19/04/2010

Nine e os infortúnios da criação


Rob Marshall gosta de explorar a cena, o palco, a experiência de estar diante de um público e receber de imediato suas reações diante de uma performance, seja ela qual for. Mas, se em Chicago, sua protagonista se embriagava com a possibilidade de estar diante de uma platéia e ser vista, em Nine o diretor lida com os infortúnios de estar diante dos olhos alheios todo o tempo e contra a vontade.

Guido Contini, vivido com propriedade por Daniel Day-Lewis, atravessa uma fase de bloqueio criativo quando precisa trabalhar no roteiro de seu novo filme, chamado prepontentemente de Italia, ao mesmo tempo em que busca ou é solicitado por diversas musas inspiradoras durante o desenrolar do enredo. São elas: sua falecida mãe (Sophia Loren), uma jornalista apaixonada (Kate Hudson), sua desiludida esposa (Marion Cotillard), uma ingênua amante (Penelope Cruz), sua dedicada figurinista (Judi Dench), uma prostituta de sua infância (Fergie) e sua atriz favorita (Nicole Kidman). Cada uma o encanta de uma determinada forma e surgem em sua mente na tentativa de fazê-lo prosseguir em sua criação, utilizando para tal os números musicais como o pensamento do protagonista - estratégia utilizada por Marshall em Chicago, onde funcionava bem na condução da narrativa.

Contudo, mesmo com figurinos e cenários bem delineados, o roteiro deveras episódico de Michael Tolkin deixa muitas pontas soltas através de personagens e números musicais desalinhados com a unidade do filme. Enquanto temos números marcantes e interessantes como "Be Italian", com Fergie e "Cinema Italiano", com Kate Hudson, - cujas músicas foram usadas nos principais trailers que circularam pelo cinema e pela web - suas personagens não encontram o devido desenvolvimento ao longo da narrativa, perdendo-se em meio à profusão de outros personagens bem desenvolvidos - caso de Judi Dench e Penelope Cruz -, mas com números musicais sofríveis, restando a Nicole Kidman e Sophia Loren "pontas de luxo" que nad acrescentam de substancial ao longa. A única exceção a essa regra encontra-se na performance de Marion Cotillard, - em belíssimo momento com "Take It All" - que entrega uma personagem completa, cuja trajetória encanta e cativa o espectador, trazendo alguns poucos momentos de veracidade e contundência ao pretensioso longa. Junto com Penélope Cruz, compõe as principais influências na criação de Guido, cuja farsa se transforma em arte no momento em que se deixa libertar das rédeas de sua criação libertina e inconsequente, para abraçar a sensibilidade desconhecida dentro de si mesmo.

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