08/12/2009

Dos Jogos de Poder e Revolta em Entre os Muros da Escola


Como encarar a arte de contar histórias depois de uma sessão do longa Entre os Muros da Escola? Ao atravessar as dificuldades de relacionamento que alunos e professores enfrentam durante um ano letivo, pode-se dizer que as mais diversas tentativas de realizar um retrato da juventude niilista com que nos acostumamos ao longo destes cínicos e pós-modernos últimos anos encontram no filme de Laurent Cantet seu resultado mais sincero, contundente, complexo, indo além dos filmes escolares norte-americanos e dos dramas excessivamente pessimistas onde as drogas e sexualidade exacerbadas predominam.

François Marin é um professor do ensino público na França que lida constantemente com as intempéries advindas do - ou da falta de - aprendizado e relacionamento que tem com seus alunos. Até este ponto, poderíamos imaginar que se trataria de mais um Sociedade dos Poetas Mortos ou Mentes Perigosas adaptados para o novo milênio. Mas o que surge na tela nos faz esquecer completamente de ensinos otimistas a respeito da relação dentro da sala de aula: ao invés de tê-lo como herói, os alunos vêem o professor como adversário em potencial pelo simples fato de representar a ordem que tanto almejam desmistificar; assim como os professores, que digladiam consigo mesmos sobre até quando tentarão disciplinar pupilos tão indisciplinados como os que possuem? Naquelas quatro paredes, o que os une é a obrigação e as convenções e não o prazer que o Prof. Keating de Robin Williams explorava à exaustão em suas aulas espetaculares.

Neste reduto onde os jogos de poder se complexificam a cada momento, Cantet explora o ambiente com sua câmera adequada, procurando e encontrando pessoas - e não personagens. - e respeitando tudo aquilo que estas permitem mostrar diante da tela, deixando o espectador crente em todos aqueles sentimentos e motivações, pois seus atores não parecem interpretar e nos cativam para conhecê-los cada vez mais. Mesmo parecendo tão antipáticos a princípio, como não querer conhecer as razões da revolta de Souleymane e Esmeralda com o mundo ao redor, o que motiva o chinês Wey com seus estudos ou o que trouxe Rabah para dentro daquele universo francês burguês ao deixar suas raízes árabes para trás? Desfilam pela tela não estereótipos de gótico, estrangeiro, estudioso, revoltado e patricinhas, mas verdadeiros retratos de uma juventude sem perspectivas, onde suas maiores lutas se encontram dentro dos recintos que frequentam, com as pessoas com quem mais convivem.

Não existe mais um Vietnã ou uma Alemanha a que enfrentar. Nossos inimigos somos nós mesmos, a quem temos mais chance de amar e nos decepcionar. Do mesmo modo que François amava seus alunos para desejar que aprendessem mais ou que Souleymane se emocionasse sinceramente ao ver seu professor valorizando seu trabalho diante da turma, os mesmos poderiam ofender-se mutuamente em outro instante e destruir um laço tão tênue como o que haviam construído na singeleza de alguns segundos. Os momentos finais sintetizam esse jogo de conveniências e discrepâncias nos nossas relações: o que de fato está em jogo quando estamos na sala de aula? Ou num escritório? Que campo de batalha criamos quando habitamos momentaneamente dentro daquelas quatro paredes? Que papéis tão complexos estamos assumindo ou sendo obrigados a assumir?

No momento em que todos estão na quadra e se divertem com um simples jogo de futebol, todo aquele conflito anterior foi esquecido por alguns instantes, mas as cadeiras vazias e desorganizadas nos lembram que outro semestre virá, trazendo novamente estes sentimentos adormecidos por um período de férias e aquele jogo de opressão e revolta ressurgirá.

Um comentário:

  1. Texto preciso, acredito que o texto em si não deve ser analisado pela quantidade e sim pela qualidade, muitos criticos importantes tem um especie de "dom" de definir um filme em poucas linhas precisas. No seu caso a quantidade e qualidade, caso raro, já que tem muita gente enxergando bolas em quadrados com o único intuito de prolongar o texto. Eu mesmo faço isso as vezes, acabo me empolgando.

    Sobre o filme comentando, tenho que dizer que ele não me "pegou" embora esteja presente em todas as listas de melhores do ano, classifico como "morno", mas quem sabe depois de uma revisão...

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