20/03/2009

Criancinhas e seus Pecados






Mais uma vez no caminho inverso: depois de ter contato com o excelente longa Pecados Íntimos, dirigido por Todd Field (Entre Quatro Paredes) - estrelado por Kate Winslet e Patrick Wilson -, procurei ler o livro que deu origem ao roteiro para o longa: Criancinhas, de Tom Perrotta - responsável também por Eleição, que se transformou em filme pelas mãos de Alexander Payne.

Quando vi o filme, tive uma imersão enorme na construção cuidadosa de suas personagens, que entram pedindo licença e tomam conta de nossas emoções de maneira sutil. Quando Sarah Peirce, Brad Adamson e Ronnie McGorvey cruzam a tela, somos impactados pela força de um roteiro maginificamente escrito, que compreende suas protagonistas e não tenta julgá-los e imputar neles questões moralistas e hipócritas. Seus roteirista e diretor, de fato, se importam com eles, se veem como um deles, por mais que essa verdade seja difícil de aceitar. Foi gratificante aprofundar questões que, no filme, só puderam ser sugeridas e permitir uma identificação ainda maior com o que está sendo contado.

Aprofundando questões como responsabilidade, convivência e aceitação do outro se aprofundam, o filme decide manter o tom crítico e dramático que a história possui, suavizando o tom irônico e cínico que Perrotta traz à sua narrativa. Ronnie, nas linhas de Perrotta, é um personagem que parece sofrer menos com sua condição de rejeitado e perseguido pela sociedade, por causa de suas tiradas sarcásticas direcionadas à mãe, que pouco emergem na transcrição para a tela. Field também optou por deixar de lado um aprofundamento das histórias dos cônjuges de seus protagonistas e de seus amigos, permitindo suas inserções em seus momentos mais marcantes e úteis à história.

Esse tipo de decisão valoriza a tonalidade do longa e altera a conclusão da narrativa, que, no livro, se dá de maneira também irônica, perdendo um pouco do impacto dramático que a história por si só traz. Além disso, o autor utiliza seu clímax para reunir quase todos os personagens num único espaço, tentando forçar um conflito, enquanto que, no filme, os únicos encontros são entre Ronnie e Sarah - muito forte, por sinal - e Ronnie e Larry. Contudo, Field conflui elementos em comum ao manter a narração do livro, que, paradoxalmente, aproxima e distancia o espectador de seus protagonistas. Isso se revela como um elemento estético que referencia de maneira direta aos romances que fazem parte da história, no caso Madame Bovary. Termina se tornando também um filme sobre livros, histórias e como elas podem dialogar conosco, fazendo com que nos enxerguemos nele. Sobre como podemos - e precisamos - compreender melhor a nós mesmos e aos outros.

Este é um dos raros trabalhos em que um filme consegue melhorar um livro, dialogar com o espectador e com a obra original, mas mantendo uma estética discursiva própria. Todd Field consegue esse feito com propriedade, tornando-o um dos melhores cineastas da atualidade, mesmo que tão pouco enxergado pelo público.

3 comentários:

  1. Ficou mais leve o ar por aqui...
    E suas palavras sempre me ajudam a refletir sobre o que assistimos, o que vivemos...
    Grata sempre.

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  2. ... estou esperando o texto do "Orgulho e Preconceito" há anos...

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  3. Eita, foi mal,Ky. Pode deixar que nesse fim de semana vou estar mais tranquilo e vou postar, kkk!! É questão de honra.

    Bjão!

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