31/12/2010

Melhores e Piores do Meu 2010

Entre meu saldo de 2010, posso escolher não somente os filmes deste ano, mas aqueles que, mesmo de anos anteriores, se tornaram parte de minhas experiências cinematográficas nos últimos 365 dias. Escolher entre estes 10 melhores filmes é tarefa complexa e, principalmente, injusta, mas posso tentar escolher alguns destaques dos filmes que vi neste ano, em ordem alfabética.

Hors Concours
  1. Bem-Vindos
  2. Boogie Nights
  3. Guerra ao Terror
  4. Mary & Max
  5. Ônibus 174
  6. Origem, A
  7. Rede Social, A
  8. Toy Story 3
  9. Tropa de Elite 2
  10. Viajo por que preciso, volto porque te amo
Menções Honrosas - Não chegaram lá, mas merecem destaque:

  1. (500) Dias com Ela
  2. Ano em que meus pais sairam de férias, O
  3. Homem Duplo, O
  4. Jackie Brown
  5. Margot e o Casamento
  6. No Meio do Mundo
  7. Spider
  8. Terra Deu, Terra Come
  9. Tournée
  10. Up
Piores - bem, isso resume:
  1. Antes que termine o dia
  2. Avatar
  3. Crepúsculo / Lua Nova
  4. Crossroads
  5. Lobisomem, O
  6. Par Perfeito
  7. Príncipe da Pérsia - As Areias do Tempo, O
  8. Shrek Para Sempre
  9. Te Amarei Para Sempre
  10. Tron - O Legado

Saldo de 2010

Encerrando o ano de 2010 com um saldo positivo. Não consegui fazer as críticas de todos os filmes que queria fazer, outros, não valiam a pena nem meia linha escrita, mas estes foram as obras com que me deparei neste ano que passou, na sala escura ou no conforto da sala, mas todos proporcionando experiências únicas, não importando se foram boas ou ruins:
  1. Guerra dos Mundos (War of the Worlds)
  2. Dançando no Escuro (Dancer in the Dark)
  3. Avatar (idem)
  4. Presságio
  5. Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos)
  6. Guerra ao Terror (The Hurt Locker)
  7. O Lobisomem (The Wolfman)
  8. O Desinformante (The Informant)
  9. Ônibus 174 (idem)
  10. Spider (idem)
  11. Tá Chovendo Hamburguer (Cloudy with a Chance of Meatballs)
  12. Se Beber, Não Case (The Hangover)
  13. O Ano em que meus pais sairam de férias (idem)
  14. Direito de Amar (A Single Man)
  15. Up (idem)
  16. Nine (idem)
  17. O Homem Duplo (A Scanner Darkly)
  18. Soul Kitchen (idem)
  19. Terra Deu, Terra Come (idem)
  20. Rota Comando (idem)
  21. Mary and Max (idem)
  22. $9,99 (idem)
  23. Educação (An Education)
  24. Alice no Pais das Maravilhas (Tim Burton's Alice in Wonderland)
  25. O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas (idem)
  26. Os Inquilinos (idem)
  27. Viajo porque preciso, volto por que te amo (idem)
  28. A Pequena Sereia (The Little Mermaid)
  29. O Cantor de Jazz (The Jazz Singer)
  30. Bem-Vindos
  31. Conte Comigo (You Can Count On Me)
  32. O Príncipe da Pérsia - As Areias do Tempo (The Prince of Peresia - The Sands of Times)
  33. Shrek Para Sempre (Shrek Forever After)
  34. Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo mas tinha vergonha de perguntar
  35. O Casamento do Meu Melhor Amigo (My Best Friend's Wedding)
  36. Um Sonho Possível (The Blind Side)
  37. No Meio do Mundo (Puisque Nous Sommes Nés)
  38. Toy Story 3 (idem)
  39. Crossroads (idem)
  40. O Sorriso de Monalisa (Monalisa Smile)
  41. Tudo Pode Dar Certo (Whatever Works)
  42. (500) Dias com Ela (500 Days of Summer)
  43. Doce Novembro (Sweet November)
  44. O Bem Amado (idem)
  45. P.S.: Eu Te Amo (P.S.: I Love You)
  46. A Era do Gelo (Ice Age)
  47. À Prova de Morte (Death Proof)
  48. A Origem (Inception)
  49. Par Perfeito (Killers)
  50. Margot e o Casamento (Margot at the Wedding)
  51. Boogie Nights (idem)
  52. A Era do Gelo 2 (Ice Age 2)
  53. A Era do Gelo 3 (Ice Age 3)
  54. Antes que termine o dia (If Only)
  55. O Procurado (Wanted)
  56. O Som do Coração (August Rush)
  57. Além da Estrada
  58. A Rede Social (The Social Network)
  59. Tournée (idem)
  60. Contos da Era Dourada
  61. Morte e Vida Severina (idem)
  62. Tropa de Elite 2 (idem)
  63. A Epidemia (The Crazies)
  64. Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right)
  65. Homens em Fúria (Stone)
  66. Milk (idem)
  67. Te Amarei Para Sempre
  68. Vicky Cristina Barcelona (idem)
  69. Crepúsculo (Twilight)
  70. Lua Nova (New Moon)
  71. Jackie Brown (idem)
  72. Substitutos (Surrogates)
  73. Sequestro do Metrô 123, O
  74. Prenda-me Se For Capaz (Catch Me If You Can)
  75. Tron - O Legado (Tron - Legacy)
  76. Código de Conduta
  77. Para Sempre Lilya
  78. Entre Irmãos (Brothers)
E que venha 2011 e mais filmes no horizonte...

16/12/2010

Tournée e o submundo do showbizz


Mathieu Amalric pode ser considerado um dos maiores atores franceses da atualidade, tendo oferecido performances marcantes em filmes como O Escafandro e a Borboleta e A Questão Humana, mas, aos poucos, vem se firmando como um diretor promissor, tendo trabalhado em curtas-metragens e filmes para TV e oferecendo mais uma empreitada para uma filmografia arrojada com Tournée.

Nesse longa, ele conta a história de um produtor famoso da televisão parisiense - Joachim -, que tinha abandonado tudo - filhos, amigos, inimigos, amores e remorsos - para recomeçar do zero na América. Ele regressa com uma companhia de strippers - chamada New Burlesque –, em que o humor dos números e as curvas das filhas entusiasmam tanto homens como mulheres. E, apesar da impessoalidade dos hotéis, das suas músicas de elevador e da falta de dinheiro, as showgirls inventam um mundo extravagante de fantasia, de calor e de festa. Com uma história simples no seu desenvolvimento, mas poderoso na concepção de suas personagens e diálogos, o diretor compõe um cenário humano ao mesmo tempo decadente na sua concepção de Arte e Criação e esperançoso na sua condição de trabalhador e ser humano ansioso pelo reconhecimento de sua dignidade.

Mesmo sabendo muito pouco sobre suas personagens, o espectador mergulha fundo em suas crenças e sentimentos, identificando-se bastante com o desenrolar da narrativa, atando-se ao fio de expectativa que as move por sua jornada dentro daquele submundo de drogados e promíscuos. Com interpretações marcantes de Amalric e seu grupo de beldades, o longa consegue se fortalecer na dinâmica de seus atores, que em seus momentos cômicos e dramáticos, proporcionam uma experiência de identificação profunda até mesmo com aqueles que nunca experimentaram o prazer que somente o descaminho extremo proporciona.

15/12/2010

Tropa de Elite 2 – Um Governo de Violência


Formadas por policiais, bombeiros, vigilantes, agentes penitenciários e militares, fora de serviço ou na ativa, as milícias são grupos criminosos que controlam várias favelas da cidade do Rio de Janeiro, intimidando e extorquindo moradores e comerciantes a pretexto de garantir a segurança contra traficantes.

Esse é o novo inimigo que surge em Tropa de Elite 2, em que Coronel Nascimento encara o desafio de bater de frente com o sistema que domina o Rio de Janeiro, ele descobre que o problema é muito maior do que imaginava. Ele precisa equilibrar o desafio de pacificar uma cidade ocupada pelo crime com as constantes preocupações com o filho adolescente. Quando o universo pessoal e o profissional de Nascimento se encontram, o resultado é explosivo. Com roteiro de José Padilha e Bráulio Mantovani, o longa promove uma evolução para o longa original, desenvolvendo melhor suas personagens e tornando-o um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos.

Mantovani, com seu trabalho neste longa consegue se estabelecer como um dos melhores roteiristas de sua geração, propondo três linhas narrativas que jamais se perdem, mas prendem o espectador em sua dialética complexa: o núcleo de milícias, o núcleo familiar de Nascimento, o núcleo da candidatura governamental. Tendo Nascimento como ponto de intersecção entre estes núcleos, o roteiro, logo de início, recorre a uma estratégia utilizada em Cidade de Deus, do mesmo autor: Nascimento principia o tom irônico de sua narração em ponto-chave de sua narrativa – um tiroteio de que é o principal alvo – e retornando ao começo da história, quando, tempo depois, as imagens mostram um final diferente do esperado, levando ao desenvolvimento do ato final do longa.

Urgente, tenso e doloroso. Adjetivos que se aplicam tanto à direção de Padilha – que se fortalece com enquadramentos precisos, uma edição ágil e orgânica, uma trilha sonora poderosa e uma paleta de cores variada e funcional – quanto ao desenvolvimento de seu elenco. Enquanto Wagner Moura constrói um Nascimento cujas nuances de ansiedade, remorso e tristeza humanizam ainda mais o ícone pop que ele ajudou a criar, firmando-o entre os melhores atores da atualidade, Irandhir Santos emerge como contraponto à altura do Coronel, oferecendo Deputado Fraga firme em seus princípios, e Maria Ribeiro firma-se como uma coadjuvante que garante seu espaço, mesmo que em poucas cenas, assim como o restante do elenco.

Incrível na empatia que provoca no espectador, Padilha carrega nas tintas da crítica e da violência a fim de denunciar e acalorar as discussões sobre a violência no Brasil. Se Nascimento parece ter encontrado na sua fala diante do tribunal que julga os culpados um resquício de esperança de transformação, quem sabe o cidadão comum possa se satisfazer com a crença no herói que existe dentro de si, pronto para encarar as conseqüências que esta luta arrasta consigo.

14/12/2010

Alienação e Genocídio em A Epidemia


Como uma refilmagem de um clássico de George Romero – O Exército do Extermínio, 1973 -, A Epidemia (The Crazies, 2010) atualiza o visual de uma história que, mesmo superficial, termina rendendo uma experiência intensa na sala escura.

Durante a primavera de uma tranquila cidade do interior, os moradores misteriosamente tornam-se pessoas silenciosas e extremamente agressivas, algo provocado por substâncias químicas no abastecimento de água do local. O casal David (Timothy Olyphant) e Judy (Radha Mitchell) se vêem cercados por aqueles que um dia já foram seus vizinhos e amigos, mas agora vagam pela cidade com um único objetivo em mente: matar. Sem os tradicionais dez minutos destinados à apresentação da situação dramática de suas personagens, o longa traz o espectador direto para a ação, quando, num jogo de baseball, um dos moradores ameaça David com uma espingarda, sendo morto pelo mesmo em seguida. Com o passar do tempo, os ataques começam a se intensificar até se descontrolar completamente, onde nenhum dos integrantes da equipe de resgate tem a confiança do espectador.

Mergulhando abruptamente na história sem preparação, os espectadores são lançados em uma teia onde o desconhecido e o inesperado predominam, ainda que permeado por sustos óbvios, onde o realista e o sobrenatural estão sempre à espreita. Com um roteiro simples, sua composição trata o ataque súbito daqueles moradores como uma metáfora ao genocídio e à violência de uma maneira geral, concebendo-a como algo sem sentido que, por motivo algum, domina aquelas personagens.

Questionando os limites entre a violência protetora e a destrutiva, seu diretor constrói um longa superficial, mas intenso, que ainda reserva ao espectador um ar de ironia ao seu final, compondo um painel de alienação ao redor dos acontecimentos trágicos da cidade.

Minhas Mães e Meu Pai - Uma Nova Família


Em certo momento do longa de Lisa Cholodenko, todos os integrantes da família estão reunidos e todos brindam à uma “família incomum”: formada por duas mães, dois filhos e um doador de sêmen. Se antes a noção de núcleo familiar residia na composição de pai, mãe e filhos, amplamente propagados no cinema pelo chamado american way of life, hoje família termina se tornando algo construído de forma quase despropositada, quando os laços se tornam cada vez mais distantes espacialmente, porém mais unidos sentimentalmente.

Em Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right, 2010), dois irmãos adolescentes, Joni (Mia Wasikowaska) e Laser (Josh Hutcherson), são filhos do casal homossexual Jules (Julianne Moore) e Nic (Annette Bening), concebidos através da inseminação artificial de um doador anônimo. Contudo, ao completar a maioridade, Joni encoraja o irmão a embarcar numa aventura para encontrar o pai biológico sem que as "mães" soubessem. Quando Paul (Mark Ruffalo) aparece, tudo muda, já que logo ela passa a fazer parte do cotidiano da família, o que traz conseqüências imprevisíveis no relacionamento amoroso de Nic e Jules, assim como na maternidade de ambas diante de uma figura paterna até então inexistente.

O roteiro de Cholodenko equilibra-se entre o drama e a comédia ao explorar questões que envolvem a paternidade e a maternidade homossexual no contemporâneo: enquanto Jules se frustra por não conseguir se firmar numa responsabilidade prática por sua vida, Nic esforça-se por controlá-la ao extremo, sendo excessivamente crítica e protetora com todos em redor; Joni e Laser, de formas diametralmente opostas, encontram em Paul um referencial masculino que os faz rever suas trajetórias como família, pois, ao se inserir nela, ele, de início, bem aceito, termina sendo expulso pelo desequilíbrio que terminou causando.

Dosando comicidade e drama, seus atores conseguem trazer tridimensionalidade a uma sinopse que, se em alguns momentos, resvalam no humor escrachado, conseguem trazê-los para dentro do seu universo: Julianne Moore e Annette Bening concebem duas mulheres apaixonadas num relacionamento aparentemente saudável que mostra suas feridas com a traição de Jules com o doador de esperma. No show de interpretação de ambas reside sua maior força: tanto na cena do restaurante, onde Nic e Jules conversam sobre suas dificuldades e inseguranças, assim como na cena do jantar na casa de Paul, onde, ao descobrir a traição de Jules, Bening desmancha seu rosto com a dor de uma revelação que ela imaginava nunca receber: como alguém que suportou a força de assumir um relacionamento homossexual “regride” para uma sexualidade hetero? Nesse momento, percebemos que não se trata de uma questão social ou simplesmente institucional como formação familiar, mas são sentimentos e decisões que residem na esfera do indivíduo .

Ambas conseguem mostrar por completo as inseguranças que suas personagens apresentam uma diante da outra, algo que supera os clichês do gênero “filmes de relacionamento gay”: se antes as maiores dificuldades residiam na possibilidade de se ter um relacionamento diante de uma sociedade preconceituosa, hoje os relacionamentos consumados enfrentam as mesmas dificuldades dos heterossexuais, como novo protótipo de família contemporânea.

Homens em Fúria: Sobre Certo e Errado




A Religião, por si só, considera divino algo que nos eleva para o bem estar, para a realização de atos com a plena consciência de estar cumprindo algo positivo para a Humanidade. Ela cria noções de certo e errado que podem ou não ser seguidas, mas, de modo algum, podem ser ignoradas por aqueles que vivem em uma sociedade regida pelos ditames do Divino.

No longa Homens em Fúria (Stone, 2010) - numa tradução que mantém o longa no terreno dos clichês - a religião torna-se um dos pontos de maiores discussão através do seguinte enredo: Jack Mabry (Robert De Niro) está cansado de anos e anos de trabalho no departamento de liberação de condicionais. Perto de se aposentar, ele pega um último caso, o de Gerald "Stone" Creeson (Edward Norton), condenado que vai para a última audição, apresentando o trivial comportamento perturbado: uma década antes, ele e seu primo incendiaram a casa da avó. Estranhamente, ele insiste que suacompanheira, Lucetta (Milla Jovovich), conheça Jack, com o intuito de manipulá-lo. De início hesitante, Marby começa a ser seduzido pela esposa do prisioneiro, que parece estar desejando mudar sua condição, apresentando uma busca por um encontro espiritual que lhe distancie das práticas de outrora.

O maior destaque do longa reside na dinâmica entre Robert De Niro, Edward Norton, Frances Conroy e, surpreendentemente, Milla Jovovich, que, apesar de ressoarem clichês de outras atuações, trazem ao cenário humano que compõem uma autenticidade que o eleva do thriller convencional para um interessante estudo sobre a moral social. Ambos conseguem compor nuances interessantes para suas personagens que se questionam constantemente sobre os parâmetros regem o julgamento de atitudes certas ou erradas para uma determinada sociedade, deixando pontos em aberto para que o espectador possa concluir por si só.

Mesmo que não seja um trabalho genial e imprevisível, seu diretor consegue se utilizar dos clichês com certa habilidade a fim de mostrar quão frágeis são as bases em que se constroem os fundamentos de uma sociedade pretensamente sadia, pois o certo e o errado convivem lado a lado, tentando se equilibrar: seja no desejo de liberdade do condenado a morte, seja na guerra santa promovida por religiosos fundamentalistas.

13/12/2010

Vicky Cristina Barcelona Happening



Happening - do inglês, acontecimento - é uma forma de expressão artística que, apresentando características das artes cênicas, incorpora algum elemento de espontaneidade ao cotidiano do público que o experimenta no momento em que é representado.

Vicky Cristina Barcelona conta a história de duas jovens americanas - a conservadora Vicky e a aventureira Cristina -, que viajam para Barcelona a fim de passar as férias de verão e acabam se envolvendo em confusões amorosas com um artista extravagante – Juan - e sua insana ex-esposa – Maria Elena -, o que termina se tornando um happening para suas vidas aparentemente normais. Ambas equilibram-se e desencaminham-se constantemente entre a ação passional e períodos de reflexão sobre o que vivenciam, sem julgamento ou moralismo, mas como simples fatos da vida. Os rompantes de desatino das personagens que Allen nos apresenta nesse longa cativam pela sua sinceridade e humanidade, mas acima de tudo pela destreza com que são interpretados, principalmente nas performances marcantes de Johansson e Cruz como a dupla de moças que equilibram o coração volátil de Bardem.

Allen, no entanto, aparece de forma mais aparente na racionalidade paranóica e quase destrutiva de Vicky, que, com seu excesso de análise diante das situações, termina, a princípio, se tornando irritante e neurótica como a persona de seu diretor sempre se deixa mostrar. Contudo, em Cristina, percebe-se um Allen desejando que sua verve passional o encaminhe para a beleza do mundo, como se ele, ao sair das sensações úmidas e cinzas de Nova York, tivesse, se de fato, encontrado alguma paixão em sua vida. Woody Allen, de alguma forma, parece que se tornou, além de cineasta, um personagem nos cânones da cinematografia norte-americana, sempre retratando os dilemas e situações ao mesmo tempo vazios e complicados de um cotidiano caracterizado pela verborragia e excesso de racionalidade. E nesse longa, revela um Allen que se permite navegar por outros mares, além das neuroses cotidianas, sem, no entanto, abandoná-las por completo, mas percebê-las sob outra perspectiva, diante de uma beleza que troca a insegurança e a repressão da metrópole nova-iorquina pela exuberância e verve criativa de uma Barcelona.

Vicky, Cristina e Cia. propõem ao espectador a realização de um happening com a própria vida, onde o espontâneo e o imprevisível são capazes de transformá-la em uma obra de arte, onde a paixão se torna essência, ingrediente principal para lhe dar o sabor devido, ao invés de um simples condimento que se perde à massa de racionalidade e previsibilidade que parece predominar no cotidiano.

10/12/2010

Milk por uma sexualidade de fato humana


No longa evolução racional, artística, política, tecnológica etc que a Humanidade realizou e testemunhou durante todos esses anos, a sexualidade pode ser considerada uma das áreas que encontrou as maiores dificuldades. Talvez pelo seu caráter universal, talvez pelas reservas com que a sociedade ocidental acostumou-se a tratar desta temática, mas em nenhum momento pode-se negar que se trata de um tema complexo, onde não se pode – ou não se deve – simplesmente ser maniqueísta ou tentar encerrar o discurso em uma linha ou vertente que atenda a todos os discursos satisfatoriamente.

Nos Estados Unidos, a educação conservadora que regia a Constituição do país precisou ser revisitada depois que uma pessoa comum fez valer os seus direitos: Harvey Milk foi um ativista dos direitos homossexuais que, ao se mudar com seu namorado para São Francisco no início dos anos 70, abriu uma loja de revelações fotográficas e, depois de passar pelo preconceito da comunidade local, surpreendeu a todos ao se tornar um verdadeiro agente de mudanças. Com a ajuda de amigos e voluntários, foi eleito para o Quadro de Supervisores de São Francisco em 1977, tornando-se o primeiro homossexual a ser votado para um importante cargo público nos Estados Unidos. No filme de Gus Van Sant – Milk -, mostra-se o lançamento de sua candidatura, assim como a sua vitória, após sucessivas derrotas, seguido dos infortúnios que se seguem após o cumprimento de suas propostas. O roteiro habilidoso de Dustin Lance Black equilibra o ponto de vista de Milk com as situações que o mesmo vivenciou ao longo dos oito anos em que trabalhou em seu ativismo, tratando-o de forma humana e sincera.

Gus Van Sant alia à uma edição caprichada e dinâmica - que une reconstituições com atores e fotos e videos reais da época - um excelente trabalho com seus atores – principalmente nas performances cativantes de Sean Penn, James Franco e Josh Brolin - para compor um cenário majoritariamente político, mas que ainda acreditava em mudanças positivas através do engajamento de pessoas comuns ao poder. Talvez seu maior mérito seja mostrar outro lado desta comunidade: não mais sofredora ou culpada pelos sentimentos que possuem pelo mesmo sexo, mas arrojada nas mudanças de qualidade de vida que almeja na sociedade que tanto ama. Se, em tempos anteriores, filmes como Brokeback Mountain (Ang Lee, 2006) e Boys Don’t Cry (Kimberly Pierce, 1999) tocavam o espectador pela maneira como abordavam o sofrimento pela condição dos homossexuais – as angústias internas e as conseqüências do assumir sua sexualidade de maneira dolorida -, o longa de Van Sant mostra um grupo forte, que, mesmo temendo suas retaliações, se mantém seguindo, pois, como mostra o discurso inicial de Milk, eles se sentiram recrutados para defender seus próprios direitos.

Talvez o maior abismo que exista entre o Eu e o Outro esteja naquilo que nos universaliza: o amor e a sexualidade. Milk simplesmente desejou transpor esse abismo, estendendo a mão para que conhecêssemos a sua maneira de pensar e sentir e ir além do mero julgar.


06/12/2010

O paradoxo da solidão contemporânea em A Rede Social


Depois de ter construído o painel mais sincero sobre a sociedade dos anos 90 com Clube da Luta (Fight Club, 1999), David Fincher volta novamente seu olhar para o contemporâneo, apresentando desta vez um olhar menos raivoso, mas, ainda assim, tão autodestrutivo quanto em A Rede Social (The Social Network, 2010).

Mark Zuckerberg, em 2003, após romper com uma namorada, cria um site em que, através de um algoritmo, permite aos alunos de Harvard escolher entre as garotas mais gostosas da universidade, tornando-o persona non grata em todo o campus. Fascinados pela chamariz que o fato causou na universidade, os irmãos Cameron e Tyler Winklevoss, que desejam criar uma rede de relacionamentos por um site exclusivo na internet, convidam Zuckerberg para trabalhar em sua equipe. No entanto, ele inapropriadamente se aproveita da idéia dos alunos para criar o Facebook, uma das maiores redes sociais criadas nos últimos anos. Tendo como base o livro “Bilionários Acidentais”, o roteiro de Aaron Sorkin equilibra três linhas temporais para delinear a personalidade destrutiva e solitária deste empreendedor que, ironicamente, possibilitou uma influência imensurável na maneira como as pessoas se relacionam na atualidade.

De maneira semelhante ao Daniel Plainview de There Will Be Blood (Paul Thomas Anderson, 2007) ou ao Charles Foster Kane de Citizen Kane (Orson Welles, 1941), presenciamos um homem criar em si mesmo seu monstro, caminhando rumo a sua solidão deliberada, mesmo que seja sua própria forma de caverna: no mundo contemporâneo, é impossível ficar sozinho. Mark afasta todos que estão em seu redor: namorada, o melhor amigo, possíveis anunciantes, como se a única pessoa com quem se sentisse confortável fosse a si mesmo. Ele parece assumir essa condição com muita propriedade, enquanto todos nós parecemos nos enganar com a possibilidade de existência de algum diálogo sincero em uma sociedade onde o real e o virtual se mesclam com cada vez menos certeza daquilo que experimentamos.

Fincher constrói seu painel crítico com bastante habilidade, trazendo de forma dinâmica e intrincada a cadeia de situações com um trio de protagonistas que nunca declinam em sua interpretação. Eisenberg brinda o espectador com uma performance sempre incisiva e racional que conquista o público pela inabalável certeza de suas convicções; Gilbert, com sua visão humana e sofrida do amigo Eduardo Saverin, que foi traído Mark quando o Facebook fazia sucesso; e Timberlake, que mostra um Parker à vontade e despretensioso que atrai os holofotes logo em sua primeira cena. Aliando a essa faceta humana enquadramentos e fotografia elegantes, o diretor apóia-se em diálogos precisos e dinâmicos em uma profusão de situações que carregam seu espectador para dentro do seu universo sem aviso.

Fincher retrata uma juventude que cria constantemente para si a utopia de se conectar com o mundo através de uma rede social, mas que, na verdade, vive mais solitária do que quando todos nós utilizávamos somente o olho no olho. Não sabíamos o quão felizes éramos.