15/10/2009

Do Oculto em Felicidade


Vivemos em eterna busca pela perfeição - seja física, espiritual, emocional, profissional. Encontramos no caminho talvez nosso maior adversário: nós mesmos. No longa Felicidade, escrito e dirigido por Todd Solondz - um dos autores mais incômodos e sádicos do atual cinema norte-americano -, encontramos um elenco perfeito - destaque para Jane Adams, Philip Seymour Hoffman, Dylan Baker, Lara Flynn Boyle, Louise Lasser e Camryn Manheim - que retrata um apodrecido american way of life, mas que ainda conserva a aparência saudavel.

Ao revelar feridas tão profundas do inconsciente coletivo da população estadunidense, Solondz consegue, ao mesmo tempo, universalizá-las, fazendo com que nos identifiquemos com estas pessoas patéticas, pervertidas, mas, acima de tudo, incompreendidas. Seja na esposa que não consegue ouvir da atendente as perguntas prosaicas para preenchimento de cadastro - por ter de admitir que se mudará sem marido ou filhos, mas sozinha num quarto de condomínio - seja no psicanalista pedófilo que confessa ao filho os atos sexuais cometidos por ele em seus amigos de colégio. Os subúrbios assépticos onde residem pretendem, mas, em certos momentos, não conseguem ocultar suas inseguranças, medos, imperfeições. Nessas amplas feridas escancaradas, Solondz nos convida a sorrir de nós mesmos, mas, ao mesmo tempo, chorar por se ver naquelas situações. Sentimo-nos feios, gordos, incapazes, abusados, desviados de um propósito maior, que talvez nos orientasse por onde ir e nos limitamos a buscar a miudeza das vidinhas que aprendemos a levar a tiracolo.

No quarentão solitário que deseja a vizinha, na professora que se deixa levar pela carência, no garoto que procura seu primeiro orgasmo, na esposa irritantemente feliz... Nestes personagens, expõem-se muitas de nossas chagas emocionais, expostas como num mostruário, onde podemos rir e dizer que não somos assim, onde podemos dizer que somos perfeitos e não olhar para dentro, onde podemos seguir em frente e procurar por uma felicidade palpável e, por isso mesmo, destrutível. Escondemo-nos de nós mesmos a fim de rejeitar uma visão de quem nos conhece melhor do que qualquer outra pessoa: como nos ver tão preenchidos com atitudes e pensamentos que gostaríamos de enterrar e esquecer, mas precisar viver normalmente em casa, no trabalho, nas ruas?

Por um Sentido na Vida: Da Incapacidade de Recomeçar



Durante todo o longa de Miguel Arteta e em certo momento em particular, Justine Last vive um momento de profundo egoísmo e infelicidade: diante de uma encruzilhada entre a vida monótona e infeliz com que se acostumou e o preenchimento infinito de possibilidades que uma nova vida lhe traria, opta por trair a si mesma e permite deliberadamente que o imaturo Holden, seu amigo e amante, padeça diante dos próprios infortúnios.

Com um roteiro que harmoniza diversos sentimentos com sabedoria e conquista o espectador com o seu crescente emocional, Por um Sentido na vida nos entrega uma Jennifer Aniston que beira a perfeição ao exibir a dúvida, o patético, a paixão de sua heróina. De esposa irritada e infeliz no trabalho, Justine nos encaminha para sua jornada de adultério, mentira e chantagem, que, ao final, se mostram como mais uma história de aventura em meio ao moto perpétuo da loja de conveniências onde trabalha no setor de cosméticos.

Mesmo desejando que nossa heróina devastasse tudo o que tinha construído junto com o marido maconheiro e preguiçoso Phil em busca de um oceano de emoções que viria com sua jornada ao lado de Holden, constatamos sem réplicas que, provavelmente, tomaríamos a mesma decisão: recomeçar requer esse desprendimento de nós mesmos, necessita negar tudo o que acreditamos, ignorar tudo o que amamos e desejamos algum dia a fim de partir para esse novo mundo. Mas, como negar tudo o que fomos um dia? Como reconhecer que suas próprias escolhas nos encaminharam por um rumo de infelicidade e incompreensão?

Justine não consegue. Quem é essa heroína? Aquela que nos inspira ou que nos retrata?

13/10/2009

Insignificantemente: Sideways e o vazio do homem comum


Ao conhecer Miles e Jack, a princípio podemos pensar em dois fracassados que colhem o que semearam numa vida de passividade e desprezo pelo iminente matrimônio, respectivamente. Mas Alexander Payne, um dos maiores autores do cinema norte-americano atual, nos revela um intenso carinho com suas protagonistas - seja o aposentado Schmidt (As Confissões de Schmidt) ou o professor sem perspectiva McAllister (Eleição) -, deixando que seu carisma nos tornem empáticos até com suas atitudes mais aparentemente absurdas.

Com este longa, Payne nos faz mergulhar em uma história simples, mas que, com roteiro e elenco perfeitos, consegue nos fisgar e emocionar com as situações mais honestas que o cinema poderia nos trazer. Miles e Jack - o primeiro, um professor que fracassa na ainda emergente carreira de escritor; o segundo, ator de novelas prestes a casar que trai a noiva no decurso da viagem - trazem duas pessoas que sintetizam um perfil do homem moderno: dividido entre a insegurança e a temos ao iniciar uma nova vida.

Miles coleciona "nãos" das editoras para seu primeiro livro e ainda se sente ressentido e deprimido com o fim do primeiro casamento, refletindo sobre a possibilidade de começar de novo: em uma nova profissão, com uma nova mulher. A insegurança de entrar em um novo relacionamento sem ter a certeza de que se consumará e o sentimento de fracasso profissional permeiam o protagonista até levá-lo a consciência de que essa certeza nunca vai existir. Como lidar com a diferença entre o que projetamos e o que de fato acontece nas nossas vidas? Como juntar os cacos e seguir em frente para construir um novo vaso, com mãos calejadas e um barro desconhecido? Enquanto isso, Jack encara com pesar a iminência do casamento: a sensação de aprisionamento e distanciamento emocional o corroem, fazendo-o se envolver superficialmente com as mulheres que encontra. Temendo a exposição emocional a que estará se dispondo com o casamento e possibilidade do fracasso, isola-se em seu caverna e teme quem se aproxima, mesmo afirmando amá-lo.

Ambos são as duas faces de um mesmo homem: inseguro, passivo emocionalmente e temeroso com um iminente fracasso. Assim foi com McAllister - que fraudou a eleição para que Tracy Flick não o sobrepusesse numa carreira ascendente - e Schmidt - que impediu a todo custo o casamento da filha, desejando tê-la ainda ao seu lado. Todos com um sentimento de insignificência em meio a um novo mundo que os atropela sem deixar vestígios.