22/02/2011

Da impossibilidade do diálogo - Luzes na Escuridão



O ser humano é um animal essencialmente social, ou seja, age através da linguagem, dos signos, ou seja, é um ser que vive em função da comunicação, do contato com o outro, seja verbal ou não-verbal. Ao assistir o longa Luzes na Escuridão (Laitakaupungin Valot, 2006), o espectador sente um estranhamento que exige dele uma necessidade de um agir comunicacional com a própria obra, como uma maneira de suprir as carências de diálogo que seus personagens possuem.

Contando a história de Koistinen (Janne Hyytiäinen), um homem solitário que trabalha como guarda-noturno em um shopping center de Helsinki e tem pouquíssimos amigos e, mesmo com eles, trava uma relação desconfiada. Certo dia, Koistinen conhece Aila (Maria Heiskanen), por quem se apaixona e através da qual uma quadrilha de gângsteres se aproveita de sua paixão e sua posição como vigilante para tramar um assalto a uma joalheria do shopping, incriminando Koistinen. Com essa trama simples, Kaurismaki destila uma crítica à impossibilidade de um contato verdadeiro na sociedade contemporânea, onde os personagens parecem viver em uma “supra-realidade”, onde os silêncios teatrais e os olhares desconfiados se fundamentaram como base de uma comunicação torpe, mesmo sendo a única que conhecem. Filmando de uma maneira convencional que lembra os filmes das décadas de 50, o diretor emprega planos estáticos com poucas movimentações e uma edição antiquada baseada no simples “plano-contraplano” de uma forma que desestabiliza o espectador ávido pelo ritmo frenético e pela câmera na mão comumente usadas no cinema moderno.

Se a linguagem cinematográfica opta pelo convencional, o mesmo não pode se dito em relação ao trabalho do elenco, pois seus intérpretes caminham na contracorrente da estética cinematográfica tradicional: o rosto frio, quase inexpressivo dos atores, denota uma carência – ou até ausência - de alma na maneira como tratam uns aos outros. Formando algo como telas em branco que o público possa preencher com sentimentos e expressões que venham dele mesmo, o trabalho dos atores nos permite questionar o sentido ou até mesmo a existência de um diálogo real, efetivo na nossa sociedade. Por mais que se dirijam ao outro, todos parecem falar exclusivamente consigo mesmos, como se perguntassem a si mesmos qual a razão de um mundo tão verborrágico como o nosso. 

De onde vem essa overdose de comunicação? Qual o valor do olhar e, principalmente, do gesto na restauração das mazelas que carregamos por tanto tempo? A cena final traz de volta essa esperança, por que sempre precisamos dela para seguir em frente, por mais que não acreditamos piamente naquilo que a redenção nos promete. 
 

20/02/2011

Um Homem Que Grita - O Silêncio da Inutilidade



Um homem costuma se definir por aquilo que faz - engenheiro, radialista, ator etc - ao invés de reconhecer as qualidades que possui, independente da sua ocupação. No longa Um Homem Que Grita (Un Homme Qui Crie, 2010), não se ouve em nenhum momento a voz do seu protagonista em um tom mais alto do que o natural, mas sentimos seu grito sufocado pela posição que um pai deveria ocupar em uma situação como a sua. O homem liga-se muito mais facilmente ao "fazer" do que a mulher, o que causa um enorme sentimento de vazio e inutilidade quando ele se encontra sem trabalho - algo que foi bem explorado no longa As Confissões de Schmidt (About Schmidt, 200_), de Alezander Payne, que tratava sobre as consequências da aposentadoria na mente masculina.

Adam (Youssouf Djaoro) tem 60 anos de idade, é ex-campeão de natação, e há 30 anos trabalha como guardião de piscina de um hotel de luxo situado no Chade, na África. Contudo, começa a ocorrer a privatização do estabelecimento e ele se vê obrigado a ceder sua vaga para seu filho Abdel (Diouc Koma), situação que o incomoda bastante por ver nela um declínio social. Durante muito tempo, Adam se estabeleceu como o empregado da piscina - como ele mesmo afirma em certo momento, "a piscina é a sua vida" -, onde podia observar as pessoas vivas diante dele, fossem jovens ou adultas, mas que lhe dava prazer de estar ali. Quando passa a ser porteiro do mesmo hotel, sente ao mesmo tempo o vazio de ser "mais um" personagem invisível daquele estabelecimento, cuja única serventia é abrir a passagem para carros conduzidos por motoristas com janelas fechadas.

Mas o que choca o espectador, na realidade, é decisão que o protagonista toma a fim de resgatar sua posição como guardião da piscina: como seu país passa por uma guerra civil, Adam precisa ajudar o governo com dinheiro ou enviando seu filho para que lute pelo país. Assim, ele toma a decisão de enviar seu filho para a guerra como uma maneira de também recuperar seu cargo na empresa, mas viverá a culpa de destruir sua própria família até que aconteça sua redenção ao final do longa. Mahamat-Saleh Haroun constrói um longa que explora a intimidade de seus personagens com naturalidade, investindo em extremos close-ups que tentam nos colocar quase dentro de suas mentes, deixando-nos à vontade para tomar partido pelas decisões que eles tomam. Seu elenco trabalha de forma sutil e delicada, com um trabalho que beira ao documental, mas com uma certa dose de poesia que surge insuspeita mesmo diante de atos tão questionáveis.

Inverno da Alma e a aridez do humano



Contando sua história na região Centro-Oeste dos EUA, Inverno da Alma (Winter's Bone, 2010) encontra um elemento humano que se instabiliza entre o urbano e o rural, formando uma rede de conexões de uma terra sem lei, em que Ree Dolly (Jennifer Lawrence) inicia sua caçada por seu pai no submundo do crime, depois que a polícia o declara foragido. Em sua procura, Ree tem de encarar a vida que o pai - um traficante de drogas - deixou para trás, enquanto tenta encontrar respostas para o que lhe aconteceu e uma maneira de não deixar a família entrar em colapso. 

Acostumamo-nos a ver um Oeste fervente nos espaços, porém nesta obra essa aridez surge dentro dos personagens, como se a ruralidade tivesse feito emergir um ódio inconsciente do outro, uma incapacidade de ser cordial sem que isso lhe traga algum benefício. Ree tenta a todo custo encontrar seu pai e, posteriormente, encontrar seu corpo morto a fim de manter sua casa e sua família debaixo das suas asas, por mais que tenha de enfrentar os desgostos e a violência das pessoas que lhe cercam, pois sabe que seus irmãos são os bens mais preciosos que ela poderá ter nessa vida dolorida.

Observando o excelente trabalho do elenco, Jennifer Lawrence compõe uma Ree forte, mas deixando que o espectador conheça a humanidade dessa mulher que aprendeu a sobreviver incólume num ambiente que lhe força sempre a se destruir. Assim como Lawrence, Hawkes parece, a princípio, um monstro em forma de gente, mas, posteriormente, conhecemos sua faceta mais humana, porém não com algum momento choroso, mas deixando que o próprio personagem aja naturalmente conforme essa fragilidade.

Granik orquestra todo esse elenco dentro de um roteiro que, por jogar o espectador abruptamente naquele universo sem conhecer suas regras, deixa-o desnorteado à procura de alguém em quem confiar nessa rede imprevisível de atitudes e sentimentos. Como por vezes, acontece nas nossas vidas complexas e intrincadas, sem floreios ou lições de moral.

Buitiful e a beleza da morte



O diretor mexicano Alejandro Gonzalez Iñárritu tornou-se conhecido por histórias que revelam a dureza do ser humano diante de um mundo que parece lhe exigir sempre um posicionamento de ataque. Geralmente mesclando, através de uma edição não-linear, três núcleos de histórias que, de alguma forma se conectam uns com os outros através de suas diferenças, em Biutiful (Biutiful, 2010) ele se renova ao abolir seu estilo narrativo ao centralizar a narrativa em um único protagonista, deixando que os outros núcleos – formado pelos grupos familiares de chineses e negros – complementem o ponto de vista que ele escolheu.

Ele conta a história de Uxbal (Javier Bardem), pai de família que coordena vários negócios ilícitos - que incluem a venda de produtos nas ruas da cidade e a negociação do trabalho de um grupo de chineses -, além de possuir o dom de falar com os mortos e usar esta habilidade para cobrar das pessoas que desejam saber mais sobre seus entes que partiram há pouco tempo. Uxbal precisa conciliar sua agitada vida cuidando de seus dois filhos – Ana e Mateo -, já que a mãe deles, Marambra (Maricel Álvarez), é instável. Até que, após sentir fortes dores por semanas, ele resolve ir ao hospital, onde descobre que está com câncer e que tem poucos meses de vida.

Deleitando-se no trabalho de Javier Bardem e de Maricel Álvarez, sua acompanhante em cena, Iñarritu compõe um longa sobre a necessidade de se reinventar diante da morte, como um renascimento para o mundo que tanto lhe oprimiu outrora. Uxbal vive em um mundo difícil, em que não pode confiar na própria mulher e não pode deixar que seus filhos fiquem sozinhos depois que morrer: ele precisa olhar para dentro da própria morte para conseguir, enfim, encontrar alguma paz. Em um momento singular do filme, a câmera na mão consegue registrar a autêntica emoção no instante em que Ana descobre que seu pai vai morrer: ao ver o pai cada vez mais doente, ela lhe perguntar o que está acontecendo e ele lhe confessa que não tem muito tempo de vida pela frente. Ele, então, olha fundo nos olhos da menina e lhe fala algumas palavras, mas com um sentimento tão forte que parece transcender a tela e alcançar o espectador em cheio, podendo-se ouvir claramente até a batida forte do coração dos atores em cena.

Sem utilizar os maneirismos visuais e narrativos que se acostumou a fazer, Iñárritu permitiu que a força de seus personagens, atores e história falasse por si mesma, não deixando que sua mão pesada tomasse as rédeas e quem sabe, entornasse o caldo da mistura deliciosa que preparou para seu público, que reage praticamente indefeso diante de uma beleza insuspeita na obra de uma cineasta que se acostumou a ver um mundo tão duro no horizonte.

19/02/2011

III Festival do Júri Popular - Competitiva 04

 
Eu Não Quero Voltar Sozinho (Daniel Ribeiro, 2010)

Tenso como base um relacionamento amoroso na vida de um deficiente visual, o diretor poderia facilmente cair no estereótipo de tornar a doença uma questão que dificultaria sua concretização, mas prefere direcionar seu olhar sutil para as pequenas situações que essa condição traz para um adolescente. Leonardo apaixona-se pelo colega de classe recém-chegado, mas em nenhum momento, questiona se o rapaz gostaria dele mesmo sendo cego ou se culpabiliza por esse fato. Ele, na verdade, passa por situações que qualquer um de nós faria se estivesse na mesma condição: pergunta a amiga como é a aparência do rapaz ou se ele mesmo é bonito, ele não vê a tristeza da amiga ao confessar a ela os sentimentos que tem pelo rapaz e, ao final, não vê que foi seu amado quem lhe deu o primeiro beijo. Ao invés de ironizar tais situações, o roteirista e diretor Daniel Ribeiro opta por extrair delas sua poesia, tornando sua história de amor universal, independente de qualquer particularidade que possa apresentar.


Transcomunicação (Arthur Tuoto, 2010)

Utilizando de imagens distorcidas a fim de questionar a representação através da própria imagem, seu diretor realiza um trabalho metalinguístico com uma discussão implícita no simbolismo que, se não permite ao espectador um tráfego sentimental, atinge certamente  atmosfera reflexiva sobre o aparente poder da imagem de "dizer" quem nós somos.


Fábula das três avós (Daniel Turini, 2010)

Iniciando seu enredo no instante em que a protagonista percebe que não tera mais sua mãe por perto, o curta de ____ traz um verniz infanto-juvenil ao propõr um passeio pelo fantástico através da figura de Ora Ora Ora, que, semelhante ao coelho da famosa história de Lewis Carroll, conduz nossa heróina mirim para encontrar sua verdadeira avó depois de passar por alguns "transtornos" com suas outras avós bizarras. Com fotografia e enquadramento belíssimos e um excelente trabalho de direção de arte e figurino, o diretor conduz um elenco que se desequilibra entre o natural e o teatral para contar uma história que trata da morte como algo negativo, a princípio, mas termina por mostrá-la ao final como algo necessário, por mais que não se queira encontrá-la.


Nalu (Stefano Capuzzi Lapietra, 2010)

Contando com uma trilha sutil e imagens marcantes - principalmente o plano sequência ao final -, o trabalho de ___ deixar o espectador adulto com resquício s de uma nostalgia por uma infância vivenciada com certa singeleza e poesia. Pensar em uma época em que brincar no mar era tarefa para um dia inteiro nos faz relfetir sobre como temos levado nossas vidas: na sobrevivência ou, de fato, na vivência.


Formigas (Caroline Fioratti, 2009)

Baseando-se em fatos ocorridos após a Segunda Guerra Mundial - a derrota do Japão divide a comunidade japonesa em dois grupos radicais que ameaçam aqueles que revelarem que a guerra acabou -, __ equilibra momentos de tensão e alívio ao conduzir a história de uma família japonesa residente no Brasil que, na mesma medida em que precisa enfrentar a infestação de formigas em sua plantação, espera por uma morte anunciada pelos seus próprios compatriotas. O olhar pueril diante da iminente ameaça que o pai recebe deixa o espectador livre da tensão típica do drama, permitindo surgir uma poeticidade e uma singularidade que definem bem a personalidade do trabalho.


Mídia Obsoleta (André Sicuro, 2010)

Tendo como cenário um novo mundo, ___ cria um video protesto que enfatiza o aparente primitivismo da nossa tecnologia diante de um um universo que se recriou à sua própria maneira. Usando uma máscara que remete, de alguma forma, às tradições primitivas dos aborígines, a criança que repete insistentemente "mídia obsoleta" ao longo do curta e destrói fitas de VHS, CDs e toda sorte de mídias talvez não compreenda plenamente a reverberação do que diz, mas o espectador, por mais desgostoso que saia da sessão, jamais esquecerá do paradoxo do alerta que recebeu: quem ou o que de fato permanece em um mundo que sempre se recria?


Intervalo (Alexandre Rafael Garcia, 2010)

Com referências a um observacionismo típico dos documentários, este curta não possui uma trama específica, mas traços de uma história que percorre os intervalos das aulas de um colégio secundarista. Nele, estão presentes os exercícios físicos, as fugas dos rapazes, as brigas de namorados, os desentendimentos, mas todos esses elementos sem nenhum desenvolvimento em particular, exceto por uma repentina briga entre colegas que termina por quebrar a linearidade de um trabalho que permanecia na letargia das relações daqueles adolescentes, como se fosse um grito de alerta para aqueles que não percebem que estão vivos.


RAZ (André Lavaquial, 2010)

 Apropriando-se do tema da arte como uma forma de expressão e contestação, este curta desloca a intenção original do diretor – tratar dos adolescentes romenos que cantam nos metrôs em Paris a fim de sobreviver – para outra realidade: as favelas no Rio de Janeiro. Enquanto luta para construir uma vida diferente para si mesmo, RAZ perde seu rádio no meio da cidade e encontra, através das estátuas vivas, outra ferramenta - uma vitrola e discos de vinil - que pode lhe proporcionar a sobrevivência. Com imagens que mesclam sonho e realidade com muita propriedade, Lavaquial realiza uma jornada musical por diversos ritmos ao longo de um dia na vida de um adolescente que deseja simplesmente sair, escapar de uma vida de desconforto e melhorar. Contudo, talvez seu impacto fosse maior se sua proposta original fosse executada, já que esta estratégia de sobrevivência já se tornou usual no Brasil, mas observar este tipo de trabalho na França é algo diferente e que causaria um estranhamento que favoreceria a mensagem do curta.

18/02/2011

III Festival do Júri Popular – Competitiva 03



 Garoto de Aluguel (Tarcísio Lara Puiati, 2009)

Tratando da exploração do corpo humano de diversas formas, este curta emprega uma edição não-linear que quebra a expectativa e “desterritorializa” a percepção temporal do espectador, como se o conduzisse para uma esfera onde a lógica permanece sempre sendo quebrada pelas tentativas de posicionamento emocional. A câmera na mão e a fotografia granulada em alguns momentos conseguem ser os maiores destaques que peca pelos diálogos nonsense que dispersam a narrativa ao invés de concentrá-la, algo enfatizado pelos atores que pouco mergulham na sua arte de maneira satisfatória, permanecendo na superfície dos estereótipos.

Como é bonito o elefante (Lucas Barbi e Juruna Mallon, 2010)

Influenciado pelo naturalismo intimista que tem tomado conta da cinematografia européia, este curta acompanha o retorno de sua protagonista ao seu lugar de origem, mas com uma profunda sensação de distanciamento em relação ao lugar que um dia deixou, como se ele não lhe pertencesse mais ou vice-versa. De modo aparentemente simples, mas que reserva boa dose de reflexões existenciais, os diretores conseguem conduzir o espectador por essas emoções e questionar a própria sensação de ocupar um lugar no espaço e as consequências emocionais desse fato.


Peixe Pequeno (Vincent Carelli e Altair Paixão, 2010)

Caminhando por dentro do cotidiano de uma aldeia indígena, o diretor leva o espectador por um passeio ligeiro e leve sobre as mudanças nos hábitos dos seus residentes: enquanto os mais velhos se ocupam com a pescaria, vemos as crianças e adolescentes ansiando e brigando por mais um gole de Coca-Cola, o menino que aprende a vestir uma camiseta e outras imagens que nos levam a refletir sobre a aceitação de mudança na cultura aborígene. O que será que acontece quando hábitos de outros lugares transitam por um lugar que antes foi intocado: a agregação ou substituição de uma cultura pela outra?


Fantasmas (André Novais Oliveira, 2009)

Mostra-se como um convite à intimidade de dois amigos, que, partindo de uma conversa banal, terminam por conduzir o espectador por um caminho onde a dor/desejo do protagonista revelam-se através do que não está na tela, mas que se espera que esteja. Questionando a relação do homem com a imagem de maneira simples, mas ao mesmo tempo reflexiva, o espectador, ao final do curta, percebe que nem sempre a história precisa acontecer diante da câmera, mas em torno dela.


Haruo Ohara (Rodrigo Grota, 2010)

Focando na reconstituição das fotografias do artista japonês Haruo Ohara (1909-1999), este curta concebe belos quadros vivos com uma fotografia belíssima que leva o espectador ao prazer do olhar. Com um roteiro que pouco explica sobre seu objeto de estudo, mas prefere deixar que o espectador o sinta, termina deixando o público que não conhece o trabalho do fotógrafo um pouco perdido na proposta do diretor.


A Inventariante (Patricia Francisco, 2010)

Sugerindo um aparente frieza do processo de inventariar os objetos pertencentes à avó e que agora lhe forma entregues por herança, a protagonista conduz o espectador na criação de suas próprias lembranças, tentando compartilhar o significado que aqueles objetos tem para ela. A melancolia de Chopin, no entanto, termina sendo relegada à tarefa ingrata de emocionar o espectador que não consegue se envolver de fato com a proposta da diretora, justamente, por não conhecer o valor simbólico destes bens. Talvez somente aqueles espectadores que tenham recebido heranças emocionais de entes queridos que terminaram indo embora e deixando signos desses momentos que um dia compartilharam.


Recife Frio (Kleber Mendonça Filho, 2009)

Baseando-se nos cinejornais do início do século XX, Kleber Mendonça Filho realiza um mockumentary com toques de ficção científica ao propor imagens e depoimentos de uma situação particularmente nonsense, se vista nos dias atuais: o Recife como uma cidade onde as mudanças climáticas terminam por mudar toda sua concepção como lugar tropical. O humor nonsense do diretor traz cargas de um Monty Python mais contido, mas que se universaliza ao trazer à baila ícones reconhecidos tanto local como globalmente. Uma sessão divertida e que também carrega em si um pouco de crítica social sutil

17/02/2011

III Festival do Júri Popular – Competitiva 02


 Ela veio me ver (Essi Rafael, 2010)

Uma atípica comédia romântica por não seguir estritamente a cartilha que contem todos os clichês do gênero, este curta une dois adolescentes indecisos e inseguros a respeito de seu atrativos e do amor do outro. Equilibrando com certo humor a aparente banalidade do enredo, Rafael não consegue extrair dos atores uma grande interpretação, mas realiza belos enquadramentos e emprega soluções gráficas inventivas e adequadas ao universo que ele construiu, que capturam bem os momentos de singeleza e reflexão que os protagonistas atravessam.


Geral (Anna Azevedo, 2010)

Equilibrando um tom observacional com alguns depoimentos que injetam mais humanidade no retrato a que se propõe, Anna realiza um curta-metragem que conquista pela possibilidade de realizar um outro olhar sobre o ritual do jogo de futebol: as reações da torcida. Enquadrando imagens tensas e cômicas, a diretora celebra as componentes de um rito que universaliza todos os seres que comungam dos diversos sentimentos que o constituem com destreza e perspicácia.



Izamara (Diogo Hayashi, 2010)

Utilizando-se de um traço denso e tenso que, além do preto e branco, traz à tona uma animação quase palpável, Hayashi mostra um cotidiano sujo e solitário permeado por uma nostalgia pelo outro que se foi. Com planos mais longos do que o habitual e sons do cotidiano que criam com propriedade uma sensação lúgubre, o tempo parece se dilatar na tentativa de prolongar ao máximo a intensidade com que o protagonista estagna-se naquela atmosfera decrépita. A ausência de expressão dos atores permite ao espectador inferir a respeito do que, de fato, estava em jogo naquelas sensações: desprezo ou alívio pela mulher que um dia volta para onde estava?


O Som do Tempo (Petrus Cariry, 2010)

Na sequidão nordestina, o espectador mergulha sem medo na realidade miúda que o diretor exibe através de uma inspirada paleta de cores e monocromias e uma sonoridade quase sólida de tão presente, composta pelos sons diegéticos. O aparente vazio do sertão preenche aqueles que nele vivem com uma infinidade de tempo, enquanto que, aqueles que habitam na verve urbana, permitem-se esvair suas vontades diante de uma metrópole que parece lhes oprimir. Sem se prender ao ambiente sertanejo onde se fundamenta, o curta se universaliza ao deslocar sua câmera pelo mínimo, pelo zoom extremo ao cotidiano, onde sons e ritmos triviais compõem uma sinfonia sobre a própria passagem dotempo: ele não nos pertence, mas somos nós que caminhamos por sua estrada.


147 (Marcelo Tannure, 2010)

Embasando-se no gênero anedota, Tannure compõe uma animação 3D despretensiosa, que se pauta em interpretações cativantes e uma trilha sonora divertida a fim de trazer o espectador para um universo onde o descabido e o estrambólico tornam-se chave mestra para extrair o humor. Mesmo que seja mais curto do que o imaginado, torna-se agradável perceber como ele não estende seu enredo para além do necessário, mas conseguindo ser preciso em sua formatação.


Tempestade (Cesar Cabral, 2010)

Empregando técnicas de stop motion, Cabral conta a história de um navegante solitário que parte em um barco em busca de sua amada e precisa enfrentar uma tempestade a fim de cumprir seu intento. Com imagens muitíssimo bem construídas e um design de som perfeito, o curta ainda se utiliza de uma trilha sonora que reforça o aspecto melancólico de um quadro que parece estar vivo diante do espectador. Mesmo desesperançado ao não conseguir cumprir sua missão, o navegante se entrega à deriva de um amor vivenciado e o desejo do reencontro.


A Noite por Testemunha (Bruno Torres, 2009)

Realizando a reconstituição de um fato que chocou o Brasil, o curta de Bruno Torres mescla presente e passado através de atuações naturalistas e uma edição não-linear que compõem um quadro tenso da juventude niilista que terminamos criando. Se a voz do diretor “aparece” no tom policialesco de alguns momentos, deve-se à tentativa de forçar uma “moral/ironia” para o que acontecia, algo desnecessário quando toda a mensagem estava mais do que explícita através de tudo o que ele havia construído.

16/02/2011

Tetro e o renascimento de um artista



Realizador de grandes épicos humanos como O Poderoso Chefão e Apocalipse Now, Francis Ford Coppola procurava equilibrar retratos de pessoas que tinham escolhas complicadas em sua vida com grandes acontecimentos, geralmente ligados ao confronto do outro – seja guerra, máfia ou a investigação.

Em Tetro (idem, 2010), seu mais recente trabalho, o diretor transborda tensão e sentimentalismo em uma Argentina atemporal para pôr em cheque as lembranças que tinha de seu irmão, compondo seu filme mais autobiográfico até o momento. Ele conta a história do ingênuo Bennie (Alden Ehreinreich), de 17 anos, que chega a Buenos Aires devido a um problema no navio onde trabalha. Ele aproveita o ocorrido para encontrar seu irmão mais velho, Angelo (Vincent Gallo), que resolveu tirar um ano sabático para escrever e nunca mais entrou em contato com a família. Bennie consegue encontrá-lo, mas Angelo não é mais a mesma pessoa: ele abandonou seu nome de batismo e agora atende apenas por Tetro, tendo se tornado uma pessoa de temperamento difícil e que esconde seu passado. Entretanto, o período em que Bennie vive com ele e sua namorada Miranda (Maribel Verdú) faz com que relembre experiências do passado, como o acidente de carro que vitimou a mãe de Tetro, assim como o relacionamento difícil deste com o pai.

Tetro tentou durante muito tempo escrever a “obra” de sua vida, no período em que esteve internado em um hospital psiquiátrico, quando, descoberto por Miranda, foi arrebatado para uma existência de isolamento, através da qual somente sua amada possui a chave. No entanto, Bennie tem o desejo e a insistência de participar de fato da vida do irmão e, por fim, conhecê-lo, o que vai fazer através da “obra” que seu irmão demorou tanto tempo para escrever e que terminou abandonando. Trazendo-a à tona através de um grupo de teatro burlesco, Bennie tenta atrair os holofotes para o irmão e, quem sabe, salvá-lo de sua tentativa de ostracismo.

Com uma belíssima fotografia, enquadramentos precisos e uma edição fluente e um elenco competente, Coppola constrói com firmeza e cada personagem, assim como consegue escolher e conduzir bem seus intérpretes, mesmo que escorregue no melodrama em alguns momentos. Parecendo ter sido influenciado pelo estilo brega e exagerado do teatro que homenageia em certos momentos do longa, Coppola, no entanto, parece escorregar em uma reviravolta almodovariana para sua história, levando o espectador para um estranhamento diante do que acabou de presenciar.

Parece que estamos diante do renascimento de mais um autor e todo renascimento pede alguns passos tortos, imprecisos, até que se consiga firmar uma obra completa.

III Festival do Júri Popular – Competitiva 01


 Angeli 24h (Beth Formaggini, 2010)

Contando com uma edição dinâmica que se alterna em momentos velozes e lentos para compor um cenário aparentemente caótico que tenta traduzir as sensações do criar que Angeli sente na sua criação. O famoso cartunista comenta as influências para sua arte – em sua maioria, Laerte e, estranhamente, Bob Dylan - e as mudanças que experimentou ao longo de sua trajetória - como a chegada da maturidade e a decisão de matar personagens icônicos como Rê Bordosa. A sensação do espectador ao final do curta é de uma saudade compartilhada, como se fossem pouquíssimos minutos para falar de um artista e uma obra que influenciam e são influenciada pela sociedade veloz e fragmentária, mas principalmente pelos tipos que ele encontra na rua, como ele mesmo.


A Dama do Peixoto (Douglas Soares e Allan Ribeiro, 2010)

Há pessoas que deixam sua marca em outras pessoas, em situações e em lugares, como a personagem título deste curta singelo e cativante, em que depoimentos de diversas pessoas de um bairro de Copacabana atiçam a imaginação do público a respeito de uma mulher que freqüenta assiduamente a praça do lugar. Sem vermos nem o rosto dos depoentes nem da senhora em questão, a diretora utiliza-se de uma edição simples, porém fluida, de diversas imagens da praça a fim de que o espectador crie em sua mente uma imagem particular e única da controversa mulher que, por suas atitudes e comentários, marca o cotidiano daquelas pessoas... e, por fim, o nosso.


Amigos Bizarros do Ricardinho (Augusto Canani, 2009)

Ressaltados através de um cotidiano comum de uma agência de publicidade – mais especificamente, o trabalho do arte-finalista -, os elementos excêntricos que o estagiário da empresa traz para os outros empregados terminam por resgatar um caráter humano que havia se perdido ao longo do tempo naquele lugar. Se o restante do elenco consegue ser apenas “correto”, a fragilidade bem humorada do protagonista cativa o espectador desde o início, deixando nas mãos de Canani um roteiro enxuto e bem desenvolcido, uma edição criativa e uma trilha sonora marcante que conseguem extrair humor leve e uma sutil reflexão no espectador sensível.


Só mais um filme de amor (Aurélio Aragão, 2010)

Composto por videos caseiros feitos em câmeras digitais, Emanuel e Gabriela se utilizaram da tecnologia para enviar “cartas de amor” audiovisuais um para o outro desde o momento em que precisaram se separar – ela, em Paris; ele, no Rio de Janeiro – até o inevitável reencontro de ambos seis meses depois. Passando pelos momentos de descontração diante da câmera – onde a intimidade compartilhada se fazia presente através de performances bem-humoradas de ambos – e encarando o vazio de um distanciamento de diálogo, Aragão mescla com fluidez as imagens e os depoimentos dos personagens, conquistando o espectador com a imagem que denota o reencontro dos dois.


Contagem (Gabriel Martins e Maurilio Martins, 2010)

Sendo desenvolvido através de uma edição não-linear, este trabalho encara quatro pontos de vista sobre uma história onde nada consegue ficar muito claro para o espectador. As virtudes e vicissitudes de seus personagens ora transparecem ou se escondem através de uma obra que engana o espectador inicialmente ao mostrar uma mudança repentina através do acaso, mas em seguida exibe uma intenção por trás deste mesmo acaso. Com boa fluência na montagem, a direção de atores não surpreende, mas consegue resumir bem o principal mote do curta: nenhuma ação está isenta de intenção ou responsabilidade: basta que conheçamos o ponto de partida de uma para tentar compreender seu efeito.

III Festival do Júri Popular – Mostra Hors-Concours


Eletrodoméstica (Kleber Mendonça Filho, 2005)

Tratando da gradativa humanização dos objetos inanimados do nosso cotidiano e da nossa conseqüente desumanização diante da obsessão pela maquinaria, o curta, com certa dose de sutileza e bizarrice, mostra como os eletrodomésticos deixam de ser somente extensões do nosso corpo, mas influenciam diretamente em nossas escolhas e atitudes. Com uma edição fluida e um roteiro bem desenvolvido, o cinema ao mesmo tempo simples e simbólico de Mendonça Filho universaliza o dia-a-dia chinfrim e brega da dona de casa adicionando o excêntrico como algo banal e, de certo modo, compreensível.


Vida Maria (Márcio Ramos, 2006)

No imenso plano sequência de que se compõe o curta, percebe-se como a vida sertaneja caminha por um movimento perpétuo onde a paradoxal estase do lugar dita o tamanho e a trajetória dos sonhos e dos desejos de seus habitantes. Enquanto a letra e a identidade poderiam nos levar para outros lugares e realizações, as carências terminam por construir um muro tão grande diante de nossas casas que não conseguimos enxergar além da terra seca e dos animais famintos. Além desta, tantas outras Marias, mães e mulheres viveram, vivem e viverão esta mesma realidade dolorida, sem a perspectiva de conseguir mudar.


Onde andará Petrúcio Felker? (Allan Sieber, 2001)

Composto por depoimentos de amigos, inimigos e familiares do famigerado artista plástico Petrúcio Felker, este mockumentary satiriza os performers surgidos na década de 60 e que se tornaram mais visíveis nas décadas seguintes. Contando com um elenco de famosos como Paulo Betti, Paulo Cesar Pereio e Regina Casé, o curta expõe um escracho divertido que conquista facilmente o público com suas tiradas que ora optam pela sutileza ora escancaram vísceras para descambar para o humor negro.


A Invenção da Infância (Liliana Sulzbach, 2000)

Com um mote doloroso – “Ser criança não significa ter infância” – este documentário mostra os altos e baixos de uma nação que se acostumou a ver seus infantes misturando os limiares da juventude e da vida adulta. Ao adquirirem responsabilidades típicas do mundo do trabalho, as crianças deixam de seguir o curso natural de se relacionarem com o mundo através do próprio brincar, pois terminam envelhecendo mais cedo do que deveriam. Agregando elementos históricos – como a evolução do conceito de infância desde o Renascimento até a atualidade – e depoimentos de crianças e mães de diferentes contextos sociais, a diretora consegue expor o painel de uma infância que precisa se reinventar para que possa ser plenamente vivenciada.

15/02/2011

Tradicional X Controverso em O Discurso do Rei



Quando se pensa em tradição, fala-se prontamente em transmissão de práticas ou de valores através de gerações, contudo, em nenhum momento, esta prática exclui a proposição de novas crenças e hábitos pelos próprios participantes da sociedade. A partir dessa idéia, pode-se analisar as maiores qualidades e deméritos da obra O Discurso do Rei (The King’s Speech, 2010).

Apresenta como principal mote a história de George VI (Colin Firth), sucessor do seu pai na monarquia britânica, mas que apresenta um grave problema de fala, algo inadequado para um governante que precisa transmitir segurança e autoridade através dos discursos que proferirá. Depois de passar por diversos tratamentos sem resultados positivos, sua esposa, Elizabeth (Helena Bonham Carter), leva-o até Lionel Logue (Geoffrey Rush), um terapeuta de fala de métodos controversos. Lionel despe a si e ao rei de todas as regalias que sua condição exigiria e se coloca de igual para igual com George, atuando como seu psicólogo e amigo. Seus exercícios e desafios fazem com que o rei adquira autoconfiança para cumprir seu maior desejo: ser aceito não somente como rei, mas como um ser humano.

Tom Hopper, emerso da televisão britânica, traz para sua convencional escrita fílmica o clima austero da monarquia, em que os enquadramentos privilegiam o equilíbrio e a estase, não permitindo que a história, em alguns momentos, tome vida própria diante da tela. Apoiado pela excelente trinca de atores – Firth, Rush e Bonham Carter -, o diretor equilibra momentos cômicos e dramáticos com obviedade e parece não saber conduzir os enquadramentos nem sua edição, optando por um cinema “correto” que não surpreende o espectador contemporâneo. Entretanto, ele não perde seu frescor somente pela força de seu elenco e da refinada construção cênica – direção de arte, figurinos, fotografia -, mas que, em conjunto, torna-se muito pouco para deleitar olhares mais críticos.

A obra de Hopper, mesmo de tratando da superação da tradição por pessoas que “não se encaixam” nos padrões convencionais, peca pelo paradoxo de estacionar no uso da linguagem fílmica ao não empregá-la com total desenvoltura através do espaço que dispunha.

10/02/2011

O Vencedor e os filmes de superação



Da longa tradição dos filmes de esporte, podemos encontrar diversos exemplares, onde a superação dos limites físicos torna-se tema central a ser desenvolvido através da narrativa. No entanto, quando se observa a história de O Vencedor (The Fighter, 2010), percebe-se que, por mais que todos seus elementos típicos estejam dispostos, esta obra consegue dialogar com frescor e maturidade além da simples história motivacional que acomete tantos outros filmes do gênero.

Empregando uma linguagem propositadamente metalingüística, David O. Russell começa mostrando os bastidores das gravações de um documentário sobre Dicky Ecklund (Christian Bale), pugilista que teve seu auge ao enfrentar o campeão mundial Sugar Ray Leonard, vivendo até hoje desta fama, apesar de ter desperdiçado a carreira devido às drogas. Com o passar do tempo, passa a focar na trajetória de Micky Ward (Mark Wahlberg), seu irmão, que tenta agora a sorte no mundo do boxe, sendo treinado por Dicky e empresariado por Alice (Melissa Leo), sua mãe. No entanto, sua família sempre o coloca em segundo plano em relação a Dicky, o que impede que Micky consiga ascender no esporte. Essa situação muda quando ele conhece Charlene Fleming (Amy Adams), que o incentiva a deixar a influência familiar e tratar a carreira de forma mais profissional.

Com um título brasileiro pouco sutil e uma estrutura convencional, Russell destila sua linguagem dinâmica e despretensiosa não para ironizar as figuras com que lida na sua história, como ocorria em Três Reis (Three Kings, 1999), mas para torná-las mais próximas de si mesmo e, por conseqüência, do público. Seu quarteto de atores torna-se o maior destaque do longa: enquanto Mark Wahlberg conduz seu Micky com paradoxal fragilidade e devoção diante daqueles que ama e Amy Adams equilibra-o com a força e o destempero de Charlene, tudo que seu amado necessita para fugir dos laços de fracasso que sua família construiu em torno dele. Contudo, reside na contundência de seus coadjuvantes sua maior força: Christian Bale constrói uma personalidade magnética e destrutiva para o fracassado e viciado Dicky, enquanto Melissa Leo doma a platéia com o retrato apaixonado e agressivo de Alice, uma mãe que não concebe as consequências da péssima administração que faz da carreira do filho.

Depois de ver a ascensão do protagonista no longa, o espectador percebe que os maiores desafios enfrentados por Ward não foram somente no ringue de boxe, mas dentro das paredes familiares, onde, considerando-se protegido, não percebia quão nocivas podem ser determinadas convivências, por menos intencionais que sejam. Ele aprendeu a gritar com sua voz, mas principalmente, os momentos de silenciá-la para liberar o perdão para criaturas tão humanas quanto ele mesmo. Mergulhando abruptamente no universo real e denso de suas personagens, Russell cria uma obra que reflete sobre a construção de uma identidade e os sacrifícios que realizamos na tentativa de alcançar o que desejamos. Wahlberg, Bale, Leo e Adams participam com tamanha veracidade sesta experiência que, por vezes, esquecemos que estamos diante de uma tela e nos permitimos acompanhar as escolhas certas e erradas destas pessoas como se fossem uma parte de nós.