19/04/2010

A magia do ponto de vista em A Single Man


O estilista Tom Ford estréia com o pé direito na direção do longa A Single Man - recuso-me a aceitar a tradução brasileira para o longa, que lembra soap operas da década de 50 -, construindo um longa sensível e plasticamente inebriante. Contando o dilema de um dia na vida do professor universitário George Falconer, quando se vê diante de uma encruzilhada: acabar com a própria vida depois que seu companheiro de 16 anos faleceu em um acidente de carro, ou seguir em uma vida aparentemente sem perspectivas.

George atravessa duramente o dia, sente pela última vez cada momento banal do seu dia: as crianças brincando em frente à sua casa, o sorriso da bela recepcionista, os estudantes irresponsáveis, o prostituto compreensivo, a amiga fútil. Enquanto desfila por essa galeria de personagens, Falconer vive o paradoxo de desejar ser invisível diante de todos e negar a si mesmo a possibilidade de se conectar plenamente com outro ser humano ou aproveitar ao máximo a companhia e a simpatia de todos que lhe rodeiam pelo tempo que lhe resta.

Nessa encruzilhada surge a direção poderosa de Tom Ford, que, semelhante a um maestro com pleno domínio de sua arte, encaminha o espectador para o ponto de vista do protagonista sobre si mesmo e sobre os outros. Trilha Sonora, fotografia e edição compõem com fluidez e suavidade uma pintura em movimento, uma sinfonia de cores e monocromias que se alternam para criar momentos em que George se permite encantar novamente pela vida: ao observar cuidadosamente uma flor, ao se deleitar nas divertidas conversas com Charlotte e, principalmente, ao ouvir as doces palavras de seu aluno Kenny Potter.

Se seria muito fácil fazer George Falconer se encantar por um de seus alunos, procurando o sexo ou um novo amor como uma maneira de fazê-lo se revigorar, Ford nos mostra que o protagonista tem muito mais a oferecer: Falconer sabe os perigos de "substituir" seu companheiro e, mesmo desejando Kenny, enxerga nele além de um corpo ou uma personalidade cativantes, mas a humanidade que o liga a ele, as dúvidas, as escolhas que um dia ele precisou fazer. George nada contra a corrente deste mundo apressado, deste oceano de pessoas que andam lado a lado ou contra si, mas não têm a coragem de olhar cuidadosamente e contemplar os sentimentos e sensações, a condição humana que nos une no mesmo lugar e, ao mesmo tempo, nos torna únicos.

Essa possibilidade de se reencantar com o banal e, aparentemente, frívolo traz a George um novo ponto de vista: de se relacionar intimamente com o que há de prazeroso e doloroso na vida, por mais tenebrosa ou cativante que ela possa parecer.

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