03/02/2013

O Mestre - Pertencer através da fé?

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No texto sobre As Aventuras de Pi, tratei um pouco das relações que Ang Lee traz em seu filme sobre a fé que o personagem Pi desenvolve durante sua jornada com Richard Parker. Interessante como Paul Thomas Anderson, em seu O Mestre (2012) estabelece conexões que complexificam a relação do homem com o que ele “acredita ser fé”. Digo acredito justamente porque Freddie Quell (personagem de Joaquin Phoenix) parece procurar mais uma sensação de pertencimento a uma causa que lhe tire de sua vida “desregrada”, uma meta maior do que seu egoísmo, sua raiva do mundo.

Enquanto que Pi defende certa suspensão da racionalidade para que os sujeitos comecem a expandir seus horizontes para o que está além do visível, o discurso deste longa favorece mais a ideia de tomar consciência de si mesmo para tomar o controle sobre sua vida. De que forma PTA faz isso? Vamos á narrativa: Freddie Quell é um marinheiro que, depois que termina a Segunda Guerra Mundial, tenta reconstruir sua vida. Traumatizado por sua experiência no campo de batalha, ele sofre com ataques de ansiedade e violência e não controla seus impulsos sexuais. Em uma de suas atitudes imprevisíveis, ele conhece Lancaster Dodd (Phillip Seymour Hoffman), o líder carismático de uma organização religiosa, chamada A Causa. Aos poucos, ele começa a se envolver com o sujeito, tornando-o o seu mentor e centrando suas escolhas nas ideias de vidas passadas, cura espiritual e controle de si mesmo que Dodd tenta fazê-lo compreender. Aos poucos, Freddie passa a depender cada vez mais deste estilo de vida e das ideias de seu Mestre, tornando seu pertencimento àquele grupo quase uma obsessão.

Relacionando esta sinopse básica com alguns dos filmes anteriores de PTA, por exemplo, em Boogie Nights, Sangue Negro e Jogada de Risco, temos este sujeito meio que deseja pertencer a um status – seja o cinema pornô, a riqueza pelo petrôleo ou o mundo da jogatina – e tem um mentor para ajudá-lo a alcançar este status – Dirk Diggler tem Jack Horner; John tem Sydney; e Daniel Plainview tem a si mesmo, já que planeja ser um ser isolado do mundo. Se, para a sociedade, Quell representa tudo que é emocional, anárquico e animalesco, Dodd representa tudo de virtuoso, aqueles que nos regram, nos podam, nos limitam e, enfim, procuram nos anular para que vivamos “pacificamente” uns com os outros. Todos estes personagens supracitados precisaram de mentores que os ajudassem a alcançar seus objetivos de pertencer àquela causa citada anteriormente, mas, com Freddie, isto se torna quase uma obsessão inquestionada, já que ele deseja fazer parte de algo que dome seu id, representando vários daqueles fieis que, de forma inconsciente, começam a procurar diversos modos de seguir as regras de conduta, ter as experiências que o Mestre tenta lhes fazer atravessar, mas não param para refletir a relevância daquela experiência para sua própria vida.

Dodd, na verdade, quando fala que deseja que todos aqueles fieis tenham controle sobre si mesmos, cai na falácia – proposital, diga-se de passagem - de fazer todos eles dependentes de seu discurso, controlando a todos através de suas palavras, de suas estratégias de aprisionamento. Mas como os fieis encontram-se deveras envolvidos por esta atmosfera emocional em que existe pouco espaço para explicações racionais, não conseguem se desvencilhar da crença que seu Mestre propala com tanta veemência e crença absoluta. O mais assustador em Dodd é que ele não crê em uma causa maior do que a si mesmo, mas crê em sua própria causa e faz com que os outros creiam nela com tanta ou maior devoção do que si. Mesmo que tenha feito relações com a Cientologia neste longa, estas conexões podem facilmente ser estendidas a quaisquer religiões, principalmente as cristãs neopentecostais, em que o carisma tem trazido mais fieis do que a fé em si.

Com uma elegância habitual nos seus filmes, ele deixa o dinamismo de Boogie Nights e Magnólia de lado para investir na câmera focada nos personagens como em Sangue Negro. Seus personagens parecem estar vivos diante do público, tendo Joaquin Phoenix à frente da densidade com que Hoffmann e Adams complementam essa jornada rumo a si mesmo. A trilha sonora de Jonny Greenwood incomoda com seus acordes e dissonâncias como em Sangue Negro, a fotografia clara e suja de Mihai Malaimare Jr traz texturas mais humanas aos personagens e a direção de arte que caracteriza bem o período histórico e os tons claros que escondem a crueldade e paixão de seus protagonistas. Todos estes elementos contribuem para fazer deste longa obrigatório para discutir o poder das religiões neste novo século, já que, quando as escolhas individuais começam a parecer mais claras e não precisamos mais depender das coletivas, começo a me questionar quais seriam as minhas causas, que escolhas e de que modo elas me conectam com o que acredito ser eterno, sem deixar de me conduzir pelo efêmero.

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