27/04/2009

Os conflitos do pragmatismo em TheLastNote.com


O cinema pernambucano encontra em Leo Falcão um exemplar diferenciado de representação da identidade nordestina, traduzido de maneira interessante em thelastnote.com, curta-metragem realizado em 2003 que conta com as atuações de Gustavo Falcão e Lázaro Ramos. Com roteiro do próprio Falcão, foi premiado no Cine PE pela trilha sonora assinada por DJ Dolores.

Centrado na história de Collodi, usuário de um site especializado em suicídios, e Lázaro, o criador e funcionário do site, o curta TheLastNote.com tece uma crítica universal sobre a desumanização da sociedade ante a maquinaria digital, que oferece todos os serviços que um indivíduo pode imaginar, ignorando as conseqüências morais e éticas de suas ações. Trazendo à tona o cinismo típico dos anos 90, Falcão traz questionamentos feitos por um homem que resida em Pernambuco, na Europa ou no Japão, o que torna sua obra perfeitamente compreensível e passível de identificação em qualquer destes lugares, o que o destaca da maioria dos cineastas pernambucanos. Enquanto a maioria destes opta por localizar e trazer o povo pernambucano em sua essência mais explícita e óbvia, Falcão a dilui, aderindo a um cinema que se espelha na estética hollywoodiana. Essa perda da identidade pernambucana devido aos meios globalizantes de comunicação se transpõe para a realidade fílmica por meio de uma “crise na representação” - que está diretamente ligada à destruição dos referenciais que, durante a Modernidade, norteavam a criação e análise de obras de arte.

A globalização e o individualismo inerentes ao mundo pós-moderno são inspiração clara para o conteúdo e a forma do curta. Ambos os personagens representam os dois lados conflituosos tanto da mente humana como da sociedade: RAZÃO X EMOÇÃO. Lázaro se adequa à sociedade que o construiu: impessoal, pragmática, homem que busca a competência na maneira de cumprir suas obrigações antes da realização pessoal; ao contrário de Collodi, que representa o que ainda resta de humanidade nesta outra face da moeda: inseguro, indeciso, humano. O clímax deste conflito se estende no telhado de Collodi, onde ele ainda pretende fazer parte da vida das pessoas mesmo que precise morrer para isso. Ele tem a pretensão – ao mesmo tempo egoísta e altruísta – de mudar a percepção das pessoas sobre a vida e a morte.

O filme encerra, de maneira irônica, a jornada de Collodi e Lázaro, levando a crer que questões existenciais como vida e morte não encontram mais o mesmo espaço que tinham na Modernidade. A realidade além das duas protagonistas não ganha grandes mudanças após sua morte, da mesma maneira com o espectador, que apenas acompanha o início de tudo: o anúncio do site proposto por Lázaro.

Mas será que o caráter múltiplo, policultural e hiperinformacional da pós-Modernidade influenciaram de maneira positiva o cinema de Falcão ao observarmos que ele eleva o perfil do pernambucano e o torna universal? Ou é possível também verificar nesta maneira de representação um meio de apagar os rastros de identidade do pernambucano nesta idealização desfocada no tempo, espaço, ação e personagens? Ambas as resoluções têm pontos positivos e negativos, mas para Pernambuco creio ser mais válido um cinema que possa espelhar o povo que produz e reproduz essa cultura e não está ligado às formas homogêneas de realizar cinema no exterior ou no próprio Brasil. Afinal, como atestam os pós-modernistas, “todos os discursos são válidos”.

Obs.: Resenha escrita para a disciplina de Cultura Nordestina - Cinema Pernambucano - 2007.2, ministrada pela mestranda Amanda Mansur.

18/04/2009

Os silêncios de King Kong


Amor. Que limites ele poderia transgredir? Da classe? Da idade? Da raça? Do gênero? Na aventura romântico-fantástica King Kong, Peter Jackson o faz ultrapassar a barreira da própria espécie, trazendo a afeição de uma mulher por um primata gigante.

Em viagem a uma ilha que guarda os mistérios da civilização humana e mantém criaturas como dinossauros e insetos gigantes, Jack Driscoll, Ann Darrow e Carl Denham planejam montar um longa-metragem de aventura, tendo como vilão o gorila de sete metros de altura. Inicialmente temerosa pela perigo que corre - principalmente, por ser utilizada como oferenda em sacrifício ao Kong pelos nativos da ilha -, Darrow, surpreendendo a si mesma, se afeiçoa ao cultuado animal. Aprende a enxergar por trás da aparência grotesca e de sua selvageria, percebendo como a mente daquela criatura funciona e permitindo ser cativada por suas risadas e trapalhadas.

Jackson constrói suas protagonistas com cuidado, deixando que o espectador se identifique com eles e preencha os silêncios de suas vozes com pensamentos que nós mesmos teríamos diante daquela situação. Enxergar pelos olhos e atitudes de Kong possibilitam um esvaziar-se de si mesmo e revelam atitudes que palavra nenhuma poderia definir e, por consequência, limitar. Seus silêncios o tornam mais racional e humano que muitos homo sapiens que acreditam ser o centro do universo. Sua morte, dolorosa para quem a acompanhou e se sentiu cativado pela presença de espírito daquele primata.

Ps.: Já tinha visto esse filme antes, mas, revendo, me deu uma grande vontade de escrever sobre ele.

Valorizando os sacrifícios em As Bicicletas de Belleville


Todo herói realiza sacrifícios para o cumprimento de sua jornada. Mas poucos são os heróis cuja realização está no bem-estar do outro, negando, muitas vezes, a própria existência em prol da felicidade do outro.

Madame Souza, nossa heroína em As Bicicletas de Belleville, cumpre esse papel com louvor, entregando o sentido de sua vida na felicidade de seu neto Champion. Inicialmente um garoto melancólico e infeliz - que mal percebe a existência de sua avó -, Champion encontra sua realização numa bicicleta dada por Souza. Desde então, ela vem ajudando o garoto a se tornar o campeão da Tour de France, acompanhando-o nas corridas diárias, cuidando de sua saúde. As dificuldades começam quando ele é sequestrado por mafiosos, que montam um esquema de apostas clandestinas que exploram o desejo de outros ciclistas como ele.

O diretor Sylvain Chomet constrói uma fábula que critica a obsessão capitalista que leva à criminalidade em favor do amor maternal que essa avó mantém por esse ente querido. Levando em consideração os elementos de que ele se utiliza para essa construção (narrativos, imagéticos e sonoros), pode-se ainda inferir que sua crítica resvala exatamente nos Estados Unidos - de onde vem a influência da máfia, da trilha sonora noir que os caracteriza, além da invasão capitalista que promovem.

Mesmo com todos esses elementos confluindo para que sua idéia torne-se clara para o espectador, Chomet ainda dá espaço para a emoção surgir subliminarmente: ao final do longa, aquele garoto melancólico que talvez nem percebesse a existência de sua avó, finalmente lhe dá ouvidos, respondendo com carinho uma de suas perguntas. Quantos sacrifícios nossos pais já fizeram? E quanto ainda viveremos esquecendo tudo isso?

13/04/2009

A decadência da Modernidade em Todos os Homens do Presidente


Num escândalo como o ocorrido no arrombamento da sede do partido democrata pelo então presidente estadunidense Richard Nixon, o interesse por diversas versões de uma história torna-se incessante e até cansativo. Mas, diante da emergência daquela situação no campo jornalístico investigativo, Carl Bernstein e Bob Woodward - protagonistas de Todos os Homens do Presidente - não pestanejaram na busca pela verdade neste intrincado jogo de interesses políticos.

Nessa produção, o ponto de vista dos dois repórteres surge como principal motivo de interesse para o longa. Alan J. Pakula não conduz seu longa como uma verdade impessoal e absoluta, mas nessa impossibilidade perante um ideário em que os objetivos da Modernidade se apresentam desiludidos. Enxergamos a história do Watergate pelo "nosso" ponto de vista, de pessoas comuns que desejam se esclarecer a respeito da vida política e exercê-la com autoridade, investigando e perguntando às pessoas que participaram do referido evento.

Diante dessa decadência da Modernidade, a busca por uma razão una e absoluta não faz parte do cotidiano pós-moderno dos indivíduos. Essa foi a versão de Woodward e Bernstein. Qual seria a de Nixon? Resta a outros autores a identificação com esse ponto de vista.

11/04/2009

A (des)esperança em Edifício Master


Há uma galeria de pessoas em Edifício Master. Não enxergamos tipos, mas pessoas de verdade. Atuando diante da câmera, é verdade. Mas que, ao nos demonstrar suas personagens, revelam muito mais sobre si mesmas do que poderiam imaginar.

As partes que compõem esse edifício surgem tranquilas, enérgicas, nostálgicas, esperançosas. Em meio a reminiscências de um passado que não retorna ou um desprezo pelo passado do próprio lugar onde residem, encontramos somente uma face da esperança. O último depoimento do longa nos mostra a vida uma garota que se mudou há pouco tempo para o prédio e, por mais que fale sobre as dificuldades de se aprender a morar só, demonstra mais alegria e satisfação do que muitos que procuram escancará-la com atitudes espevitadas ou sorrisos em excesso.

Será que aquela garota perderá esse rosto que deseja os anos todos que ainda tem pela frente? Talvez, com o tempo, apareça nela a fisionomia dos outros: do cansaço, da solidão, da morte que se aproxima em contagem regressiva, junto com a decadência da ilusão de que um dia seriam felizes. Ver Edifício Master em retrospecto, remontando-o na ordem inversa, traz essa sensação de que há uma angústia que o ronda. Seria esse mesmo o nosso destino? Ou podemos lutar contra essa desesperança com uma dose de ingenuidade e otimismo?