17/11/2010

Janela Crítica - BRA 04 – Fazendo Contato


Estabelecer contato prescinde de disposição de um para relacionar-se com algo ou alguém externo a ele, seja concreto ou sobrenatural. O programa 04 da Mostra Competitiva Nacional mostra a fluência dos diversos tipos de comunicação que pode se estabelecer com esse exterior.

Iniciando este ciclo, Canoa Quebrada (Guile Martins, 2009) traz o diretor em uma jornada em busca de seu pai, a quem nunca conheceu: a saída de casa, a viagem, a preparação do corpo e da alma no hotel. No momento-chave do longa – o primeiro encontro –, não ocorre uma epifania melodramática, mas uma evanescência natural diante do que o espectador (não) vê: o contato se realiza através da voz, emergindo essa figura paterna somente na imaginação. De maneira habilidosa, o diretor constrói um universo masculino destituído do ranço pelo abandono, mas com desprendimento com a possível seriedade que esta questão normalmente requer.

Em contrapartida ao anterior, o curta Carreto (Marília Hughes e Cláudio Marques, 2009) propõe um contato através de imagens e não de sons: Tinho trabalha carregando frutas num carrinho de mão e conhece outra criança que, mesmo deficiente, vive a infância que ele não experimenta. Utilizando desenhos, gestos e olhares, o diretor emociona o público com um painel delicado de afeição e confiança que se firma com uma redenção extremamente sutil, e não por algum deus ex machina milagroso.

De relacionamentos concretos, parte-se para contatos fundamentados no desconhecido: As Corujas (Fred Benevides, 2009) – baseia-se na literatura de Moreira de Campos para mostrar um homem que, meticulosamente, afasta as corujas do necrotério em que trabalha. Com essa base, o melodrama manifesta-se gradativa e intensamente através da confluência quase mágica de enredo, interpretações, enquadramentos, trilha e efeitos sonoros, fotografia. Todos esses elementos constroem uma ambientação lúgubre que inebria e atenta o espectador para qualquer impressão de mudança, da maneira mais inesperada possível.

Náufragos (Gabriela Amaral Almeida e Matheus Rocha, 2010), por sua vez, trata da morte de maneira alegórica e até divertida: Dona Odete tenta de todas as formas reencontrar o esposo que sumiu. Protagonista e diretora compõem um quadro elegante – com imagens ao mesmo tempo ternas e absurdas - onde real e sobrenatural não se excluem, mas se influenciam. Enquanto esmaece ao encontro do seu marido, somente a memória de Dona Odete proporcionará ao público sua eternidade, ao contrário daqueles que se perpetuam através da imagem.

Finalizando este ciclo, O Mundo é Belo (Luiz Pretti, 2010) privilegia a mescla do concreto com o sobrenatural em um universo transcendental: nosso mundo. O tempo parece se dilatar diante dessa presença quase divina através de imagens e sons que traduzem a sensação de abrir os braços diante do eterno e do fugaz.

Externo / Interno. Concreto / Sobrenatural. Conceitos que se fundem na construção de uma emoção / reflexão sincera sobre nossas formas de relacionamento com pessoas e obras como estas ou através delas.

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