09/03/2010

A imprevisibilidade do ponto de vista em O Desinformante


Steven Soderbegh compõe um cenário com charme atemporal no longa O Desinformante, estrelado por Matt Damon e Scott Bakula, que conta a história real de Mark Whitacre, um funcionário de uma grande empresa norte-americana, que decide, após ser ameaçado por uma falha no seu ofício, fornecer informações confidenciais aos agentes federais, com a ânsia de se proteger de possíveis retaliações que venha a sofrer.

Resgatando um clima setentista à la James Bond em cenários, figurinos, trilha sonora, Soderbergh surpreende constantemente seu espectador ao criar múltiplos pontos de vista, mas não divididos em vários personagens, mas com a mesma personagem: o próprio Whitacre. O narrador, no gênero épico, é aquele em que o espectador confia para trazer às informações completas, aquelas que não podem ser fornecidas plenamente através das imagens e dos diálogos. No entanto, com o decorrer da narrativa, o espectador desconfia do próprio Whitacre, decompondo o protagonista clássico dos filmes de espionagem. O alvo deixa de ser aquele de quem se fala, mas quem fala. Da mesma maneira que o FBI não confia mais nas informações trazidas pela testemunha, o espectador se diverte com as reviravoltas no caso Whitacre, quando ele passa a se tornar suspeito de fraude nas informações que tem passado.

Matt Damon compõe uma protagonista à beira do desequilíbrio entre a confiança nas informações que expõe e o desespero pelas consequências que se seguirão após atravessar esse limiar, enquanto que Scott Bakula, Melanie Linskey e todo o elenco trazem à tona o equilíbrio entre a crença e a desconfiança nos depoimentos contagiantes de Whitacre. Dentro deste cenário, vemos não uma fábula sobre autoconfiança e ou um retrato amargo sobre o distúrbio bipolar, mas uma simbiose entre ambos, entre o que pode ser real ou ficcional, como atesta a cartela no início do longa: "Embora este filme seja baseado em fatos reais, alguns incidentes e personagens foram adaptados e diálogos, dramatizados. Então...". A partir dessa sentença, Soderbergh diz o aparentemente óbvio: não acredite muito no que verá adiante. Essa é a magia da tela de cinema: ter a possibilidade de suspender por algumas horas o compromisso com o real, com o fato, a possibilidade de exercer por alguns momentos o colocar-se diante de um ponto de vista. No caso, o ponto de vista de Whitacre, por mais imprevisível e até improvável que ele possa ser.