11/11/2010

Autodestruição e Violência Prosaica: The Big Shave


Desde o título, The Big Shave (Martin Scorsese, 1967) mostra-se um curta superlativo, que mal consegue se conter em seus seis minutos de duração, permanecendo por tempos após a projeção, revelando, desde cedo, o cineasta que nos entregaria obras como Cassino (1995) e Alice Doesn't Live Here Anymore (1974).

Aparentemente versando sobre o banal ato de se barbear, o curta revela um dos temas que se encontrarão posteriormente na filmografia scorsesiana: o temor/anseio de autodestruição de seus protagonistas em meio a um mundo de violência prosaica e cotidiana. Close-ups extremos de um banheiro asséptico denotam um olhar diferenciado sobre aquele espaço, que, através de seu herói pouco convencional, será palco do incômodo do inesperado: o homem começa a mutilar seu próprio rosto com uma navalha, deixando o sangue deslizar pela sua face inexpressiva e sobre a porcelana branca da pia límpida. Cortes abruptos e uma trilha sonora desconcertante pontuam a violência inconseqüente e gráfica que o homem infringe sobre si mesmo com sua expressão tranqüila, restando ao espectador a incompreensão e a impotência diante do que acabou de presenciar. Amar ou odiar parecem verbos irrelevantes em uma experiência cinematográfica tão particular, mesmo que este espécime pareça ter se desgastado após tantos anos de evolução e sofisticação do happening cinematográfico.

Assim como Henry Hill (The Godfellas, 1990), Howard Hughes (The Aviator, 2004), Travis Brickle (Taxi Driver, 1976) e tantos outros ícones da cinematografia de Scorsese, nosso protagonista caminha inconscientemente rumo a sua autodestruição, à quebra da lógica, do contínuo. Sua indolor trajetória reflete-se, paradoxalmente, em nossa angústia diante do que é visto, pela identificação imediata com o receio/desejo de interromper nossa letargia cotidiana, oculta em vicissitudes diárias que, se aparentemente nada revelam sobre nós, tornam-se refúgio do nosso inconsciente, de nossa humanidade.

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