16/03/2011

Corpos Ardentes e a releitura do noir


Jazz. Homens solitários. Femme Fatales. O gênero – ou estilo - noir, emerso da literatura do início do século XX, teve seu auge no cinema norte-americano dos anos 40, tratando de seres deslocados habitantes de uma cidade e de uma sociedade decadentes. Em Corpos Ardentes (Body Heat, 1981), Lawrence Kasdan constrói uma releitura dramática deste gênero – tratado como neo-noir - ao compor uma trama de mistério e crime que alimenta a sensualidade pulsante de seus personagens.

Iniciando o longo com sucessivas fusões entre os meandros de um corpo feminino e imagens de vapores avermelhados com o acompanhamento do leve e sensual sax de John Barry, o espectador conhece a trajetória de Ned Racine (William Hurt), advogado do estado da Flórida que não consegue se encaixar em nenhum relacionamento de maneira profunda, até encontrar Matty Walker, mulher sensualíssima que logo chama a atenção do solitário homem, mostrado através de cenas em que os diálogos cortantes e sensuais tonificam a narrativa. Começando de forma despropositada, o relacionamento de ambos caminha oculto até que decidem aplicar um golpe contra o esposo da adúltera Walker, que se tornaria herdeira de todos os bens conquistados pelo empresário que lhe sustentou durante anos.

A direção de Kasdan acerta o tom dos enquadramentos por vezes distorcidos, dos jogos de luz e sombra e da mise-em-scene desestrurada para oferecer ao espectador um sopro de ar fresco a um gênero que caminhava decadente alguns anos antes da produção do filme. Quanto ao elenco, William Hurt compõe um sujeito solitário, que não encontra seu papel na historicidade em que reside e se perde no desejo por uma mulher que, a princípio, lhe despreza. Da mesma forma, Kathleen Turner exibe uma mulher aparentemente frágil que parece ser vitimizada pelas conseqüências de suas escolhas, mas que, em certo ponto, mostra-se causadora de todas as circunstâncias que lhe cercam.

No embate entre masculino e feminino, a misoginia e o cinismo usuais dos protagonistas do noir dos anos 40 oferecem lugar para a efervescência transgressora que toma conta da cidade – na excelente metáfora para a onda de calor que todos os personagens e que, em certo momento, justificam seus atos impensados -, exibindo o relacionamento tortuoso entre um homem que não consegue ter postura para domar suas paixões e uma mulher que reforça e, paradoxalmente, ironiza seu estereótipo de pouco inteligente a fim de realizar o crime perfeito. No jogo em que todos brigam por uma vida “no limite e no controle” do id, o que vale mais: a força da aparência ou a aparência de força? No caso do próprio gênero noir, uma força que advém da própria aparência, da própria imagem, dos contornos que exibe a fim de desestabilizar aquele que assiste.

Um comentário:

  1. Acho um bom filme, típico suspense com toques eróticos da década de 80. Destaque para a breve, mas promissora, participação de Mickey Rourke.

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