24/07/2010

Um Cinema da Mente - A Origem


Revisitando e aprofundando o tema da mente humana, como em seus longas anteriores, Christopher Nolan equilibra entretenimento e profundidade num dos maiores sucessos de público e crítica do ano: A Origem.

Se em seu início de carreira, Amnésia utilizava-se da condição médica de seu protagonista, Leonard (Guy Pearce) e de um roteiro com referências ao gênero noir na sequência inversa para destrinchar os meandros de uma mente inconsequente e pouco confiável, O Grande Truque revela um cineasta pleno em sua arte ao propor um painel sobre a criação artística e sua relação com a identidade, empregando uma estrutura complexa de flashbacks dentro de flashbacks, vemos como a grande aceitação através do sucesso de público de Batman não consegue alterar o conceito de seu cinema. Tanto em Batman Begins como em The Dark Knight, Nolan utiliza-se de material pré-existente para conceber um universo realista e soturno onde o heroísmo e a vilania caminham lado a lado, onde racional e irracional são fronteiras voláteis, um terreno onde a mente humana caminha livre ou temerosamente.

Em sua obra-prima, Nolan utiliza de todos os elementos que o consagraram para expandir os limites do cinema ao contar uma história como nunca se viu antes: Dom Cobb é um experiente ladrão, capaz de penetrar no íntimo e infinito universo dos sonhos e, assim, roubar valiosos segredos dos subconscientes das pessoas enquanto elas estão dormindo. Depois de mostrar suas habilidades para Saito, um poderoso empresário que almeja utilizar-se delas para realizar um plano magistral: ao invés de roubas idéias, ele deseja implantar uma no inconsciente de Robert Fischer a fim de que este resolva dividir o império financeiro de seu pai moribundo, deixando o caminho livre para que Saito desenvolva sua empresa. Em troca, este garante que conseguirá a liberdade para que Cobb possa retornar aos EUA para seus filhos, depois que as acusações de ter matado sua esposa, Mal, sejam retiradas. Para tal, ele precisa recrutar uma equipe de talentosos profissionais: Arthur, seu braço direito e responsável pelos treinamentos; Ariadne, responsável pela arquitetura dos sonhos; Eames, falsificador de “pessoas” projetadas nos sonhos alheios; e Yusuf, químico que compõe sedativos poderosos a fim de prolongar e aprofundar o nível dos sonhos da equipe.

Se trabalhasse somente com a idéia da idéia do roubo dentro de sonhos, já seria uma trama suficientemente original, mas Nolan a explora até as últimas conseqüências: os sonhos são compartilhados por toda a equipe para cumprir o plano, que descem o nível dos sonhos a fim de implantar a idéia num nível cada vez maior de inconsciência, enquanto são perseguidos pelo próprio inconsciente de Fischer, representado por agentes que se lançam contra a equipe. Lembrando o nível de aprofundamento que Charlie Kauffman (Quero Ser John Malkovich, Adaptação, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças) realiza em seus roteiros – tanto temática (mente humana) quando estruturalmente (níveis de aprofundamento gradativos) -, Nolan diferencia-se deste por ser menos melancólico e reflexivo e mais espetacular e soturno, compondo um longa que se destaca pela sua habilidade em coordenar com maestria seu elenco internacional, fotografia adequada, trilha forte e sutil e um roteiro magistralmente escrito, que, equilibrando elementos de ficção científica, filme de espionagem, drama e noir, torna-se um longa surpreendente e imprevisível, com reviravoltas e aprofundamentos que vasculham a mente de seus protagonistas da maneira que parece mais racional, mas como elementos inconscientes que desestabilizam o espectador. Além disso, a montagem torna-se sua maior arte, já que consegue equilibrar cinco níveis de trama sem se perder em nenhum momento e manter a dialética entre os jogos de força que se estabelecem e se influenciam. Em seu clímax, Cobb, Mal e Ariadne estão no limbo tentando resgatar Fischer e resolver uma pendência emocional essencial para o desfecho, enquanto nos níveis anteriores, ocorrem perseguições, mortes e emboscadas que influenciam nas sonhos mais profundos, numa corrida contra o tempo que se revela inacreditável em seu desfecho, quando a certeza entre ter vivido um sonho ou estar no mundo real se desestabiliza até para o espectador.

Enquanto o cinema contemporâneo tem agregado outras artes – histórias em quadrinhos, pintura, teatro etc - na evolução da chamada cultura de convergência, Nolan realiza cinema para explorar as potencialidades do próprio cinema, filmes que se utilizam de sua linguagem de forma elegante e bem construída a fim de sempre dar um passo à frente na experiência cinematográfica, na mesma medida em que amplia as reflexões e sensações que os enigmas da mente humana podem oferecer.


23/07/2010

Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo – Crônicas de Vaudeville


A sexualidade humana, diferente da dos animais, apresenta-se de forma mais complexa e desenvolvida por um elemento em particular: a linguagem.

Característica essencial do homem, a linguagem faz com que o homem reflita e fale sobre sua sexualidade, permitindo-o questionar instintos e dogmas construídos ao longo de sua vivência no mundo, principalmente nos campos da Psicologia e da Arte. Surgindo dramática ou cômica, satírica ou erótica, a sexualidade sempre desperta curiosidade porque universaliza o ser humano, ainda mais de forma tão envolvente como no longa Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo (mas tinha medo de perguntar).

Trazendo um Woody Allen em início de carreira, este longa, composto por sete segmentos baseados em seções do livro de não-ficção de Paul Reuben, acompanha desde um bobo da corte que dá um afrodisíaco para a rainha até espermatozóides com dúvidas e medos sobre serem ejaculados, passando por um doutor que se apaixona por uma ovelha e um seio predador. Estas esquetes expõem o nonsense dentro do cotidiano a fim de explorar o absurdo sobre a forma como a sociedade trata uma sexualidade cheia de dilemas e vicissitudes, que se mostra mais incompleta do que benéfica em certos momentos.

Allen imprime sua persona a cada um dos segmentos, seguido por um elenco competente que eleva o status teatral das composições a um quadro cinematográfico por algumas sequências em particular, como Gene Wilder e Lynn Redgrave.

Shrek Para Sempre e o Desgaste da Paródia


O primeiro longa de animação a ganhar o Oscar na categoria – o Shrek original – era um conto de fadas às avessas, que, contava uma história a la Bela e a Fera, mas permeado de esquetes cômicas que compunham um cenário satírico ao universo das histórias da carochinha que divertia e envolvia o espectador de qualquer idade.

Contudo, ao longo do tempo, foram criadas as sequências ao original e o tom de paródia, mesmo que permaneça, parece enfraquecido pela tentativa de criar um arco dramático mais emocionante – mesmo que sem sucesso, por se apoiar em clichês do gênero - e estabelecer piadas prontas e datadas – através de referências pop esvaziadas de significado que nada acrescentam ao enredo. O que nos leva ao enredo de Shrek Para Sempre: depois de várias aventuras, Shrek virou um homem de família, pois, ao invés de ficar assustando os moradores locais, o ogro verde vive dando autógrafos. Pensando no passado, quando realmente se sentia como um ogro, Shrek assina um contrato com Rumplestiltskin e sua vida muda completamente: ele passa a viver em mundo que é o oposto do Reino Tão Tão Distante, em que os ogros são caçados, nem o Burro e o Gato de Botas são seus amigos e Fiona nem o conhece.

Mesmo apresentando qualidade em algumas piadas, o longa como um todo não se sustenta com um enredo típico de A Felicidade Não Se Compra (Frank Capra, 1946), referenciando a sua estrutura e desenvolvimento sem oferecer qualquer novidade – como ocorria no longa original, onde, ao Fiona se transformar em ogro depois do beijo de Shrek, subvertia o desfecho de A Bela e a Fera, propondo um final mais lógico com a proposta de ir de encontro à ditadura da beleza.

Esta terceira sequência prefere ser entretenimento esquecível a participar de uma revolução na maneira de contar histórias, como foi seu antecessor.