11/02/2012

Fincher X Oplev - Os homens que não amavam as mulheres






Não costumo fazer postagens muito grandes, mas essa experiência me chamou atenção. Adaptações de obras literárias, teatrais ou similares para outra linguagem sempre requer bastante dedicação e desprendimento para, ao mesmo tempo, agradar e abstrair os anseios dos fãs mais ardorosos de uma determinada obra. Cineastas do quilate já cometeram grandes erros – como em O Caçador de Pipas e 127 Horas - e acertos inquestionáveis – O Senhor dos Anéis e O Poderoso Chefão. E algumas obras, como esta sobre a qual versarei, ganham dois diretores com experiências e visões diferentes -  caso de Stieg Larsson e o primeiro filme de sua trilogia Millenium – Os homens que não amavam as mulheres. Nesta postagem, tentarei estabelecer uma comparação entre o trabalho desenvolvido pelos dois diretores a partir do mesmo trabalho, para tentar compreender como a adaptação de texto por um roteirista e a visão do diretor contribuem para transportar uma obra com eficiência para as telas.

Antes de tudo, o enredo: a história acontece na Suécia, em que o jornalista Mikael Blomkvist está recebendo os revezes por ter acusado um grande empresário de crimes sem ter conseguido provar e, subitamente, recebe o convite para investigar um caso que se dava como perdido na cidade de Hedestad. Em 1966, Harriet Vanger, jovem herdeira de um império industrial, some sem deixar vestígios. No dia de seu desaparecimento, fechara-se o acesso à ilha onde ela e diversos membros de sua extensa família se encontravam. Desde então, a cada ano, Henrik Vanger, o velho patriarca do clã, recebe uma flor emoldurada, em seu aniversário - o mesmo presente que Harriet lhe dava, até desaparecer. Henrik está convencido de que ela foi assassinada por um de seus parentes, por ganância pelo fato de ela ser a possível herdeira de todo o império industrial de Henrik.

Atenção: a partir deste trecho, existem revelações sobre o enredo.




Ao assistir aos dois filmes no mesmo dia, pude perceber evidências que tornam o saldo de Fincher mais positivo em relação à visão de Oplev, incrementando detalhes que fazem a diferença. No quesito roteiro, no filme de Fincher, Steven Zaillian concebe equilibrar vários aspectos que, no filme sueco, terminam se perdendo: as personagens Erika Berger, Dirch Frode, a filha de Mikael e o núcleo familiar dos Vanger ganham maior relevância e uma evidência melhor desempenhada. Isso, no filme sueco se perde, pois Erika aparece somente no início do filme, Dirch Frode não é retomado depois que apresenta Mikael e Henrik, a filha aparece sucessivas vezes depois da cena da festa de Natal e a família Vanger é apresentada rapidamente com uma sequência de fotos e uma lista de nomes jamais decorada pelo espectador. Outro quesito importante o filme de Fincher é a clareza do seu desenvolvimento, podemos destrinchar algumas cenas para melhor argumentar meu posicionamento:

  • A abertura de Fincher já ganha o espectador de cara pelo visual clipeiro e modernoso que enfatiza seu lado designer.
  • A relação entre Mikael, Erika e o affair que destruiu o casamento dele é explicitada, algo que, no sueco, fica tão subliminar que não se entende.
  • O relacionamento entre Lisbeth e seu antigo tutor fica mais clara: no filme americano, ela o socorre no seu derrame, enquanto que, no sueco, essa relação não aparece por que ela recebe a notícia pelo telefone e não reage com tanta veemência à mesma.
  • A explicação de Henrik sobre o que acontecia no dia do desaparecimento de Harriet: no filme sueco, é uma longa explicação envolvendo o acidente, o desfile e as pessoas envolvidas, enquanto que, no americano, Fincher usa flashbacks que fixam melhor na mente do público estes eventos.
  • A fórmula para Henrik convencer Mikael é bem mais eficiente: enquanto que, no sueco, Oplev investia em uma relação entre o jornalista e Harriet como se ela fosse babá dele, Fincher simplifica, expondo que Henrik possui revelações importantes sobre Wennerström, o que, claro, interessaria e muito a Mikael. Essa solução, ao mesmo tempo, não deixa Wennerström avulso na trama, como acontece no sueco.
  • O modo como Lisbeth e Mikael aparecem um na vida do outro é mais lógico: mesmo que Mikael procure Lisbeth para ajudá-lo em um aspecto da investigação – como no filme de Fincher - do que ela lhe mande um e-mail que lhe dá certas informações e, depois, recuse-se a recebê-lo quando ele lhe procura.
  • A exposição da descoberta das garotas mortas: enquanto Oplev destrincha cada vítima uma a uma, descobrindo as citações que se relacionam a elas aos poucos, o filme americano faz isso brevemente, ganhando ritmo e dinamicidade em seu desenvolvimento.
  • A apresentação da infância de Lisbeth, ao invés dos flashbacks desnecessários do filme sueco, ganha uma confissão sussurrada de Rooney Mara no filme de Fincher, o que evolui o desenvolvimento da relação entre os personagens ao mesmo tempo que transmite a informação necessária.
  • A relação entre Lisbeth e Mikael fica mais clara, principalmente, no final do filme, em que Fincher consegue criar uma relação de fato humana e de amizade entre o rapaz e a moça e capturar toda a decepção dela em vê-lo nos braços de Erika ao final do filme, encerrando o longa com um nó no estômago.
  • Além dessas cenas, temos outros acertos do longa de Fincher: a apresentação de Mikael – por meio de uma reportagem em uma TV de lanchonete – e da família Vanger – com Henrik mencionando cada um e apontando suas casas –; o velho Harald deixa de ser um simples despiste de suspeita no filme sueco para ser um velho nazi até simpático; as visitas que Lisbeth faz no asilo serem ao pai, não à mãe, pois criamos a relação de violência que ela lhe fez e sentimos a dor dessa relação.

Mas nem só de acertos vivem ambos os filmes, pois podemos apontar algumas falhas que existem tanto em um como em outro:

  • O personagem do tutor postiço de Lisbeth desaparece da trama depois da sessão de tortura que ela infringe sobre ele, ganhando um pouco mais de espaço no longa de Fincher do que no de Oplev, mas faz falta na narrativa.
  • O jeito de Fincher exibir Mikael descobrindo que os nomes e números anotados por Harriet são citações bíblicas: sua filha que participa de Estudos Bíblicos afirma que são citações. É difícil imaginar uma adolescente que, mesmo que lesse a bíblia diariamente, olharia os nomes e números e deduziria rapidamente que seriam passagens bíblicas. No sueco, este aspecto se resolve melhor: esta informação é descoberta por Lisbeth, uma investigadora bastante eficiente para estabelecer esse tipo de relação.
  • A maneira como ambos expõem que Harriet está vivendo sob o nome de Anita: no sueco, um hacker amigo de Lisbeth afirma que existem duas Anita Vanger – o que seria um erro para quem não gostaria de ser descoberto, sendo ideal uma troca completa de nome –; enquanto que, no americano, acontece em uma explicação confusa demais para ser entendida de primeira.

Depois de toda essa experiência, meu voto vai mesmo para Fincher, já que ele conseguiu transpor com maior transparência e equilíbrio a obra de Larsson para as telas.

4 comentários:

  1. Uma dica: leia o livro.

    Abraços!

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  2. David conseguiu ser primoroso, amei a Lisbeth da Rooney, mas prefiro a Noomi Rapace, se ela tivesse a oportunidade de preparação que a Rooney teve, ninguém iria segurá-la.

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    1. Elton Rodrigues11/02/2012, 21:00

      Concordo com você~. Para mim, são duas personagens diferentes. Isso pode ser um pouco explicado pelo título em inglês: "A garota com a tatuagem de dragão".
      Tenho a impressão de que domesticaram um pouco a Lisbeth, para torná-la mais fácil de engolir. Quem viu a versão sueca e/ou leu o livro sabe que ela é realmente um pé no saco. Mas é isos que dá charme à personagem. rsrsrs

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  3. Elton Rodrigues11/02/2012, 20:57

    Há controvérsias. KKKKKKKKKKKKK.
    Mas eu vou assistir o filme americano de novo, pois o sueco devo ter visto umas dez vezes!!
    O que mais me faz falta na versão americana é impacto.
    As cenas como o estupro, o personagem Bjurman (tutor escroto), o impacto da revelaçãod e quem é um assassino e o golpe de Lisbeth.
    Nesses aspectos, o sueco dá de dez!!

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