda ao seu lado. Todos com um sentimento de insignificência em meio a um novo mundo que os atropela sem deixar vestígios.

20/09/2009

Anticristo: um filme de sensações


Lars Von Trier, um sujeito sem meio-termo. Da mesma forma, seus filmes. Amar ou odiar. Sentimentos. Que aparecem tão à flor da pele, que perpassam os órgãos dos sentidos. As sensações de náusea. Algo físico. Os olhos sentem o desejo de não enxergar. O medo dos eventos posteriores transformam o longa em um conjunto de intempéries quase palpáveis de tão extremas. Mesmo que não encontre os aúreos momentos de Dogville, o cineasta consegue entregar uma obra acima da média das produções estadunidenses - ao menos no que concerne ao rótulo de fime de terror -, carregando nas tintas da tensão e no extravasar da violência com cenas fortes e explícitas.

Hermético. Intrincado. Uma sensação de vazio acompanha o espectador ansioso por uma catarse numa sessão de Anticristo, mas dificilmente o deixará incólume diante de momentos tão constrangedores e irracionais como os construídos pelo diretor. Oscilando entre cenas belíssimas e deprimentes, Von Trier arquiteta e executa um longa que, na verdade, promete mais do que cumpre, pois o diretor se mostra tão pretensioso em suas colocações que se torna maçante. em certo momento. Ao jogar atores e público diante de cenas de violência e sexualidade extremas, o autor ignora o potencial da palavra - ou sua ausência -, investindo na ação e no gesto, o que, em certos momentos, torna seu espetáculo gratuito. A profundidade do não-dito parece estar sempre à espreita, sem se desenvolver, trazendo ao espectador essa sensação de vazio, de incompletude: não necessariamente almejando um meio e um final destrinchados, mas com uma curva dramática que justifique os atos tão extremos propostos pelo cineasta.

O espectador, ao fim da sessão, talvez espere saber em que papel o autor se encontra: na mente do homem arrogante e extremamente racional ou no corpo da mulher sentimental e, aparentemente, irracional. A dúvida da investigação permanece. pois talvez seja no meio dessa luta que Von Trier deseje se encontrar: nas sensações pueris ainda ingênuas daquela criança que padece logo na primeira cena. A sensação da queda, da perda conduz o espectador a um oceano de angústia e desespero. Mas, neste universo tempestuoso, não existem soluções fáceis ou somos nós que não conseguimos encontrar o caminho? Precisamos senti-lo ou racionalizá-lo? Humanos que somos, caminharemos sempre escolhendo entre um e outro, tentando nos equilibrar diante de uma natureza que parece sempre nos pedir o contrário.

19/09/2009

O tradicional pós-moderno em Samurai Jack


Em certo momento do piloto para o desenho animado Samurai Jack - dirigido por Genndy Tartakovsky -, o herói, até então sem nome, é enviado pelo vilão Aku para o futuro da humanidade, onde este reina absoluto sobre a população. Esse mundo não é muito diferente do nosso, povoado pelas bugigangas tecnológicas a que nos acotumamos a estar cercados 24 horas por dia, nos quatro cantos do mundo. Um mundo completamente diferente do Japão feudal. Onde carros voadores, gírias incompreensíveis e bares do submundo recheados de música eletrônica muliplicam-se como coelhos no cativeiro.

Diante da construção plástica e narrativa da primeira parte do filme - que resgata elementos da estética oriental, permeada pela relevância do visual em detrimento do diálogo -, torna-se um choque para o espectador enfrentar o modo "americano" de escrita ao rechear o longa de diálogos e gags visuais típicas do audiovisual ocidental. O tradicional encontra o pós-moderno. O Oriente encontra o Ocidente. O choque é inevitável. Os modelos industriais de produção e recepção midiática do Ocidente tornam-se os instrumentos de dominação de Aku, algo só percebido pelo herói nipônico, que mantém sua missão de destruir o cerco proposto pelo vilão à sua existência.

O passado, o tradicional ganha, através desse longa, ares diferentes do chamado pós-moderno: viver o hoje não significa negar o vivido, tratá-lo como retrógrado, mas resgatar dele suas relevâncias a fim de construir um futuro com objetivo, aprendendo com as falhas experimentadas. O samurai sem nome ganha, então, o nome mais americanaizado que poderia existir - Jack - mas mantém seus princípios orientais, sua missão. Algo que muitas vezes nos falta: um objetivo pelo qual percorrer. Diante de um cardápio infinito de possibilidades, a indecisão permeia nossas mentes. Vivemos à procura de certezas, problemas que os antepassados não vivenciavam. Por que tinham quem lhes dissesse seus obejtivos. Como encontrar o caminho do meio? Vivendo as incertezas, para encontrar as próprias certezas.

Uma sanidade desvelada: O Mundo de Andy


Questionar a fragilidade das convenções da sociedade. Perceber o absurdo e a comicidade das nossas crenças mais fervorosas. Demonstrar a hipocrisia dos nossos atos e palavras. Andy Kaufman, cujo sonho de ser um astro tomou amplas proporções e o levou à eternidade, teve sua carreira transposta para o belo filme orquestrado por Milos Forman - O Mundo de Andy - e interpretado maginifcamente por Jim Carrey.

No roteiro dinâmico de Scott Alexander e Larry Karaszewski, o comediante descortina e supreende o espectador com sua insanidade - apenas parte de um show, de uma encenação criada por ele e seu braço-direito, Bob Zmuda. Na verdade, percebe-se Andy como o mais lúcido daqueles personagens que optam por manter um sistema de sensos e ideiais que não lhe pertencem de fato, mas foram impostos por 'não-se-sabe-quem'. Quem dita as regras? Que nos disse que o caminho é este ou aquele? Quem nos avisa do momento certo de rir ou aplaudir: uma placa de sinalização das famosas claques televisuais? Existe alguma dália que nos dite o texto e nossas ações como platéia? Por que não devemos mostrar nossa vida, nossa reação diante de um espetáculo ao invés de simplesmente rir ou aplaudir? É a isso que se limita a comunicação?

Kaufman amava seu público mais do que a tudo, por mais que não parecesse demonstrar. Tratava-o como pessoas vivas, que podiam reagir diante daquilo que ele propunha. Respeitava suas opiniões, apesar de discordar delas. Queria lhes mostrar um novo mundo - o seu próprio -, onde tudo aquilo que eles apreciavam era falso. Com um cantor de Las Vegas violento e agressivo, denunciava o desrespeito e a hipocrisia dos grandes astros. Com seu número musical do Supermouse, nos mostrava o absurdo da nossa obsessão pelo diálogo. Com um praticante de luta greco-romana misógino, criticava os machistas e orgulhosos homens que apreciam a tomada do poder pela força.

Suas maiores piadas não eram compreendidas por todos, mas por ele mesmo. Ria daquilo que contrariava seus princípios. Mas não somos todos assim? Apenas omitimo-nos embaixo de uma capa de hipocrisia que não faz sentido nenhum. Respeitar não significa somente se omitir. Respeitar está em ter coragem de discordar, mesmo sabendo as coerções que se pode receber. O humorista estava além daqueles que desejam entregar pão e circo para as massas, mas descortinava sua sanidade através de suas performances mais esdrúxulas. Esdrúxulas? O que pode ser considerado esdrúxulo num mundo onde a violência, a prisão e a exclusão são muitas vezes consideradas soluções para aqueles que agridem nosso senso de "normalidade"?

01/09/2009

As vitórias da derrotada Pequena Miss Sunshine


Talvez um dos momentos mais tocantes do longa dirigido por Jonathan Dayton e Valerie Faris esteja numa fala simples trazida em meio a lágrimas singelas por Olive a seu avô, Edwin Hoover: "Papai odeia perdedores".

Talvez nessa (des) esperança resida muitos dos conflitos que a família sofre ao longo da jornada. Enquanto que a sociedade americana adulta tenha talvez se acostumado com esse termo ao ponto de tratá-lo com repudio - como o restante da família Hoover (Sheryl, Dwayne, Frank, Edwin) - Richard e Olive ainda precisam amadurecer para conhecer suficientemente quem são e não se levarem pelo rótulo de losers. Ainda assim, reside neles uma grande diferença: Olive batalha inconscientemente contra um rótulo que seu pai e as pessoas tentam lhe colocar, enquanto que Richard, seu pai, luta contra um rótulo que ele mesmo reproduz.

Dinate dessa sinopse, observamos mais uma empreitada contra a hipocrisia da sociedade estadunidense na busca por um american way of life - perpetuada nas telas por American Beauty, Fight Club, Revolutionary Road, Happiness e tantos outros -, mas sob a perpesctiva da criança ainda esperançosa por abalar rótulos de sucesso/fracasso em busca de um sonho. Mesmo fora dos padrões de beleza perpetuados pela mídia, Olive deseja ganhar o concurso de Miss Sunshine e sua família, mesmo contra a vontade, acompanha a garota e, por meio de diversas confusões e abalos emocionais, revivencia um sentimento familiar - ainda que à sua maneira.

Engraçado é observar momentos em que a família se trata como uma equipe: quando precisam sequestrar o corpo de avô ou convencer a garota a desistir do concurso ou ainda lidar com a quebra do voto de silêncio do revoltado Dwayne. Não são necessários momentos Kodak para os Hoover se sentirem como família novamente, mas as pequenas vitórias que conseguem para a convivência em grupo. Sua vitória não está no concurso de beleza juvenil, mas em reconhecer a beleza e a inocência daquela menina e a importância de que ela não se torne tão lesada emocionalmente como eles.

Os verdadeiros monstros perdedores não são as pessoas estranhas e desesperançadas naquela kombi amarela caindo aos pedaços, mas aquelas mães e filhas com penteados gigantescos e sorrisos artificiais que negam sua personalidade e sentimentos diante de um concurso que deprecia todos aqueles que não se encaixam nos padrões establecidos pelo status quo. Sua derrota pode não aparecer na frente de todos, mas em momentos especiais - seja dança desengonçada e constrangedora de Olive e sua família seja na destruição de uma cancela automática pela kombi que não pode frear nem deixar um dos seus para trás.

04/08/2009

Entre o incômodo e a apatia: Sinédoque, Nova Iorque



Uma experiência. Essa palavra pode resumir a sessão do longa de estréia na direção do roteirista Charlie Kaufman - conhecido pelos roteiros estupendos de Quero Ser John Malkovich, Adaptação e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.

Para os que já conhecem a insanidade de seus roteiros, é maravilhoso contemplar a superação de um artista que procura, a cada trabalho, olhar mais dentro de si, mostrando-se egocêntrico e corajoso ao mesmo tempo. O protagonista de Philip Seymour Hoffman, ao descobrir (ou criar) uma doença mortal, decide levar um projeto megalomaníaco adiante: reproduzir com fidelidade sua própria vida no palco, com um réplica da Grande Maçã num galpão, assim como atores e autores reescrevendo cenas e frases todo o tempo, num trabalho infinito de criação frustrada, um moto-perpétuo que não encontra facilmente um sentido - seja em seu protagonista, seja no espectador.

Mesmo cometendo erros tanto por se dividir entre direção e roteiro - denotado principalmente no ritmo cansativo do longa, no excessivo aproveitamento de situações repetitivas -, o diretor de primeira viagem entrega um de seus longas mais complexos e difíceis, algo que, certamente, não se perderia com a contratação de um diretor mais experiente, como visto na concretização de seus roteiros anteriores. Mas, com certeza, não desmereço os créditos que Kaufman traz para a cinematografia contemporânea, com o delicado tratamento de seus personagens - sejam protagonistas ou coadjuvantes -, que, mesmo caminhando entre o incômodo e a apatia no convívio consigo mesmos e com a sociedade, guardam dentro de si algum encanto - características fundamentais de Craig Schwartz (Quero Ser...), Charlie Kaufman (Adaptação) e Joel Barish (Brilho Eterno...).

Mas onde se encontra o incômodo do filme? Justamente na apatia constante de seu protagonista. Seu olhar incessante ao redor de si mesmo. A frustração constante de não se encontrar ou se realizar no mundo. Sentimentos que todos carregamos e queremos afastar de nós mesmos, pois, assim, seria impossível conviver em sociedade. A frustração de ver um plano tão grandioso, que leva tanto tempo para ser construído ruir pelas próprias mãos de seu realizador são sensações fortes para o espectador. A autodestruição inconsciente força o espectador a rever suas atitudes, a tentar compreender que planos de sua vida se encontram dessa forma e que os motivos os levaram a se encontrar assim. A decepção consigo mesmo não encontra saída fácil.

Caden Cotard (Hoffman) enxerga e recria o mundo segundo sua percepção: vemos sua imagem nos desenhos animados na televisão, ouvimos a fictícia "história de vida" de sua filha na Europa, o despetalar da tatuagem de sua filha anos mais tarde, as faxinas no apartamento de sua ex-mulher, a casa em chamas de Hazel, a evolução de sua "doença" e de seu espírito pessimista. Para Caden, a vida só pode ser suportável se reconstruída ao seu modo, numa recorrência aos nossos anos existencialistas, que, mesmo procurando no progresso tecnológico e instrumental algum progresso, dificilmente o encontraria nas relações humanas, tão carentes de sentimentos positivos em relação a nós mesmos e nosso papel no mundo.

Mesmo que vivêssemos uma vida diferente da nossa ou com alguém guiando constantemente nossos passos através de um fone de ouvido, seria impossível de encontrar um rastro de felicidade. Embora o diretor teatral encontre alguém que o admira e o compreende como o ator que desempenha seu papel; ou tenha os conselhos de uma psicóloga interessada mais na auto-imagem do que em seus pacientes; ou se transforme em um outro personagem e, nele, encontre seu fim, não existe saída para a frustração além de ir de encontro a ela e, atravessando-a, superá-la. Cotard desejava compreender sua própria existência ao transpô-la para o palco como algo palpável visível e, talvez, definível.

A loucura da representação da realidade dentro de ficções e ficções ininterruptas no galpão leva o espectador à ânsia, à exaustão. Mas, para tentar compreendê-lo, é necessário, sim, atravessá-lo. Do mesmo modo que vivenciamos o máximo do luto, do divórcio, para dar início a uma nova vida, precisamos enfrentar nossa morte diária para reencontrar o prazer da vida.

27/07/2009

É possível o homem resistir à bárbarie? Marcas da Violência diz 'não'


No longa de David Cronenberg, - Marcas da Violência - Tom Stall é um pacato cidadão do interior dos EUA que administra tranquilamente sua família e uma pequena lanchonete na cidade - mesmo com o diretor pincelando excessivamente nessa carga de "perfeição" dessa família. No entanto, depois que dois sujeitos o enfrentam e ele impede o assalto e morte dos fregueses ao matar os dois, a mídia o expõe como herói da cidade.

Pouco tempo depois, inimigos do passado começam a revelar o passado negro do sujeito: Tom Stall, na verdade, foi Joey Cusack, assassino impiedoso, mercenário da pior qualidade. Ele, após fugir da Filadélfia, decidiu mudar de vida e personalidade, escondendo seu passado de todos na cidade, até da esposa. Quando o passado retorna, então, precisa lidar com esse antigo eu de volta ao seu corpo depois de três anos. A família passa a vê-lo e si mesma com outros olhos, a polícia suspeita de seus atos. A máscara, enfim, cai. Será que é possível fugir de nossos instintos? Ou, pior, será que é possível aderir a uma nova vida sem negar aquilo que fomos um dia?

O passado pode ser esquecido, mas não apagado. A família, ao final de tudo, decide suportá-lo. Talvez pela conveniência, talvez pelo amor. Mas, como atesta o filme, nada mais será como antes. Quando encontramos a frustração em alguém e percebemos sua humanidade, nossos olhos comunicam este sentimento. Mas também podem mostrar o perdão, a aceitação. Todos nós cometemos violência contra alguém, contra nós mesmos. É um dos nossos instrumentos de defesa.

Cronenberg transmite a honestidade e contundência de sua mensagem com seus planos fortes e sólidos e com um roteiro bem construído e imprevisível, que evita a exposição excessiva de sua personagem - deixando suas principais marcas na vida familiar. Esse sentimento foi bem capturado pelas interpretações de Viggo Mortensen e Maria Bello, que compõem com coragem e dedicação dois seres humanos passionais que transmitem uma idéia difícil de aceitar: "Nunca seremos imunes à barbárie, seja ela física ou psicológica. Mas o pior talvez seja ceder a ela."

25/07/2009

Harry Potter e o Enigma do Príncipe: Sobre a Confiança e a Perda


Como restaurar um coração partido? Como entregar seu amor e dedicação? Como ver seu esforço desprezado pela indiferença alheia? Alguns dos questinamentos que perpassam as desventuras de Harry Potter e o Enigma do Príncipe - dirigido pelo mesmo David Yates do longa anterior. No desenvolvimento bem arquitetado de seus personagens, o longa se mostra sólido e coeso, aperfeiçoando o tratamento dado ao relacionamento entre Hermione e Rony, Dumbledore e Severo, Tom Ridlle e Slughorn.

Estes relacionamentos nascem e crescem baseando-se em confiança, da mesma maneira que nós mesmo iniciamos os nossos. Entregamos nossa sinceridade e desejamos esse amor de volta, multiplicado. Mas, quando ocorre a decepção, como confiar de novo? Como levantar a cabeça e perdoar, deixar-se vulnerável novamente para que outras frustrações surjam e você perceba que, sim, ele é um ser humano, e, sim, é imperfeito como qualquer outro?

Hermione precisou aprender um pouco mais sobre a indiferença de Rony, mas, no fundo, percebe que ele a ama. Só não se deu conta deste sentimento ainda. Dumbledore sofreu a máxima consequência dessa entrega e decepção, deixando para trás um rastro de remorso em Severo. E Tom Riddle e Slughorn? O primeiro ainda ameaça a todos na figura do famigerado Voldemort, mas o segundo pôde confiar uma segunda vez em um aluno prodígio como seu antagonista: Harry Potter.

Perdoar é abrir-se para um novo horizonte mesmo estando no mesmo lugar. É deixar que as decepções surjam para criar novos aprendizados e gerar atitudes mais corretas e um relacionamento mais forte.

O ensinar e o aprender em Harry Potter e a Ordem da Fênix


Quem é capaz de ensinar? E quem se propõe a estar no lugar de aprendiz? Em Harry Potter e a Ordem da Fênix, estes papéis se invertem ao mostrar Harry ocupando, sim, o lugar de seus professores na trajetória educacional de seus amigos. Do mesmo modo que o longa atesta, a educação para a vida surge de uma prática constante, relacionada com uma teoria não-castradora que eleve o ser humano para os objetivos que deseja alcançar.

Parece fácil quando se escreve, mas essa educação informal ocorre o tempo todo, basta percebê-la e estar aberto para a (re)criação. Como repensar anos e anos de formalidades e burocracias quando se percebe em poucos instantes de projeção que aprendizado não se limita às quatro paredes de uma sala de aula, mas está nas ruas, nas palavras, nos olhares, nas pessoas. Da mesma maneira que um certo roedor chamado Ratatouille nos confronta - "Qualquer um pode cozinhar" -, esse longa nos mostra que qualquer pode ensinar. Nem todos podem tê-lo como dom ou vocação, mas todos desejam esse desejo de ser responsável pelo aprendizado de outra pessoa.

Talvez seja um dos modos com que pais, professores, avós sentem que cumpriram seu papel nesse mundo: quando transmitiram aquilo que viveram para outro ser humano e ver que esse trabalho frutificou. Pode parecer tolo ou fútil, mas os momentos em que Harry Potter ensinou seus amigos foram essenciais para sua auto-confiança, para que pudesse se sentir, enfim, responsável. Mais do que aprender, muitas vezes, o ensinar nos fortalece e nos guia para nossa verdadeira vocação.

A reificação do contato por A Garota Ideal


Em determinado momento do longa de Craig Gillespie - A Garota Ideal -, Lars recebe para Bianca, sua namorada (uma boneca encomendada por um site especializado em objetos eróticos), um vaso de flores entregue por uma senhora da igreja que ele freqüenta. Sua resposta? "Essas flores não são de verdade, Bianca. Elas vão durar para sempre." Da mesma maneira, podemos nos identificar com o relacionamento ideal que tanto Lars quanto nós procuramos: um relacionamento eterno, perfeito.

Quais as garantias de se obter um contato desse tipo? Com as coisas. Elas estão imunes a sentimentos, frustrações, incompletudes. Acreditamos ser perfeito um relacionamento desse tipo: quando não precisamos nos expor para conseguir um sentimento recíproco, quando não precisamos amar para receber em troca. Os inanimados não precisam retribuir. Como pensar em relacionamentos humanos perfeitos desse modo? Impossível, digo e provavelmente todos vocês repetirão. Lars, inconscientemente, aprende a se relacionar com as pessoas, a deixar que a "vida", a participação que os objetos têm na sua vida perca força e dê espaço para os relaiconamentos de verdade. Essa perfeição que enxergamos na relação com os objetos, na verdade, é a perfeição não que desejamos encontrar nos outros, mas em nós mesmos. As pessoas ao redor de Lars, mesmo que não o mencionem, também sentem-se desse modo. Tanto que, na tentativa de aproximar o rapaz solitário de seu convívio, acolhem sua "namorada" e a fazem participar de suas atividades para que o rapaz também o faça. Com o tempo, porém, a "moça" passa a fazer parte da vida de cada um deles, tornando-se o personagem mais querido, dno de uma personalidade quase palpável de tão presente. Bianca torna-se, desse modo, uma "garota real".

Graciosos, sinceros e corajosos. É como posso classificar a construção dramática tanto do roteiro de Nancy Oliver como da interpretação de Ryan Gosling, que nos transportam para o universo de Lars e nos fazem compreender sua situação, assim como todos ao seu redor. Viver uma mentira muitas vezes é um dos modos de nos fazer enxergar a verdade. Revelamo-nos mais quando tentamos nos enganar do que quando tentamos enganar aos outros.

Como, então, amadurecer? Quando tornar-se adulto para os relacionamentos? Nunca, atesta o longa. Pois nunca esquecemos nossas meninices e imaturidades. Afinal, são elas que nos fazem seguir em frente.

18/07/2009

Duro de Matar 2 e a Sociedade do Espetáculo


Sim, também me surpreendi ao decidir escrever após a experiência de assistir Duro de Matar 2, aventura de ação do começo dos anos 90 orquestrada por Renny Harlin e protagonizada por um ascendente Bruce Willis. Mas, ao observar as referências do longa ao espetáculo perpetuado pelas imagens da mídia, não pude ignorar um paradigma da própria sociedade dos anos noventa.

Os anos 90 presenciaram mudanças significativas no âmbito midiático, que se perpetuam e se extrapolam constantemente nos idos do novo milênio: a representação através das imagens. Explico-me: desde os primórdios da Humanidade, o homem procurava, sim, criar imagens para representar, figurar aquilo que era e o que podia ver. Com o tempo, a sofisticação e a evolução das técnicas pictóricas terminou levando às diversas escolas de pintura, escultura, passando pela fotografia, chegando ao cinema e a televisão, caracterizando, assim, a explosão de um dos instrumentos de comunicação humana: a imagem.

Nessa nova sociedade em que vivemos, a imagem registra o "real" ou aquilo que acreditamos que o seja, torna-se um meio através do qual acreditamos nos fatos que vivenciamos. As imagens terminam ganhando mais expressão e espaço quando se encontram na mídia, quando os comunicadores estampam nos telejornais e revistas fotos, sons e textos contendo tais informações. Isso é o que nos leva ao longa: num momento em que as telecomunicações dominavam o meio militar e os centros tecnológicos, a população pouco conhecimento tinha sobre essas evoluções. John McClane representa essa sociedade pouco adepta das novas tecnologias, mas que precisa entrar em contato com ela para esclarecer os olhares obscuros sobre um possível atentado num aeroporto novaiorquino.

Num momento em que a Guerra do Golfo principiava uma batalha cuja presença da mídia interfere através do olhar imediato dos espectadores, tornando-se assim, uma "guerra na televisão", percebe-se o quanto essa presença transbordante das imagens influencia nosso cotidiano, nossa maneira de observar e receber a "realidade". Nesse bloco difuso de (in) definições, reina a Sociedade do Espetáculo - conhecida através do livro homônimo de Guy Debord-, em que se discute uma sociedade em que o "real" passa a ser legitimado pelo espetáculo, pelo que está registrado na mídia. Hoje, para que algo ou alguém possa ser considerado "existente", deve estar presente na rede de buscas Google, ter alguma imagem no MySpace, possuir um video no Youtube.

No longa, questionava-se o papel dessa mídia intrusiva, que ora auxilia o herói na sua empreitada ora atrapalha o desenrolar dos fatos. Imagine a criticidade do subtexto do filme num mundo globalizado e digitalizado como esse novo milênio, onde cada fato vulgar da vida de qualquer pessoa já é pensado para ir direto para a rede. Vivemos numa sociedade permeada pelas imagens, sim. Nesse instante, desumanizamo-nos para aderir a uma imagem, a um perfil imagético que, abstratamente, diz tudo o que é preciso saber sobre nossa personalidade.

A mídia de grande circulação pode ter sido a maior vilã dos anos 80 e 90 nos discursos contra essa sociedade do espetáculo, mas creio que, nesses novos tempos, encontramos essa "vilania" em nós memsos. Desejamos tanto ser aceitos por essa sociedade que nos submetemos a essa auto-representação através da mídia, ao invés de perceber a beleza e o poder de uma boa conversa tête-a-tête.

13/07/2009

Razão X Emoção. Quem vê o caminho do meio? O Equilibrista.


Toda a vida, somos guiados por duas retas - podemos chamá-las RAZÃO e EMOÇÃO - que na maior parte do tempo, podem ser paralelas ou confluir para um mesmo ponto, mas também se dissociar por estradas totalmente díspares. Mas o que fazer quando o desejo toma o sono, fazendo da nossa existência mero motivo para o cumprimento dessa ânsia?

Phillipe Petit, protagonista do documentário O Equilibrista, parece deixar que sua impulsividade o (des) controle. Mas não. O que o artista possui não é um desejo louco e impulsivo, mas uma meta pela qual ele batalhou arduamente, com racionalidade e (perdão pelo trocadilho) equilíbrio: atravessar as Torres Gêmeas por um fio. Com a ajuda de seus companheiros, ele possuía esse sonho desde quando soube da idéia de se construir as torres. Passou por outros monumentos - a Notre Dame, entre eles -, mas não se dava por satisfeito. Morando nos EUA, convocou seus amigos para o ajudarem na empreitada, trabalhando clandestinamente para montar os equipamentos.

Depois de anos de trabalho, finalmente o cumpriu. Atravessou as torres. Algo que as pessoas estranham, pois não há razão para fazê-lo. Não se passa nenhuma mensagem mais direta com essa intervenção. A não ser a nossa união pela vida de alguém. Talvez não exista algo que nos una mais que esse importar-se com a vida alheia. Ver Phillipe enfrentando perigos para cumprir seu objetivo emociona as pessoas, pois todos nós temos objetivos sonhos a realizar. E nos felicitamos quando alguém se supera, pois isso nos inspira a seguir em frente.

Por trás da aparente loucura do equilibrista, há tanto sentimento quanto racionalidade, mas ainda assim, seu objetivo se cumpriu: emocionar seus espectadores, fazer com que se importassem com sua vida e, de certa forma, com suas próprias.