06/06/2013

A Parte dos Anjos e a superestimada honestidade


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Ken Loach é conhecido do público por abordar questões referentes à classe operária em seus filmes, o que não acontece de modo diferente em A Parte dos Anjos (The Angel's Share, 2012), em que um grupo de delinquentes que vivem em Londres precisam lidar com a falta de dinheiro e planejam um golpe para resolver estes problemas financeiros.

Robbie acaba de ser pai ao mesmo tempo em que precisa participar do trabalho comunitário que funciona como pena pelo fato dele ter batido até a quase morte um desconhecido, sem motivo aparente. Robbie vive como um gato escaldado pela vida, sempre pronto para revidar o golpe alheio, enquanto que sua namorada tenta acalmá-lo sempre que necessário. Essa sinopse parece trazer uma narrativa triste e depressiva, mas Loach reveste de bom humor quando transforma sua crítica social em um heist film: (SPOILER ALERT) para conseguir dar um vida melhor à sua nova família, Robbie planeja com seus colegas ex-detentos roubar um uísque valiosíssimo que será levado a leilão.

Interessante observar o olhar de Loach em criticar o capitalismo a partir de um mote aparentemente simples, pois, ao roubar o uísque, Robbie zomba dos poderosos que nem desconfiam do roubo realizado, já que não possuem os mesmos talentos que ele em degustar e reconhecer uísques. Além disso, parece reconhecer que o verdadeiro mérito de possuir aquele objeto de valor mais simbólico do que financeiro está naqueles que, de fato, apreciarão aquele objeto ao invés daqueles que desejam possuí-lo como mais uma forma de esbanjar.

Relacionando isto a uma questão ampla - considerando as distinções entre Brasil e Inglaterra -, percebe-se como o "jeitinho brasileiro" já nos deixou, de certa forma, anestesiados para as culpas pelas desonestidades nossas de cada dia, já que o modo de vida e as resoluções expostas por Loach em seu longa podem se mostrar deslocadas da imagem elitizada e regrada que os estereótipos mantiveram no nosso inconsciente. Enquanto isso, uma trama semelhante sendo desenvolvida no Brasil não apresentaria grandes surpresas para o público brasileiro, acostumado à driblar a honestidade para conseguir sobreviver com as poucas condições de vida que possui.

03/06/2013

(Re)Visitando Tarantino com Mauro Baptista


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Nesse meu período de revisita ao cinema tarantinesco - um dos meus favoritos, como vocês já devem ter percebido -, resolvi ler O cinema de Quentin Tarantino, escrito pelo Professor Pós-Doutor Mauro Baptista, que, a partir da sua tese de doutorado, concebeu o livro que conferi nestas últimas semanas. E a leitura não poderia ser mais agradável: Baptista passeia pelos filmes de Tarantino, trazendo os pontos que ele observou em sua filmografia usando a cronologia de produção dos longas. Os fãs das obras mais recentes de Tarantino podem se decepcionar um pouco pelo fato de Baptista abranger com mais densidade os filmes Cães de Aluguel, Pulp Fiction e Jackie Brown - isso acontece pelo fato do autor ter desenvolvido sua tese entre 95 e 99 -, mas ele ainda reserva espaço para comentar com bastante pertinência a filmografia posterior do cineasta.

Em complemento aos ensaios e críticas expostos no livro Quentin Tarantino, de Paul W. Woods - resenhado aqui -, que se restringe a reunir textos redigidos à época de lançamento dos longas, Baptista aprofunda seu estudo através do desenvolvimento teórico sobre os filmes, concebendo o que chamamos de estilo tarantinesco. O autor caracteriza este estilo através de alguns aspectos: o realização de filmes de gênero com o foco narrativo distinto do que se costuma realizar no cinema clássico hollywoodiano; os personagens que adotam posturas distanciadas sobre si mesmos; a interferência do acaso e do banal na narrativa; a convivência prosaica destes personagens com elementos da cultura pop e vários outros.

Apesar de ter um desenvolvimento teórico profundo sobre a obra do cineasta, Baptista não constrói suas reflexões de maneira inacessível ou excessivamente rebuscada, tornando-as compreensíveis ao leitor médio com uma linguagem simples. Depois de ler um livro como este, que procura desvendar as estratégias criativas de um cineasta tão icônico e mitificado como se tornou Tarantino, não deixa de ser intrigante nos perguntarmos qual seria a nossa própria verve criativa, de que forma a autoria nos conduz para a realização de nossas próprias obras artísticas. Pois, ao canonizar tanto as obras de cineastas como ele, Hitchcock, Kubrick e tantos outros que fazem parte da história do cinema, muitas vezes, sentimo-nos diminuídos ou incapazes de desenvolver nossa própria capacidade narrativa, mas, ao compreender as escolhas que Tarantino realizou para conceber suas obras e, principalmente, começamos a reconhecer os elementos que nos agradam em suas obras, podemos perceber um pouco do nosso espaço nesse universo audiovisual e o modo como gostaríamos de nos expressar.

18/05/2013

Quentin Tarantino e as (re)descobertas de um fã

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Nestas últimas semanas, comecei e terminei a leitura de Quentin Tarantino (Quentin Tarantino – The Film Geek Files), livro – editado por aqui pela Editora LeYa – escrito por Paul A. Woods, que reúne uma série de ensaios e entrevistas de diversos autores publicados na época de lançamento dos filmes deste cineasta que virou a mesa no modus operandi em Hollywood. Como tinha somente sete anos de idade quando o primeiro filme de Tarantino foi lançado – Cães de Aluguel – e não acompanhei o frisson em cima de Pulp Fiction na mesma época (mais lembrava bem do anúncio do filme a ser transmitido na TV pelo SBT), é interessante ler os comentários sobre o cineasta como se estivesse vivendo aquele período.
Ainda lembro do dia em que conferi meu primeiro filme do cineasta: a fita VHS rodava no videocassete a cena final de Pulp Fiction mostrava Jules e Vincent saindo da lanchonete acompanhados por uma trilha de surf music e eu, com meus treze anos, deitado na minha cama num final de tarde, em êxtase por tudo que havia acompanhado naquelas pouco mais de duas horas. Os gângsters ocupados com situações que qualquer um de nós poderia ter passado e discutindo suas banalidades entre um assassinato e outro. E, hoje, ao conferir as opiniões diversificadas sobre suas obras subsequentes, assim como suas próprias opiniões, é prazeroso por tornar sua obra mais próxima de um público que se agrada bastante de seus filmes, mas, muitas vezes, não sabe muito bem porque gostou do estilo do cineasta cinquentão.
O livro aborda com mais profundidade o trajeto do cineasta desde Cães de Aluguel até Kill Bill – contando com uma média de três a quatro ensaios por filme -, deixando Sin City, À Prova de Morte e BastardosInglórios com menos ênfase – provavelmente por terem sido incluídos por conta de uma segunda edição, com um ensaio cada um. Mas não deixa de ser leitura mais do que obrigatória nesta época em que o cineasta continua em alta com a recém-chegada de sua mais nova obra, DjangoLivre

06/03/2013

As Sessões e o corpo como prisão e liberdade

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Antes de tudo, é necessário esclarecer que As Sessões (The Sessions, 2012, Ben Lewin) não entra no que podemos entender como “filme-doença” ou “filme de deficiência”, como tantos que vão diretamente para a TV, em que o melodrama intenso e os sentimentos de desesperança e redenção com a ‘ordem universal’ terminam ditando a narrativa. Na verdade, trata-se de um filme sobre o corpo, seus alcances e limitações, mas, acima de tudo, sobre como ele se mostra como porta de acesso à alma do outro.

Vamos conferir a sinopse: Mark O'Brien (John Hawkes) é um escritor e poeta que, ainda criança, contraiu poliomielite e, por conta desta, perdeu os movimentos do corpo, com exceção da cabeça, precisando passar boa parte do dia em um aparelho apelidado de "pulmão de aço". Mark passa os dias entre o trabalho e as visitas à igreja, onde conversa com o padre Brendan (William H. Macy), seu amigo pessoal. Mas, quando começa a ser desperto nele a necessidade e a possibilidade de ter uma experiência sexual, Mark passa a frequentar uma terapeuta sexual. Esta lhe indica os serviços de Cheryl Cohen Greene (Helen Hunt), uma especialista em exercícios de consciência corporal, que o inicia no sexo. Com uma sinopse destas, pode-se esperar um drama nos moldes de O Escafandro e a Borboleta ou Mar Aberto, mas o que Bem Lewin faz é uma comédia leve com toques dramáticos. E, se a parte cômica podia remeter a O Virgem de 40 Anos, por exemplo, o que percebemos é certa delicadeza em tratar do tema.

A relação entre Mark e Cheryl faz com que o espectador se questione sobre a própria relação com seu corpo, já que, naturalmente, ele também carrega nossas alegrias, mas também nossas culpas. A experiência do ato sexual para Mark o transforma em um ser humano mais completo, em que o êxtase sexual o eleva a algo além do seu cotidiano regrado e simples. Mas isso é o óbvio. O que torna As Sessões distinto do que se poderia esperar é a transformação que Cheryl atravessa durante o longa, já que ela se mostra bastante sutil tanto no roteiro quanto na interpretação de Helen Hunt. A atriz mostra-se tão cuidadosa em explorar a transição da terapeuta que terminou, de certa forma, virando refém do controle sobre seu corpo. Quando ela percebe o êxtase em que Mark entra quando a toca pela primeira vez causa mudanças, ela percebe como sua presença naquele instante com aquele homem naquela situação faz diferença, algo que, no seu dia a dia, ela não sente com tanta veemência. Ela, como dona de casa, esposa e mãe com seus 40 anos, de repente, percebe-se como uma “virgem” novamente, olhando com atenção para seu corpo novamente e vendo-se como objeto de desejo e não somente a matriarca que se tornou.

Dessa forma, é possível percebermos como um corpo que está automatizado começa, gradativamente, a se ‘desautomatizar’, destabilizando-se diante do inesperado que são os sentimentos envolvidos. A relação sexual entre dois corpos deveria ser o máximo de intimidade que dois seres humanos deveriam compartilhar, mas o que percebemos, em meio às relações fugazes e fluidas que trocamos uns com os outros, certa lógica animal ao vivermos uma ‘era do cio’. Não quero parecer moralista com essa constatação, mas quero chamar atenção para algo que parece completamente esquecido, pois, provavelmente, nos mostramos automatizados a responder contrariamente a este discurso. Na verdade, escolher ser sexualmente ativo ou inativo, com um ou vários parceiros são, simplesmente escolhas que cada um faz de acordo com o momento que estiver passando, com personalidade, história de vida e muitas outras variáveis.

O que venho ressaltar é a “problematização do corpo”, o questionamento da relação que desenvolvemos (ou não) com nossos corpos. Como, em certo momento da narrativa, Cheryl pergunta a Mark algo como “Você está chateado com sua criança de 6 anos por ter contraído pólio?”. E este é um momento-chave para entendermos que raivas e culpas nossos corpos carregam contra nós mesmos: será que culpo a mim mesmo por ser muito gordo ou muito magro, muito alto ou muito baixo, branco, índio, asiático ou negro, homo ou heterossexual, ruivo, moreno ou loiro...? E o quanto dessa culpa influencia no modo de tratá-lo: será que eu desprezo tanto o meu corpo e prefiro tratá-lo como objeto para não permitir que este outro acesse as minhas culpas e dores? Será que, ao tornar o outro meu objeto sexual, não estou também reificando a mim mesmo? E por quanto tempo ainda sustentarei a ideia de que meu corpo não reflete minhas dores?

Diante de todas essas perguntas, podemos ainda ir além: porque controlar o corpo do outro, o desejo do outro? Já paramos para pensar em como o controle que desejamos do outro pode refletir um controle que, na verdade, se deseja sobre si mesmo? A religião, a maior parte das vezes controladora neste sentido, aparece forte no filme justamente na direção oposta: para o Padre vivido por William H. Macy, parece uma bobagem querer controlar os caminhos que o corpo de Mark possa seguir. E não deixa de ser irônico pensar que, enquanto o Padre ESCOLHEU o celibato, ele não impõe ao cristão Mark a mesma escolha pelo simples fato dele não conseguir se casar, por mais que ele tentasse. Ele acredita que a relação que Mark e Cheryl construíram foi, com certeza, único e que fez diferença na existência de ambos, refletido, com certeza, na despedida entre ambos, em uma cena que, pela força do que não está sendo dito, conquista o espectador durante e depois.

O que aconteceu com aquelas duas pessoas durante as sessões está além da relação sexual, mas me fez pensar em como este mesmo corpo que traz estas frustrações e alegrias funciona também como caminho para uma dita ‘liberdade’. Não se trata de só escolher parceiros sexuais por quem se está apaixonado ou algo do tipo, mas de “desautomatizar-se” constantemente, entendendo corpo e mente como uma entidade única, procurando uma relação consigo que ultrapasse a superficialidade com que o cotidiano nos acostumou.

04/02/2013

Django Livre - … e assim Tarantino ficou mainstream

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Em meados de 92/93, Tarantino surgiu no cinema independente americano como um outsider, alguém que conseguia fazer cinema fora das majors e imprimia seu estilo em cada fotograma, com diálogos criativos, tramas que referenciavam diretamente ao cinema (principalmente os westerns, filmes de gânsgters e etc.) e muito sangue e violência. 

Quando seu Pulp Fiction faz história ao ser premiado com a Palma de Ouro em Cannes e com o Oscar de melhor roteiro original, difundia-se ali um cineasta que usava o pop para questionar vingança, lealdade, mas, antes de tudo, para humanizar as figuras estereotipadas que passeavam por aquelas tramas. A primeira vez que assisti a Pulp Fiction, por exemplo, eu não conhecia muitas das referências que o cineasta citava e como eles eram influentes na cultura pop norte-americana, mas o frescor daquela obra na vida cinéfila se deu pela humanidade que todos aqueles personagens destilavam. Mia Wallace, Vincent Vega, Jules Winnfield, Butch e sua galeria de personagens não era simplesmente gângsters ou pessoas do “submundo”: por mais que funcionassem como alter egos do próprio diretor, eles apresentavam certo frescor e, repito, humanidade suficiente para contarem uma piada sem graça, serem estuprados em uma sala fechada por dois idiotas, atirarem por acidente no rosto de algum capataz e assim por diante.

E agora, vinte anos depois dessa ascensão meteórica, Tarantino entrega Django Livre (2012), em que ele faz referência direta ao western spaghetti para contar a história de Django, um escravo liberto que se torna caçador de recompensas e se vinga dos seus algozes para encontrar sua amada Broomhilda. A trama é somente um pretexto para os habituais diálogos rápidos e cômicos de Tarantino, que aproveitam para cutucar a sociedade norte-americana contemporânea ao ironizar a condição do negro, que, aos olhos deles, parece resolvida quando o trabalho escravo não existe mais (em teoria). No filme, nem os brancos nem os próprios negros aceitam que Django seja tratado de forma diferente dos outros escravos: os primeiros, por motivos óbvios; já os segundos, surpreende mais justamente por Django não funcionar como inspiração, mas como motivo de inveja, desprezo etc. Ou seja, os negros do filme de Tarantino – principalmente Stephen, o criado vivido por Samuel L. Jackson – não aceitam um 'igual' alçando uma condição 'superior' a deles, preferindo manter o status em que o branco se mantém como superior. Isso, de certa forma, mostra-se como uma das perguntas que Calvin Candie faz no filme, sobre porque os escravos não se revoltavam contra seus algozes já que se apresentavam em maior número, força etc., podendo formar um movimento que mudaria a situação. 

Talvez esta seja a mesma pergunta que nós, como eleitores, por exemplo podemos nos fazer em relação ao modo como mantemos nosso status ao alçar ao poder políticos incompetentes e desinteressados por nossas causas. De certa forma, Tarantino também culpa o submisso pela sua submissão, mas o faz com sarcasmo e bom humor, demonstrando a pateticidade de todas aquelas convenções, mostrando ser uma questão mais complexa do que as reclamações em relação às tantas referências ao 'nigger' (ou 'crioulo') que levaram a Spike Lee a acusar o filme de racismo. (ATENÇÃO: ESTA FRASE CONTÉM SPOILERS) Na verdade, ele parece perceber tudo isso como um certo fetiche, visto que, em certo momento do longa, Django é capturado e, nu em seu cativeiro, tem a ameaça da castração iminente por um dos capangas de Candie, que, depois que seu mandante desiste do castigo, só lhe resta acariciar brevemente o membro avantajado de seu refém.

A despeito desta discussão que o filme carrega, um dos problemas de Django Livre reside justamente no seu humor, que mesmo funcionando na maior parte do tempo, parece ter ficado meio datado, já que, depois que os diálogos pop de Tarantino ficaram mainstream, mais e mais produtos começaram a pipocar com este estilo. (Posso dizer até que a cena do gorro da Ku Klux Klan me lembrou um dos vídeos do Porta dos Fundos – a saber este aqui.) Se vinte anos atrás, este humor era novidade, hoje a concorrência é bem maior e o diretor parece que dormiu no ponto, apesar de, certamente, fazer um filme bem mais divertido do que a maioria do que aparece no circuito comercial. Seu pastiche jamais se sobrepõe à narrativa e nem aos personagens que já nascem marcantes, como o Dr. Schultz de Christoph Waltz, o Calvin Candie de Di Caprio e o já mencionado Stephen de Samuel L. Jackson. Entretanto, já que ele não entrega algo como a não-linearidade desavisada de Pulp Fiction e Kill Bill ou a reescrita da História de Bastardos Inglórios (como afirmo neste texto), este longa parece figurar nos filmes menores de Tarantino, como Jackie Brown e à Prova de Morte. 

(atenção: SPOILER ALERT) 


Outro ponto a ser tocado reside também no ego do roteirista e diretor, já que, se, em Bastardos, a suspeita de que a última fala - "Esta é minha obra-prima!" - parecia que o próprio Tarantino dizia a si mesmo, em Django, a supervalorização que Tarantino se dá emerge na sua presença como um capanga no terceiro ato do filme, numa participação que parece meio forçada e até mesmo preguiçosa, assim como o tiroteio que acontece no clímax se faz de forma gratuita diante do caminho que a narrativa seguia. Enquanto que o tiro na cabeça de Marvin em Pulp Fiction, por exemplo, explorava a pateticidade e a estupidez que humanizava o gângster vivido por John Travolta, o tiro de Schultz e sua consequente morte soam não somente como uma tentativa de clímax desnecessária, mas também como uma “solução” rápida para distrair o espectador e conduzi-lo à catarse necessária aos “filmes de vingança” tarantinescos. Contudo, apesar destes defeitos, é um longa que merece ser conferido pelos fãs e não-fãs deste que ainda é um diretor que causa muito frisson todas as vezes em que lança um longa novo.

03/02/2013

O Mestre - Pertencer através da fé?

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No texto sobre As Aventuras de Pi, tratei um pouco das relações que Ang Lee traz em seu filme sobre a fé que o personagem Pi desenvolve durante sua jornada com Richard Parker. Interessante como Paul Thomas Anderson, em seu O Mestre (2012) estabelece conexões que complexificam a relação do homem com o que ele “acredita ser fé”. Digo acredito justamente porque Freddie Quell (personagem de Joaquin Phoenix) parece procurar mais uma sensação de pertencimento a uma causa que lhe tire de sua vida “desregrada”, uma meta maior do que seu egoísmo, sua raiva do mundo.

Enquanto que Pi defende certa suspensão da racionalidade para que os sujeitos comecem a expandir seus horizontes para o que está além do visível, o discurso deste longa favorece mais a ideia de tomar consciência de si mesmo para tomar o controle sobre sua vida. De que forma PTA faz isso? Vamos á narrativa: Freddie Quell é um marinheiro que, depois que termina a Segunda Guerra Mundial, tenta reconstruir sua vida. Traumatizado por sua experiência no campo de batalha, ele sofre com ataques de ansiedade e violência e não controla seus impulsos sexuais. Em uma de suas atitudes imprevisíveis, ele conhece Lancaster Dodd (Phillip Seymour Hoffman), o líder carismático de uma organização religiosa, chamada A Causa. Aos poucos, ele começa a se envolver com o sujeito, tornando-o o seu mentor e centrando suas escolhas nas ideias de vidas passadas, cura espiritual e controle de si mesmo que Dodd tenta fazê-lo compreender. Aos poucos, Freddie passa a depender cada vez mais deste estilo de vida e das ideias de seu Mestre, tornando seu pertencimento àquele grupo quase uma obsessão.

Relacionando esta sinopse básica com alguns dos filmes anteriores de PTA, por exemplo, em Boogie Nights, Sangue Negro e Jogada de Risco, temos este sujeito meio que deseja pertencer a um status – seja o cinema pornô, a riqueza pelo petrôleo ou o mundo da jogatina – e tem um mentor para ajudá-lo a alcançar este status – Dirk Diggler tem Jack Horner; John tem Sydney; e Daniel Plainview tem a si mesmo, já que planeja ser um ser isolado do mundo. Se, para a sociedade, Quell representa tudo que é emocional, anárquico e animalesco, Dodd representa tudo de virtuoso, aqueles que nos regram, nos podam, nos limitam e, enfim, procuram nos anular para que vivamos “pacificamente” uns com os outros. Todos estes personagens supracitados precisaram de mentores que os ajudassem a alcançar seus objetivos de pertencer àquela causa citada anteriormente, mas, com Freddie, isto se torna quase uma obsessão inquestionada, já que ele deseja fazer parte de algo que dome seu id, representando vários daqueles fieis que, de forma inconsciente, começam a procurar diversos modos de seguir as regras de conduta, ter as experiências que o Mestre tenta lhes fazer atravessar, mas não param para refletir a relevância daquela experiência para sua própria vida.

Dodd, na verdade, quando fala que deseja que todos aqueles fieis tenham controle sobre si mesmos, cai na falácia – proposital, diga-se de passagem - de fazer todos eles dependentes de seu discurso, controlando a todos através de suas palavras, de suas estratégias de aprisionamento. Mas como os fieis encontram-se deveras envolvidos por esta atmosfera emocional em que existe pouco espaço para explicações racionais, não conseguem se desvencilhar da crença que seu Mestre propala com tanta veemência e crença absoluta. O mais assustador em Dodd é que ele não crê em uma causa maior do que a si mesmo, mas crê em sua própria causa e faz com que os outros creiam nela com tanta ou maior devoção do que si. Mesmo que tenha feito relações com a Cientologia neste longa, estas conexões podem facilmente ser estendidas a quaisquer religiões, principalmente as cristãs neopentecostais, em que o carisma tem trazido mais fieis do que a fé em si.

Com uma elegância habitual nos seus filmes, ele deixa o dinamismo de Boogie Nights e Magnólia de lado para investir na câmera focada nos personagens como em Sangue Negro. Seus personagens parecem estar vivos diante do público, tendo Joaquin Phoenix à frente da densidade com que Hoffmann e Adams complementam essa jornada rumo a si mesmo. A trilha sonora de Jonny Greenwood incomoda com seus acordes e dissonâncias como em Sangue Negro, a fotografia clara e suja de Mihai Malaimare Jr traz texturas mais humanas aos personagens e a direção de arte que caracteriza bem o período histórico e os tons claros que escondem a crueldade e paixão de seus protagonistas. Todos estes elementos contribuem para fazer deste longa obrigatório para discutir o poder das religiões neste novo século, já que, quando as escolhas individuais começam a parecer mais claras e não precisamos mais depender das coletivas, começo a me questionar quais seriam as minhas causas, que escolhas e de que modo elas me conectam com o que acredito ser eterno, sem deixar de me conduzir pelo efêmero.

20/01/2013

O existencial nosso de cada dia em Era uma vez eu, Verônica


Uma adolescência em que se escreve um diário pode ser um dos períodos mais ricos na vida de alguém, já que passamos um bom tempo olhando para nós mesmos e pensando em nossas atitudes, no que estamos sonhando e no que, de fato, acontece. Recentemente, abri alguns dos meus cadernos antigos, não da adolescência, mas da faculdade e vi alguns dos milhares de planos que havia traçado para depois que terminasse o curso: outras graduações, cursos, profissões, histórias, projetos etc. ao mesmo tempo em que bate certo ranço por não ter realizado algumas coisas que se pretendia, resta algo de nostálgico desses 20 e poucos anos em que sonhamos em ser tudo e conquistar o mundo.

(Atenção: a partir daqui contém revelações sobre o enredo)

Verônica, quando inicia seu período de residência depois do curso de Medicina, parece empenhada em construir um mundo diferente para cada um de seus pacientes, oferecer-lhes a possibilidade de ter uma vida diferente, sem doenças, preocupações ou infortúnios que lhes impeçam de seguir em frente com seus próprios sonhos. Porém, o cotidiano duro de um hospital público começa a fazer daquela médica recém-formada uma mulher um pouco infeliz com as escolhas que fez para si mesma, pensando talvez que, ao se ocupar dos problemas dos outros, fosse se esquecer de cuidar de si mesma.

Usa o sexo como uma forma de se alienar de si, como uma anestesia para sua própria existência, como se alterar seu estado emocional provocasse alguma mudança significativa dali por diante. Verônica encontra somente sua redenção quando entra num estado de purgação, de purificação, o que surge quando ela olha para o horizonte de expectativas que lhe aguarda, quando a água, imprevisível e moldável como somente ela se faz, chove no seu rosto e parece trazer algo de primitivo e pueril para uma vida tantas vezes cheia de protocolos.

Esta é a história de Era uma vez eu, Verônica (2012, Marcelo Gomes), em que o diretor se utiliza de um formato de diário mesclado às reflexões sobre diagnósticos para explorar os bastidores da vida de uma médica, mas, principalmente, para contar a trajetória dessa personagem que começa a desejar tratar as doenças da alma. Com uma trilha sonora sutil e uma fotografia que alterna os momentos solares com os soturnos, Gomes traz uma Hermila Guedes menos visceral e mais comum, com uma interpretação mais racional do que emocional. Por mais que seja uma experiência estranha e não traga a catarse que se espera, o longa faz refletir sobre o que estamos sonhando, o que nos faz falta de verdade... é um convite para conhecer ou reconhecer esse estranho que somos nós mesmos.

18/01/2013

Detona Ralph e a máscara da vilania


A grande vague de reciclagem oitentista vem dominando cada vez mais os produtos de mídia, gerando musicais como Rock of Ages, os últimos filmes de comédia adulta, como A Ressaca e Este é o meu garoto. Nesta esteira, temos este DetonaRalph (2012, Rich Moore), que além de apostar no universo dos games, o que já rende um amplo self service de possibilidades, demonstra apontar para algumas tendências que tem aparecido com frequência em filmes recentes: atrair crianças, mas também também a adultos que cresceram nos anos 80 e 90 com inúmera referências pop (cinessérie Shrek); apostar na inversão dos papeis de vilão e herói (Meu Malvado Favorito e Megamente) e apostar na ascensão dos excluídos / minorias como temática (série Glee e derivados).

Como um produto típico do seu tempo, Detona Ralph brinca ao fazer referência aos diversos gêneros e formatos dos jogos (dos clássicos 8 bits aos sofisticados jogos estilo CS e similares), mas sempre com foco na história: Ralph (John C. Reilly) é o vilão do jogo Fix It Felix Jr e não se sente mais confortável nesta condição, decidindo procurar outro jogo em que possa ser o herói, ganhando uma medalha pelos seus feitos. No desenrolar da história, ele encontra Vanellope (Sarah Silverman), uma garota que precisa vencer a corrida no jogo Sugar Rush para conseguir ser uma das personagens principais do mesmo. Como se vê, os jogos são visto como várias empresas dos quais os personagens são “funcionários”. Na galeria de personagens clássicos que participaram do filme estão Sonic, Bowser, M Bison, Ryu Ken, Noobi Saibooth e vários outros, contudo, o diretor não se limita a tornar seu filme uma homenagem a estes ícones da infância de tantos. Talvez o maior problema resida justamente na ausência de certa riqueza ao explorar estes personagens, pois a história em si apresenta poucas novidades, apesar de conquistar pela simplicidade e carisma dos dois protagonistas e por ideias como os movimentos bruscos dos 8 bits em alguns personagens do jogo Fix It e a personagem durona Calhoun (Jane Lynch).

Se a história em si apresenta poucas novidades, a direção de arte e a trilha sonora são alguns dos maiores destaques do longa, porque  investem em uma paleta de cores sortida que encanta os olhos e mostra versatilidade ao mostrar universos distintos por meio das formas (como a diferença entre o 8 bit e os jogos com alta resolução e o universo do Sugar Rush, por exemplo, que são diametralmente opostos), enquanto que as músicas investem na releitura de músicas típicas dos videogames oitentistas. Com todos os elementos, Detona Ralph não inverte definitivamente conceitos – e nem pretende –, mas agrada, investindo num discurso que questiona os papeis que a própria narrativa “impõe” aos seus personagens. Quando questiona seu papel dentro da caracterização de seu próprio personagem, Ralph está questionando o ato do narrador em lhe atribuir essa característica, ou seja, ela está problematizando sua própria condição, seu papel naquela sociedade e tirando, momentaneamente, a máscara do vilão para colocar a de herói.  

Quando nos lembramos de Christopher Vogler e seu famoso livro A Jornada do Escritor, vemos que ele trata dos arquétipos diversos (Herói, Sombra, Pícaro, Aliado etc.)  não como papeis estanques e vinculados a determinados personagens, mas como máscaras que podem ser trocadas e/ou divididas entre os mesmos, lembrando que assim o fazemos na nossa própria existência. Somos heróis de nossas próprias histórias, por mais, em alguns momentos, outros nos enxerguem como vilões e vice versa.

09/01/2013

As Aventuras de Pi entre a fé e a religião



O que é a fé? Essa palavra tão curta nos liga a diversas discussões e sentimentos por séculos a fio, causando aproximações e guerras entre os homens. Quando assistimos a As Aventuras de Pi (Ang Lee, 2011), começamos a repensar o modo como as instituições religiosas começaram a tomar o lugar da fé genuína, aquela que nasce com o instinto humano de acreditar em qualquer instância que, de algum modo, lhe ofereça respostas às perguntas  universais: “o que estamos fazendo aqui?”, “quem somos?”, “para onde vamos?”... e assim por diante. E não somente para responder perguntas, mas, principalmente, para trazer a sensação de paz que o religar o homem a um estado de equilíbrio primordial para se viver bem. A fé ultrapassa as instituições que se preocupam mais em categorizar a fé e, dessa forma, domá-la dentro do espaço do cotidiano.
E o que há de especial na história de Pi Patel que revela estas nuances ao público? Ang Lee adapta o romance de Yann Martel para contar a história do menino indiano que morou a vida toda num zoológico e, dentro dele, começou a desenvolver sua fé em três das principais religiões da humanidade – hindu, cristã e muçulmana. De repente, este meso se vê na encruzilhada de ter de ir morar no Canadá por conta dos problemas financeiros que seu pai está enfrentando. Durante a viagem, acontece um naufrágio e Pi precisa sobreviver dividindo um pequeno bote com Richard Parker, um orangotango, uma hiena, uma zebra e um tigre, enfrentando, além da fúria deste último, a fome, a tempestade e a natureza.
Quanto ao roteiro do longa, ele dosa com qualidade certo humor, delicadeza e momentos mais dramáticos, tendo como ponto fraco somente o fato de trazer alguns personagens que não são usados em seguida – como a menina por quem Pi se apaixona, por exemplo. Com uma paleta de cores belíssima, a fotografia, a direção de arte e os efeitos especiais de Pi mostram-se os principais destaques do longa, compondo belíssimos quadros para os olhos do público. Enquanto isso, a edição aposta nas fusões que trazem à narrativa certa lentidão: se o começo do filme parece meio confuso pelo excesso e velocidade das informações, os momentos pós-naufrágio, creio eu, excedem-se na tentativa de trazer essa sensação de dias passados. Isto termina cansando o espectador em certo momento, mas quando longa se aproxima do final, ganha mais corpo e velocidade, chegando à tranquilidade e às emoções contidas do desfecho com a típica tranquilidade oriental.

(a partir daqui contém spoilers)

Quanto ao final do longa, com certeza, ele é o que rende maiores discussões pós-sessão, visto que não contente em fazer o relato de uma história de perseverança e sobrevivência, Ang Lee faz seu protagonista contar outra versão da história para os investigadores que lhe visitam no hospital – na verdade, não existem zebra, tigre, hiena ou orangontango, mas eles representam os humanos que teriam sobrevivido no barco junto com  Pi –, mas eles, na verdade, não passam de uma parábola sobre como o medo nos ajuda a superar adversidades. Atravessar o desconhecido nos faz conhecer mais a nós mesmos e realizar coisas que não imaginávamos, ou seja, conhecer mais o deus, as virtudes que existem dentro de nós mesmos. Quando escolhemos acreditar na história do tigre, estamos escolhendo a história que nos inspira, que nos leva para mais perto do que há de melhor em nós e, assim, um pouco mais perto de Deus.
Em suma, em Pi, ter fé não significa repetir ritos de forma mecânica como um meio de alcançar algum alívio de culpas absorvidas pelo discurso de outrem, mas quer dizer acreditar na sua força interior e na sua relação com a natureza, na experiência que um belo pôr-do-sol pode proporcionar para os olhos da alma, que o amor que pode curar feridas antigas... Que aquilo é eterno, muitas vezes, está no efêmero da nossa existência.

01/01/2013

A performance do existir em Holy Motors



Depois de uma sessão de Holy Motors (idem, Leos Carax, 2011), parece uma tarefa complexa tentar delinear o eixo de discurso que o diretor propõe em sua obra enigmática, mas justamente por essa conexão densa e intrincada de charadas que se mostra a habilidade de Carax.  O longa acompanha um dia na(s) vida(s) de Oscar, que transia entre vários papeis ao longo deste dia, sendo sempre conduzido em sua limusine por Céline, sua motorista. Nomear o trabalho de Oscar como performer seria deveras simplista, visto que as intervenções que este sujeito realiza atravessa a existência do seu público, que está entre ele e interage com ele de forma concreta.
A partir destas conjeturas, pode-se pensar: o que, de fato, pode ser considerado performance? Onde ela começa e termina? No momento em que estou escrevendo esse texto, não estou assumindo um determinado papel que me imprime certos dogmas, regras e condutas de forma consciente ou não? O que me distingue de Oscar é que ele doou deliberadamente sua existência em favor dos papéis que trabalha arduamente para interpretar, enquanto que eu os exerço com o mesmo nome, a mesma idade, o mesmo rosto, o mesmo corpo, a mesma alma.
Quando nos permite realizar este tipo de reflexão, Carax problematiza não somente o que entendemos como arte e existência e as nuances entre uma e outra dentro do filme, mas também nosso papel enquanto espectadores. O que estou vendo? Porque estou vendo? O que me leva a, conscientemente, conduzir-me a uma sala escura e iludir-me com as narrativas que estão impressas na tela grande? Que objeto de fascínio é este que se encontra na tela? Qual a função da ilusão pra mim? Iludimo-nos ao nos projetar no Outro, nesse protagonista que, na tela, podem ser os tantos em que Oscar se traveste – o assassino, o pai, o empresário, o louco etc. – por talvez desejarmos, por um par de horas, sermos outros que não nós mesmos. Seja belo ou grotesco, ou até mesmo extremamente comum, ser um Outro nos fascina.
Com um Denis Lavant que domina a tela com sua atuação visceral, uma fotografia que explora tantos os coloridos como os tons soturnos, uma trilha que ressalta as emoções do longa sem se sobressair, Holy Motors apresenta ainda uma montagem dinâmica que acerta ao não fazer o filme se perder por seu caráter episódico. A sensação e a beleza de estar em movimento – não somente pelo carro, mas pela própria vida – pulsa sem exageros e de forma fluente, com sua dialética entre o ser efêmero e eterno até o questionamento final: quem está vivo, afinal?

10/03/2012

Aprendendo a domesticar-se em Dimanche



Crescer em sociedade nos exige diversas coisas - capacidade de falar e ouvir, aprender etc -, mas provavelmente a maior habilidade que precisamos conviver é a de domesticar o nosso id. Abdicar de determinados desejos nos torna mais afáveis para o outro, claro, já que abrimos espaço para que esse outro entre e se estabeleça. Mas essa renúncia pode chegar num ponto em que deixemos de nos importar com qualquer coisa que nos dê prazer genuíno e nos limitamos a vidas miúdas, que nos conduzem ao mesmo lugar todos os dias.

Assistindo Dimanche (idem, 2011, Patrick Doyon), vejo linhas infantis e ingênuas em contraste com as cores mortas e penso: "Será que uma criança desenharia desse jeito? Jamais! Onde estão as cores da alegria desse rapazote?" Mas é justamente sobre isso que Doyon quer nos comentar: a melancolia de uma infância que, aos poucos, aprende a ignorar sua imaginação e seus sonhos mais íntimos em favor daquilo que é mais prático ou "real". O ritmo lento que o diretor imprime sobre sua narrativa ajuda a dar dimensão a essa relação de tempo esticado, assim como as desproporções entre o trem gigantesco que atravessa a pequenina cidade sem saber o que existe pela frente tornam concreta a sensação de "nanoexistência" daquelas pessoinhas.

Um curta agradável e que faz pensar. O que acham?


26/02/2012

Os traumas coletivos em Tão Forte e Tão Perto


Traumas coletivos sempre conduzem a uma repetição sem fim de histórias. Basta perguntar quantos filmes temos sobre o Holocausto, a Primeira Guerra Mundial ou sobre a ditadura militar no Brasil. Sempre aparece um novo ponto de vista sobre uma história antiga, o que às vezes cansa o espectador: “Por favor, criem uma Terceira Guerra para que parem de fazer filmes sobre a Segunda!”. Uma onda que começou no cinema independente – sempre ele – e que, aos poucos, está passando para o mainstream são os filmes sobre o 11 de setembro. Tivemos Vôo United 93, Torres Gêmeas de maneira mais direta e outros que trataram do tema de maneira mais subliminar.

Tão Forte e Tão Perto (Extremely Loud and Incredibly Close, 2012, Stephen Daldry) aproveita-se do sucesso que o livro vem fazendo para trazer às telas a história de Oskar, um menino que perdeu seu pai na tragédia e embarca em uma aventura pelos bairros da cidade por causa de uma chave que ele encontrou no armário. Afeito às investigações, Oskar começa a conhecer histórias das pessoas que encontra em sua empreitada, mas, ao mesmo tempo, afasta-se emocionalmente de sua mãe, sempre meio ausente quando observamos as lembranças que vemos que o menino tem do pai.

Equilibrando passado e presente, assim como as diversas histórias com que o rapaz entra em contato ao longo da narrativa, Daldry torna enredo e direção dinâmicos, assim como conduz sabiamente seu elenco, com especial atenção de Max Von Sydow e Viola Davis – esta que, a cada filme, firma-se mais como uma das melhores atrizes da atualidade. Sua única falha creio eu seria escalar Sandra Bullock como a mãe do menino, já que, quando a vemos na tela ausente em boa parte da narrativa, perde-se um pouco da surpresa, pois o espectador já prevê que ela terá um papel fundamental em algum momento. O filmes não excessivamente clichê e consegue capturar bem o espírito metódico e agitado do menino, às vezes, colocando o espectador dentro da mente do menino. É um filme que fica num meio termo entre filme infantil e adulto, mas que jamais causa incômodo por isso, pelo contrário, emociona e surpreende. Talvez um filme feito para crianças como Oskar, cansadas de histórias de sonhos e mais calcadas na realidade, mesmo que seja um filme menor de Daldry.

O Artista e a estética da limitação


Durante a sessão de O Artista (The Artist, 2011, Michel Hazanavicius), lembrei-me de uma conversa que tive com um amigo meu, que me falava sobre um aplicativo de celular que dava às fotos que se tirava com ele um aspecto semelhante às antigas câmeras soviéticas LOMO. Diante disso, ele conclui que o que antes era uma limitação das máquinas fotográficas terminou se tornando um estilo, possuindo uma estética particular e reconhecível.  O mesmo acontece com o cinema mudo, como iremos ver a seguir.

Esse filme versa sobre George Valentin, um ator de cinema mudo que se recusa a aderir ao cinema sonoro, que, na verdade, provocou a ascensão de outros artistas que revelaram outras habilidades diante da tela: canto, dança e belas vozes. Uma destas artistas é Peppy Miller, que se antes era objeto de afeto do protagonista, termina se tornando sua salvação, ao usar de seu prestígio para permitir que George suba novamente na carreira.

Com esse enredo simples, encontramos o clássico Cantando na Chuva, que partia do mesmo pressuposto, mas era, antes de tudo um musical, fazendo da proposta de Michel Hazanavicius ainda mais ousada. Afinal, quem assistiria a um filme mudo e francês no cinema hoje em dia, excetuando-se as sessões de Chaplin, Keaton e Lloyd em festivais de cinema por aí afora. E o trabalho de direção é notável, pois consegue empregar todos os elementos característicos deste cinema a seu favor: as cartelas com os diálogos, a interpretação pantomímica dos atores (algo raro até mesmo no teatro, que tem procurado uma estética cada vez mais realista), a trilha sonora onipresente e quase ilustrativa e a montagem que deixa os planos durando mais tempo do que nos acostumamos.

Todos esses elementos reproduzem bem o estilo da época e criam no espectador uma viagem a uma época que não existe mais, onde o cinema era mais inocente, em que nossas únicas preocupações eram contar histórias. Por mais que pareça uma experiência mais estética do que propriamente de entrar em contato com um conteúdo novo e com pouco a oferecer, depois de sair da sala de cinema, passei a prestar mais atenção nos sons à minha volta, assim como a uma arte que, durante muito tempo, terminou se tornando mais do mesmo pra mim. Lembrar dos momentos em que, aos dez anos de idade, descobri Chaplin num especial da Rede Globo de 1995foi uma grata experiência.

Tudo pelo Poder - Um estudo de personagem




Desde os primeiros minutos de Tudo pelo Poder (The Ides of March, 2011, George Clooney), sabemos que se trata de um filme sobre os bastidores da política, mais especificamente, sobre as eleições primárias entre dois candidatos, Morris e Pullman. Como não sou uma pessoa tão conectada à política, sempre fico meio pé atrás com enredos políticos, pois sempre acho que não entenderei nada do que estarei assistindo, mas interessante é perceber uma dúvida: não sei se fui eu que amadureci ou se Clooney conseguiu tornar os jogos políticos mais claros, por que Clooney trata tudo de maneira muito objetiva e clara.

Desde que começou a dirigir, Clooney sempre toma atitudes bastante sábias, mas uma delas sempre foi essencial: ele sempre soube escolher elenco e soube conduzi-lo da maneiras mais natural e humana, enquanto que escolhe os roteiros menos óbvios, geralmente optando pelo estudo de personagens. Foi assim com Confissões de uma mente perigosa, com Boa Noite e Boa Sorte e acontece nesse Tudo pelo Poder, ainda que em uma escala menor que seus longas anteriores. O roteiro tem diálogos excelentes e uma trama que se configura como um estudo contemporâneo sobre a lealdade – ou a ausência dela.

O grande trunfo do filme tem nome e sobrenome: Ryan Gosling, que, assim como Paul Giamatti e Philip Seymour Hoffman, não surpreende mais o espectador. Sempre que vemos seu nome no cartaz, temos a certeza de encontrar uma atuação excelente, independente do tamanho do papel que interpretar. E ele consegue ser um personagem que nos cativa desde o primeiro momento - esperto, inteligente e talentoso -, o que dá  a Clooney a ferramenta ideal para transformar o personagem no que quiser e fazer com que espumemos de ódio ou pena, e, ainda assim, trate esse trajetória com coerência.

Missão Madrinha de Casamento: Comédia de Fêmea?


“Comédias de macho” sempre povoaram a cinema, particularmente o público adolescente que ansiava por histórias sobre perda de virgindade e muita curtição, mas o público adulto tem conseguido, nos filmes de Judd Appatow atingir a esse público, que são os adolescentes crescidos dos anos 80. Filmes como Se Beber, Não Case, Penetras Bom de Bico vem atender a um público específico, mas ainda faltava às mulheres terem filmes que falassem do seu universo de forma menos açucarada, como Sex and the City.

Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011, Paul Feig) surpreende justamente por ser um filme que lança um novo tipo de produto nesse mercado: comédias grosseiras com doses muito fortes de “vergonha alheia” para e com mulheres. O romance da vez não é entre a mulher independente e o sujeito arrogante, mas entre duas amigas, Annie e Lilian. Quando esta anuncia que vai se casar, a amiga logo fica com inveja, mas apoia sua amiga em todos s momentos, mas também passa a competir com outra candidata a melhor amiga, Helen, que planeja como ninguém os casamentos de suas amigas. A partir desse mote simples, o roteiro destrincha não somente situações hilariantes, mas principalmente, personagens completamente opostos que se complementam. Por mais que sejam estereótipos de mulheres – a grosseirona, a rancorosa, a Disney, etc. -, Wiig assume esses estereótipos e destila bastante escatologia na amizade feminina, algo mais frequente na cinematografia masculina.

Esse roteiro corajoso e um elenco soberbo se torna o maior destaque do longa, já que cada uma delas assume seu estereótipo com unhas e dentes, formando um elenco divertidíssimo. Melissa McCarthy, interpretando Megan,             que, se no momento em que entra na história, parecia uma lésbica que daria em cima de Annie, com o tempo vai se tornando um personagem mais presente e essencial para o crescimento do filme. A atriz se destaca dentre todas as outras, mostrando o porquê de sua indicação ao Oscar em um ano mais fraco para coadjuvantes. Uma boa pedida para um sábado à noite entre garotas.