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Antes de tudo, é necessário esclarecer
que As Sessões (The Sessions, 2012, Ben Lewin) não entra no que podemos
entender como “filme-doença” ou “filme de deficiência”, como tantos que vão diretamente para a TV, em que o melodrama intenso e os
sentimentos de desesperança e redenção com a ‘ordem universal’ terminam ditando
a narrativa. Na verdade, trata-se de um filme sobre o corpo, seus alcances e
limitações, mas, acima de tudo, sobre como ele se mostra como porta de acesso à
alma do outro.
Vamos conferir a sinopse: Mark O'Brien
(John Hawkes) é um escritor e poeta que, ainda criança, contraiu poliomielite
e, por conta desta, perdeu os movimentos do corpo, com exceção da cabeça,
precisando passar boa parte do dia em um aparelho apelidado de "pulmão de
aço". Mark passa os dias entre o trabalho e as visitas à igreja, onde
conversa com o padre Brendan (William H. Macy), seu amigo pessoal. Mas, quando
começa a ser desperto nele a necessidade e a possibilidade de ter uma
experiência sexual, Mark passa a frequentar uma terapeuta sexual. Esta lhe
indica os serviços de Cheryl Cohen Greene (Helen Hunt), uma especialista em
exercícios de consciência corporal, que o inicia no sexo. Com uma sinopse
destas, pode-se esperar um drama nos moldes de O Escafandro e a Borboleta ou
Mar Aberto, mas o que Bem Lewin faz é uma comédia leve com toques dramáticos.
E, se a parte cômica podia remeter a O
Virgem de 40 Anos, por exemplo, o que percebemos é certa delicadeza em
tratar do tema.
A relação entre Mark e Cheryl faz com
que o espectador se questione sobre a própria relação com seu corpo, já que,
naturalmente, ele também carrega nossas alegrias, mas também nossas culpas. A
experiência do ato sexual para Mark o transforma em um ser humano mais
completo, em que o êxtase sexual o eleva a algo além do seu cotidiano regrado e
simples. Mas isso é o óbvio. O que torna As
Sessões distinto do que se poderia esperar é a transformação que Cheryl
atravessa durante o longa, já que ela se mostra bastante sutil tanto no roteiro
quanto na interpretação de Helen Hunt. A atriz mostra-se tão cuidadosa em
explorar a transição da terapeuta que terminou, de certa forma, virando refém
do controle sobre seu corpo. Quando ela percebe o êxtase em que Mark entra
quando a toca pela primeira vez causa mudanças, ela percebe como sua presença
naquele instante com aquele homem naquela situação faz diferença, algo que, no
seu dia a dia, ela não sente com tanta veemência. Ela, como dona de casa,
esposa e mãe com seus 40 anos, de repente, percebe-se como uma “virgem”
novamente, olhando com atenção para seu corpo novamente e vendo-se como objeto
de desejo e não somente a matriarca que se tornou.
Dessa forma, é possível percebermos como
um corpo que está automatizado começa, gradativamente, a se ‘desautomatizar’,
destabilizando-se diante do inesperado que são os sentimentos envolvidos. A relação
sexual entre dois corpos deveria ser o máximo de intimidade que dois seres
humanos deveriam compartilhar, mas o que percebemos, em meio às relações
fugazes e fluidas que trocamos uns com os outros, certa lógica animal ao
vivermos uma ‘era do cio’. Não quero parecer moralista com essa constatação, mas
quero chamar atenção para algo que parece completamente esquecido, pois,
provavelmente, nos mostramos automatizados a responder contrariamente a este
discurso. Na verdade, escolher ser sexualmente ativo ou inativo, com um ou
vários parceiros são, simplesmente escolhas que cada um faz de acordo com o
momento que estiver passando, com personalidade, história de vida e muitas
outras variáveis.
O que venho ressaltar é a “problematização
do corpo”, o questionamento da relação que desenvolvemos (ou não) com nossos
corpos. Como, em certo momento da narrativa, Cheryl pergunta a Mark algo como “Você
está chateado com sua criança de 6 anos por ter contraído pólio?”. E este é um
momento-chave para entendermos que raivas e culpas nossos corpos carregam
contra nós mesmos: será que culpo a mim mesmo por ser muito gordo ou muito
magro, muito alto ou muito baixo, branco, índio, asiático ou negro, homo ou
heterossexual, ruivo, moreno ou loiro...? E o quanto dessa culpa influencia no
modo de tratá-lo: será que eu desprezo tanto o meu corpo e prefiro tratá-lo
como objeto para não permitir que este outro acesse as minhas culpas e dores?
Será que, ao tornar o outro meu objeto sexual, não estou também reificando a
mim mesmo? E por quanto tempo ainda sustentarei a ideia de que meu corpo não
reflete minhas dores?
Diante de todas essas perguntas, podemos
ainda ir além: porque controlar o corpo do outro, o desejo do outro? Já paramos
para pensar em como o controle que desejamos do outro pode refletir um controle
que, na verdade, se deseja sobre si mesmo? A religião, a maior parte das vezes
controladora neste sentido, aparece forte no filme justamente na direção oposta:
para o Padre vivido por William H. Macy, parece uma bobagem querer controlar os
caminhos que o corpo de Mark possa seguir. E não deixa de ser irônico pensar
que, enquanto o Padre ESCOLHEU o celibato, ele não impõe ao cristão Mark a
mesma escolha pelo simples fato dele não conseguir se casar, por mais que ele
tentasse. Ele acredita que a relação que Mark e Cheryl construíram foi, com
certeza, único e que fez diferença na existência de ambos, refletido, com certeza,
na despedida entre ambos, em uma cena que, pela força do que não está sendo
dito, conquista o espectador durante e depois.
O que aconteceu com aquelas duas pessoas
durante as sessões está além da relação sexual, mas me fez pensar em como este
mesmo corpo que traz estas frustrações e alegrias funciona também como caminho
para uma dita ‘liberdade’. Não se trata de só escolher parceiros sexuais por
quem se está apaixonado ou algo do tipo, mas de “desautomatizar-se”
constantemente, entendendo corpo e mente como uma entidade única, procurando
uma relação consigo que ultrapasse a superficialidade com que o cotidiano
nos acostumou.